Rússia-China propõem o mapa de trajeto asiático para o Afeganistão

O papel de 'facilitar', e não 'mediar' da Organização de Cooperação de Xangai poderia ser a chave para resolver o imbróglio afegão

(Foto: Reuters)


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Por Pepe Escobar, para o Asia Times

Tradução de Patricia Zimbres, para o 247

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O encontro de ministros das Relações Exteriores da Organização de Cooperação de Xangai, a ter lugar na próxima quarta-feira em Dushanbe, a capital tajique, pode não ter chamado muita atenção, embora tenha revelado os contornos do grande quadro que temos à frente no que diz respeito ao Afeganistão.

Vejamos, portanto, o que a Rússia e a China - os pesos-pesados da OCX - vêm fazendo.    

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O ministro das relações exteriores chinês Wang Yi expôs o mapa de trajeto básico a seu colega afegão Mohammad Haneef Atmar. Ao mesmo tempo em que ressaltava o padrão-ouro da política externa chinesa - nenhuma interferência nos assuntos internos de nações amigas - Wang estabeleceu três prioridades: 

1. Negociações interafegãs reais visando à reconciliação nacional e a uma solução política duradoura, evitando assim uma guerra civil total. Pequim se dispõe  a "facilitar" esse diálogo.  

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2. Luta contra o terror – o que significa, na prática, o que restou da al-Qaeda, o ISIS-Khorasan e o Movimento Islâmico do Turquestão Oriental (ETIM). O Afeganistão não deve servir de refúgio a grupos terroristas. 

3. O Talibã, de sua parte, deverá se comprometer a romper  definitivamente com todos os grupos terroristas.

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Atmar, segundo fontes diplomáticas, concordou plenamente com Wang. E o mesmo fez o ministro das relações exteriores tajique Sirojiddin Muhriddin. Atmar chegou a prometer colaborar com Pequim para esmagar o  ETIM, um grupo terrorista uigur fundado na região de Xinjiang, a noroeste da China. De modo geral, a postura de Pequim diz que todas as negociações devem ser "de iniciativa afegã e controladas por afegãos". 

Coube ao enviado da presidência da Rússia, Zamir Kabulov, apresentar uma avaliação mais detalhada das discussões de Dushanbe. 

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O principal ponto defendido pela Rússia é que Cabul e o Talibã devem tentar formar uma coalizão provisória pelos próximos dois ou três anos, enquanto negociam um acordo permanente. Imaginem uma tarefa sisífica - para dizer o mínimo. A Rússia tem pleno conhecimento de que os dois lados não irão retomar as negociações antes de setembro. 

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Moscou é muita precisa quanto ao papel a ser desempenhado por  uma troika ampliada – Rússia, China, Paquistão e os Estados Unidos – nas dolorosamente lentas negociações sobre o processo de paz que vêm ocorrendo em Doha: a troika deverá : "facilitar" (terminologia também usada por Wang), e não mediar os procedimentos.  

Um outro ponto de grande importância é que assim que negociações "substantivas" tenham sido retomadas, deve ser lançado um mecanismo com o objetivo de livrar o Talibã de sanções do Conselho de Segurança da ONU. 

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Isso significará a normalização do Talibã como movimento político. Levando em conta seu atual impulso diplomático, o Talibã permanece firme em seu objetivo. A advertência russa de que o Talibã não deve se tornar uma ameaça de segurança para qualquer um dos "istãos" da Ásia Central, caso contrário haverá "consequências", foi entendida em sua totalidade.

mapa-afeganistao
Fonte: International Policy Research Institute

Quatro dos cinco "istãos" (excetuando-se o Turcomenistão) são membros da OCX. Por sinal, o Talibã enviou uma missão diplomática ao Turcomenistão a fim de aplacar os temores daquele país.  

Rumo à fronteira

Em Dushanbe, uma reunião especial OXC-Grupo de Contato com o Afeganistão,  criado em 2005, pela primeira vez se deu a nível de ministros das relações exteriores. 

O que mostra que a OCX como um todo está engajada em transformar o seu papel de "facilitar, não mediar" no principal mecanismo de solução para o drama afegão. É sempre de importância crucial nos lembrarmos que nada menos que seis das nações-membros da OCX são vizinhas do Afeganistão. 

Durante o evento principal do encontro de Dushanbe – o Conselho de Chanceleres da OCX – os russos, mais uma vez, caracterizaram a estratégia Indo-Pacífico de Washington como uma tentativa de conter a China e isolar a Rússia.

A partir de análises recentemente  realizadas pelo Presidente Vladimir Putin e pelo Ministro das Relações Exteriores Sergey Lavrov, a delegação russa expôs a seus colegas da OCX sua visão, contrapondo a iniciativa de Moscou e Pequim no sentido de desenvolver um sistema mundial policêntrico com base no direito internacional, de um lado, ao conceito ocidental de uma suposta "ordem mundial baseada em regras".  

O enfoque ocidental, segundo eles, coloca pressões sobre países que seguem políticas externas independentes, legitimando, em última análise, a "política neocolonial" do Ocidente. 

Na linha de frente

Enquanto a OCX discutia o impulso em direção a um sistema mundial policêntrico, o Talibã, na linha de frente, continuou a fazer o que vêm fazendo nas últimas semanas: se apoderando de cruzamentos estratégicos.

O Talibã já controlava os cruzamentos de fronteira com o Tajiquistão, o Uzbequistão, o Irã e o Turcomenistão. Agora, eles acabam de tomar o ultra-estratégico Spin Boldak, na fronteira paquistanesa com o Baloquistão que, em termos comerciais é ainda mais importante que o cruzamento de fronteira em Torkham, próximo ao Passo de Khyber.

Segundo o porta-voz  do Talibã, Suhail Shaheen, "o distrito de Spin Boldak na província de Kandahar está livre do inimigo - as forças de Cabul - e o distrito está agora sob controle dos mujahideen". O termo "mujahideen", no contexto afegão, significa as forças nativas que lutam contra invasores estrangeiros ou seus aliados. 

Para ter uma ideia da importância de Spin Boldak para a economia do Talibã durante seus anos no poder, ver o terceiro capítulo de uma série que publiquei no Asia Times em 2010, aqui e aqui. Há onze anos, observei  que "a fronteira Afeganistão-Paquistão ainda é porosa, e o Talibã parece acreditar que eles talvez consigam ter de volta seu Talibanistão". Hoje, mais que nunca, eles continuam acreditando nisso.

Enquanto isso, na província de Badakhshan, a nordeste, o Talibã vem se aproximando cada vez mais da fronteira com Xinjiang – o que vem levando a algum grau de histeria quanto à possibilidade de o "terrorismo" se infiltrar na China através do corredor de Wakhan.

Bobagem. A fronteira Afeganistão-China no Wakhan tem cerca de  90 quilômetros. Pequim tem a capacidade de exercer vigilância eletrônica total de qualquer coisa que se mova. 

Atravessei parte do Wakhan do lado tajique, na fronteira do Afeganistão, durante meu circuito pela Ásia Central, em fins de 2019. Em alguns trechos da Rodovia Pamir, cheguei a uma distância de cerca de 30 quilômetros de Xinjiang, atravessando uma terra-de-ninguém. As únicas pessoas que vi naquela paisagem geologicamente espetacular e desolada foram umas poucas caravanas nômades. O terreno talvez seja ainda mais proibitivo que o Hindu Kush.  

Se algum grupo terrorista tentar entrar em Xinjiang, eles não ousarão atravessar o Wakhan; eles tentarão se infiltrar pelo Quirguistão. Encontrei muitos uigures em Bishkek, a capital quirguiz: a maioria deles homens de negócios, cruzando a fronteira legalmente. Na fronteira entre o Quirguistão e Xinjiang, havia um fluxo constante de caminhões de carga. O ETIM era  desqualificado como um bando de gente louca. 

O que é muito mais relevante é que o Ministério das Obras Públicas, em Cabul, está de fato construindo uma estrada de 50 quilômetros - até agora não-pavimentada - entre a província de Badakhshan e Xinjiang, até o final do corredor Wakhan. Ela terá o nome de Rota Wakhan.

Nenhuma perspectiva de cemitério de impérios 

É possível dizer que o Paquistão, membro da OCX, permanece como a peça-chave para a solução do drama afegão. O ISI paquistanês continua mantendo vínculos estreitos com todas as facções do Talibã: não esqueçamos jamais que o Talibã foi criado pelo lendário General Hamid Gul, em inícios da década de 1990.   

Ao mesmo tempo, para qualquer grupo jihadi, é mais fácil se esconder e permanecer na clandestinidade nas áreas tribais paquistanesas mais remotas que em qualquer outro lugar - e eles conseguem comprar proteção, independentemente do que o Talibã estiver fazendo no Afeganistão. O primeiro-ministro Imran Khan e seu círculo têm plena consciência disso – tanto quanto Pequim. Esse será o teste supremo para a OCX em sua frente anti-terror. 

A China necessita de um Paquistão eminentemente estável para todos os projetos de longo prazo da Iniciativa Cinturão e Rota/Corredor Econômico China-Paquistão, e para alcançar seu objetivo de incorporar o Afeganistão. Cabul fatalmente se beneficiaria não apenas de um aumento da conectividade e do desenvolvimento de infraestrutura, mas também de futuros projetos de mineração, incluindo a exploração de metais terra rara. 

Enquanto isso, os nacionalistas hindus adorariam passar a perna no Paquistão e estender sua influência a Cabul, incentivados por Washington. Para o Império do Caos, a agenda ideal seria – o que mais poderia ser? – o caos: destruir a Cinturão e Rota e o mapa de percurso Rússia-China  para a integração eurasiana, o Afeganistão incluído.

 

A dose adicional de histeria que retrata o envolvimento da Rússia e da China na reconstrução do Afeganistão como nada além de um novo capítulo na infindável saga do "cemitério dos impérios" não se qualifica sequer como tolice. As conversas de Dushanbe deixaram claro que a abordagem à questão do Afeganistão da parceria estratégica Rússia-China é cautelosamente realista. 

Trata-se de reconciliação nacional, desenvolvimento e econômico e integração eurasiana. Não estão incluídos um componente militar, focos para um Império de Bases nem interferência estrangeira. Moscou e Pequim também reconhecem, de forma pragmática, que a realização desses sonhos não será possível em um Afeganistão refém de etno-sectarismo. 

O Talibã, de sua parte, parece ter reconhecido seus próprios limites, daí sua atual iniciativa de diplomacia inter-regional. Eles parecem estar prestando muita atenção aos inevitáveis pesos-pesados - Rússia e China - e também aos "istãos" da Ásia Central e ao Paquistão e Irã. 

Quanto a toda essa dança de interconexão prenunciar o início do Afeganistão pós-guerra como um estado realmente funcional, tudo o que podemos dizer é insha Allah.

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