Resolver o caso Marielle para resgatar a democracia no Brasil

Colunista Carla Teixeira também afirma que "descobrir e responsabilizar quem mandou matar Marielle e Anderson poderá fortalecer as instituições do Estado"

Marielle Franco
Marielle Franco (Foto: ABr)


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Depois de 4 anos, 5 delegados e 3 grupos diferentes de promotores, os assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes parecem longe de serem elucidados. O crime que chocou o país e o mundo há 1.461 dias evidenciou que há no Brasil um grupo político capaz de matar pessoas como forma de fazer política ciente que não será responsabilizado.

Mulher, preta, pobre, favelada, mãe, bissexual, anticapitalista e defensora dos direitos humanos, Marielle tinha o perfil de mulheres que são assassinadas todos os dias no Brasil. Mas o seu caso não é um feminicídio comum, trata-se de um “feminicídio político” que atinge, essencialmente, mulheres que estão na linha de frente e sofrem um processo de violência política constante – com ataques misóginos, racistas e machistas – que pode chegar ao feminicídio político.

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As milícias, apontadas como responsáveis pelo crime, são a evolução dos grupos de extermínio que emergiram durante a Ditadura Militar. É desse período a prática de atentados terroristas que tinham sua autoria atribuída aos grupos de oposição à ditadura. No entanto, as milícias estão num patamar mais elevado que os esquadrões por contar com cinco décadas de acúmulo de informações sobre territórios, entradas e saídas de favelas e periferias, acesso e formação de lideranças políticas.

O grau de profissionalismo demonstrado na execução de Marielle e Anderson, assim como a periclitância das investigações com sucessivas trocas de delegados e promotores comprovam o alto grau de influência política de seus mandantes sobre a Polícia Civil do Rio de Janeiro. Também junto ao Ministério Público Estadual (MPE), onde foram identificados ao menos dois promotores bolsonaristas, posteriormente afastados do caso, mas que poderiam dar acesso às investigações para a família

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Como apontou o ex-ministro Raul Jungman, é certo o envolvimento de poderosos no caso Marielle. Entre esses poderosos, a própria família Bolsonaro que, em 2018, era contra a intervenção militar no Rio de Janeiro. Marielle era uma crítica contundente da intervenção. Há uma série de inconsistências nas investigações, muitas já apontadas pelo jornalista Luís Nassif, mas convém reiterar a importância elementar de três personagens: General Braga Netto, Sérgio Moro e Carlos Bolsonaro.

Braga Netto era o general responsável pela desastrada intervenção militar no Rio de Janeiro, em fevereiro de 2018, sob ordens do usurpador Michel Temer. Quando houve o assassinato de Marielle e Anderson, Braga Netto apareceu nos jornais repudiando o assassinato e prometendo prender os responsáveis até o final daquele ano. Em 2019, foi nomeado Ministro da Casa Civil e anunciou que não divulgou quem eram os suspeitos do assassinato para não buscar protagonismo.

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A prisão de Ronnie Lessa e Élcio Queiroz escancararam a ligação da família Bolsonaro com os acusados de matar Marielle e Anderson. Os sicários se encontraram no condomínio Vivendas da Barra, onde moram Jair e Carlos Bolsonaro. Em testemunho, o porteiro do condomínio afirmou que Élcio pediu para entrar na casa 58, de Jair, recebendo autorização do próprio Bolsonaro. A anotação, em papel, confirmava a versão do porteiro.

Para refutar o testemunho, Carlos Bolsonaro em sua “Jenialidade” (com jota mesmo!), gravou vídeo em que mostrava o áudio do porteiro avisando, para Ronnie, sobre a chegada de Élcio. Mas também revelava que Carlos não estava na Câmara dos Vereadores, mas no condomínio Vivendas no mesmo momento da chegada de Élcio. Após isso, Carlos apagou as suas redes sociais e ficou desaparecido por alguns dias. Em tempo recorde, o MPE se reuniu para anunciar uma perícia no material que não comprovou se o áudio foi adicionado depois ao sistema do condomínio, apenas confirmou sua autenticidade.

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À época, a Polícia Federal de Sérgio Moro cumpriu um duplo dever: intimidar o porteiro, que foi acusado de obstrução de justiça e falso testemunho, e garantir que Adriano da Nóbrega, chefe do Escritório do Crime e ligado ao senador Flávio Bolsonaro, não fosse colocado na lista de procurados. Adriano avisou que seria alvo de “queima de arquivo”. Foi morto, na Bahia, alguns meses depois.

As ligações da família Bolsonaro com as milícias do Rio de Janeiro são evidentes e reiteradas. Ronnie Lessa recebeu ajuda de Bolsonaro para obter uma prótese. A mulher e a mãe de Adriano da Nóbrega foram funcionárias fantasmas do gabinete de Flávio Bolsonaro. Carlos, o mais desequilibrado dos rebentos, era o membro da família presente no condomínio no exato momento em que os assassinos de Marielle se preparavam para a execução do crime.

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Se quatro anos depois não podemos afirmar quem mandou matar Marielle, há alguns fatos que saltam aos olhos. A intervenção militar no Rio de Janeiro funcionou ao propósito de levar o poder paralelo das milícias cariocas para o centro do comando em Brasília. Daí a importância de seu interventor, General Braga Netto, atual ministro da Defesa e cotado para ser o candidato a vice-presidente na reeleição de Jair.

A ascensão da extrema-direita miliciana e militarizada é a dimensão política de uma série de medidas que subjugam o estado e fortalecem os grupos paramilitares: facilidade para o comércio de armas, enfraquecimento alfandegário, consolidação das milícias e da contravenção, a cooptação da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e da grande mídia – que parece ter sepultado o jornalismo investigativo.

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Ao que tudo indica, não saberemos quem mandou matar Marielle e Anderson enquanto Jair Bolsonaro for presidente da República e Braga Netto for influente em qualquer governo. Antes de elucidar o crime a sociedade brasileira precisará construir a saída política com força burocrática e institucional, mas também jurídica e militar, para revelar os porões do poder paralelo que se instalou em Brasília a partir do golpe de 2016. Descobrir e responsabilizar quem mandou matar Marielle e Anderson poderá fortalecer as instituições do Estado, reestabelecer a confiança da população na política e, o essencial, contribuir para o resgate da democracia no Brasil.

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