Resgatar o PT
"O PT precisa ser resgatado. A luta interna e a pressão externa são fundamentais para que isto ocorra", escreve o colunista Aldo Fornazieri. "Com uma direção burocrática, não tem conseguido orientar a militância, os simpatizantes, o seu eleitorado e nem mesmo os políticos do partido que ocupam cargos públicos"
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Os partidos de esquerda brasileiros vivem um momento lamentável. Já se passaram mais de 20 dias do resultado do primeiro turno e de uma semana do segundo turno das eleições municipais e não há nenhuma avaliação partidária propriamente dita. Pode-se ver aqui e ali avaliações e declarações de alguns dirigentes, mais ou menos todas no sentido de construir uma pós-verdade de que teria havido avanços. Nada mais. Os Sites oficiais dos partidos parecem sites de grêmios estudantis. Têm um caráter noticioso. Nada de direção e comando. O não reconhecimento desses fatos é uma fuga das responsabilidades das direções, um ludibrio da militância e da opinião pública.
O PT vem acumulando, nos últimos anos, uma sucessão de derrotas, tanto eleitorais, quanto em suas inciativas políticas. O partido está acéfalo. Com uma direção burocrática, não tem conseguido orientar a militância, os simpatizantes, o seu eleitorado e nem mesmo os políticos do partido que ocupam cargos públicos. Não há comunicação. O site chega a ficar com notícias desatualizadas.
O PT precisa ser resgatado, sequestrado que está pela burocracia. O problema é saber se é possível resgatá-lo. O partido constitui a mais importante experiência da esquerda brasileira. Fez muito para os padrões da política brasileira. Mas fez pouco em face das trágicas necessidades e carecimentos do povo brasileiro.
Com a ressalva de que toda periodização histórica tem graus de arbitrariedade, é possível dizer que, do ponto de vista interno, a história do PT se divide em dois períodos. O primeiro, vai da sua origem até 2002. Nesse período, a dinâmica interna do partido era definida, principalmente, pela luta entre as correntes, tendências. As teses programáticas, as ideias e as ideologias orientavam essa dinâmica, fator que conferia vigor combativo à ação do partido. As virtudes da coragem e do enfrentamento, a imbricação com os movimentos sociais, a combinação da luta institucional-parlamentar com o princípio organizativo do povo eram determinantes e foram elementos decisivos para o crescimento do partido, a confiança persuasiva que ele disseminou e, finalmente, a vitória nas eleições presidenciais.
As direções partidárias desse primeiro período nasciam da luta política e ideológica interna e do reconhecimento da legitimidade de líderes autênticos e experientes, a exemplo de Lula, José Dirceu, José Genoíno, Luiz Gushiken, Olívio Dutra, Tarso Genro, Paul Singer, Luiza Erundina, Marina Silva e Plinio de Arruda Sampaio. No nome destes, nomeie-se e homenageiem-se todos os outros. Combinava-se liderança popular, capacidade de elaboração intelectual e capacidade de comando partidário. Esses líderes não só dirigiram a construção do partido, mas o levaram para a vitória. Claro, o PT é fruto também da luta abnegada e anônima de milhares de militantes e ativistas que dispenderam parte preciosa de suas vidas para que as lutas sociais e populares tivessem uma expressão política e partidária. Neste sentido, o PT é patrimônio do povo e não é aceitável que direções burocráticas e incompetentes destruam esse patrimônio.
É certo dizer que a sociedade que deu origem ao PT não existe mais. Tudo mudou. Os dirigentes e políticos do PT também mudaram. Só que para pior. A partir da vitória eleitoral de 2002 tudo mudou muito rapidamente. De partido de abnegados e corajosos lutadores, o PT foi se transformando em partido de engravatados, de gente que vestia ternos bem talhados, camisas engomadas com abotoaduras brilhantes, correntinhas de ouros. As reuniões do partido passaram a ser feitas em luxuosos hotéis de Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro.... Aos poucos, os dirigentes e políticos do PT mudaram de hábitos, de restaurantes, de bebidas e se tornaram gente da elite. Aí houve uma clara corrupção de princípios que foi se degradando com o passar dos anos. Os espaços para a crítica interna foram se estreitando. E quando a luta por causas perde importância em favor da luta por cargos, vem a arrogância e a intolerância.
Do ponto de vista interno, o PT passou a ter outra dinâmica: a luta pelo poder e direção foi transferida das tendências para os mandatos e aquelas ficaram subordinadas a estes. As teses programáticas e as ideias foram sendo afogadas pelos interesses pragmáticos. Novos dirigentes, ávidos de cargos e mandatos, formados num marxismo tosco, quando formados, foram ascendendo aos cargos de direção e assessorias. A política foi sendo transformada num modo de vida e as causas se tornaram meros instrumentos retóricos para a luta política e a manutenção do poder.
A soma dos interesses dos mandatos com os interesses de dirigentes sem virtudes foram decretando o empobrecimento do debate político e da elaboração programática e estratégica do PT. O partido foi se tornando em agrupamento sem vigor, sem coragem e sem virtude. O processo do golpe e do impeachment espelhou o máximo de desastre a que pode chegar um partido desfibrado, despossuído de coragem, derrotista e defensivista.
O PT já não havia cumprido o seu papel durante os governos petistas: ficou acomodado à sombra do poder, não politizou e nem organizou o povo. Não soube potencializar sua participação institucional com a organização popular. Acreditou que os programas sociais estocavam votos e fidelidades por um futuro indefinido. Imaginou que Lula teria um poder indestrutível que garantiria vitórias sucessivas. Errou tragicamente. Lula sempre foi maior do que o PT. Muitos petistas se fazem à custa dele: venceram, ocuparam cargos, mudaram de status, melhoraram suas condições financeiras. Como se vê agora, não honraram o que Lula e o povo lhes deram e dilapidam a herança politica, muito possivelmente em favor do patrimônio pessoal.
Derrotado no impeachment, com Lula preso, o partido ficou sem rumo e sem norte. De então para cá, a direção do partido virou um agrupamento de lamúrias, de autovitimização, de lembranças nostálgicas de supostas glórias do passado. Abandonou a essência da política, que consiste em incidir sobre os problemas do presente e apontar um futuro.
Na pandemia, boa parte dos políticos e das direções petistas enveredou para o caminho da antipolítica: se esmeraram nas livestransmitidas a partir do aconchego dos seus lares, com bibliotecas, quadros emoldurados nas paredes, limpinhos e bem vestidos. O contraste com o povo era gritante. Este estava desesperado nas filas da Caixa Econômica, dos hospitais, se contaminando no transporte público, sem que ninguém o defendesse. A falta de atitude da maioria dos parlamentares do PT e das esquerdas foi covarde e vergonhosa. Quando as torcidas dos times de futebol organizaram atos em defesa da democracia e contra o golpismo de Bolsonaro, a bancada de senadores do PT emitiu uma nota desmobilizando a militância.
O PT precisa ser resgatado. A luta interna e a pressão externa são fundamentais para que isto ocorra. Os partidos de esquerda deveriam analisar sua situação de forma mais ampla no Brasil, a partir de uma perspectiva histórica. Se fizessem isso, mirando os interesses do povo e do Brasil, chegariam à conclusão de que deveriam trabalhar por um modelo organizativo de frente orgânica entre eles, incorporando movimentos sociais, superando essa individualidade partidária e as duvidosas frentes eleitorais.
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