Réquiem para o PSDB

"Os tucanos vão, então, deslocar-se cada vez mais para um discurso reacionário. Higienismo social, meritocracia, o pacote todo", escreve Luis Felipe Miguel

(Foto: Reprodução)


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Luis Felipe Miguel

Quando surgiu, em meio à Assembleia Nacional Constituinte, o PSDB se propunha ocupar um espaço progressista. O “social-democracia” do nome nunca foi mais do que uma marca de fantasia, mas o objetivo era construir no Brasil um capitalismo um pouco mais civilizado.

Seu fundadores eram parlamentares de centro-esquerda. Um Geraldo Alckmin, de perfil mais conservador, era antes a exceção do que a regra.

Respeito às normas da democracia eleitoral, disputa política com certa consistência programática, proteção dos direitos humanos essenciais, políticas de promoção de um patamar mínimo de igualdade de oportunidades: eis o projeto tucano inicial.

Em suma, com o PMDB tomado por oportunistas de todos os matizes, os dissidentes que fundaram o PSDB ambicionavam tomar o lugar de partido capaz de encarnar as promessas da Nova República.

Esta ambição durou pouco. 

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Na eleição presidencial de 1989, Mário Covas enunciou de forma provocativa o projeto do PSDB com seu famoso discurso do “choque de capitalismo”. No segundo turno, o partido apoiou Lula. Em seguida, conseguiu conter sua própria ala oportunista, capitaneada por Fernando Henrique, que desejava aderir ao governo Collor.

No entanto, a consolidação da liderança de Lula no campo da esquerda deixou claro que, para chegar ao poder, seria necessário olhar para a direita. Foi o que fez o PSDB.

O destino levou Fernando Henrique – que, então, pensava em se candidatar a deputado federal, ciente de que não teria votos para se reeleger ao Senado – ao ministério da Fazenda de Itamar Franco, onde pilotou o plano de estabilização monetária que o credenciou à disputa presidencial. 

O PSDB iniciou então sua longeva aliança com o então PFL, depois DEM, hoje absorvido no União Brasil.

Seguindo o espírito do tempo, o PSDB apresentava suas políticas privatistas e contrárias à classe trabalhadora como provas de seu continuado compromisso com a “modernização” do país. 

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Mas, para qualquer observador, era evidente que ele estava mais próximo do programa de Collor de que de suas propostas originais.

A guinada à direita se radicalizou quando o partido passou à oposição. 

O PT se tornou, no poder, aquilo que o PSDB queria ter sido: o partido da Nova República.

Os tucanos vão, então, deslocar-se cada vez mais para um discurso reacionário. 

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Higienismo social, meritocracia, o pacote todo. Serão campeões de bandeiras como a redução da maioridade penal ou da criminalização do aborto.

Mortos Montoro, Covas e Richa, a cúpula tucana cooptou novos integrantes, como Aécio Neves, herdeiro político dotado de alguma esperteza e poucos escrúpulos, ou Geraldo Alckmin, político provinciano cuja sorte era ter, como província, o maior estado da federação.

Idealmente, esta cúpula – que incluía Tasso, Serra e FHC – se acertaria entre si e daria as cartas no partido. Mas estar na oposição é doloroso, como afirma a sabedoria política convencional, e as brigas internas só cresceram.

Aécio boicotou a campanha de Serra; os paulistas fizeram corpo mole com Aécio. 

Em 2016, Alckmin decidiu peitar por conta própria a candidatura de um arrivista à prefeitura de São Paulo, dando sua contribuição para fraturar ainda mais o partido. Venceu, mas perdeu – Doria o traiu e descartou tão logo teve a oportunidade.

O desastre nas eleições presidenciais de 2018, quando Alckmin amargou o quarto lugar, com menos de 5% dos votos válidos, foi a conta da participação irresponsável e obtusa do PSDB na destruição da democracia brasileira e no fortalecimento da extrema-direita. 

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Manteve, no entanto, o governo paulista, um ativo político de primeira grandeza.

O fiasco de agora é o passo seguinte na extinção do PSDB. 

Ao declinar de participar da disputa presidencial para investir a verba de campanha nas eleições para os outros cargos, o partido está confessando publicamente sua integração ao Centrão.

A candidatura de Simone Tebet, como se sabe, é um factoide. Ela serve sobretudo para que a mídia continue alimentando a ficção da “terceira via” e insinuando o discurso dos “dois extremos”. 

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Nas pesquisas de intenção de voto, a senadora está tecnicamente empatada com as candidatas do PCB e do PSTU – dois partidos que não têm qualquer representação parlamentar no Brasil inteiro (*).

Mesmo que Tebet realmente seja candidata, o PSDB já deixou claro que não contribuirá com um tostão para a campanha. Em suma: ninguém gosta de Doria, é verdade, mas o principal é que eles gostam muito do fundo partidário.

Então, já dá para pedir música – no caso, o réquiem?

É difícil prever. 

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Como muita gente já apontou, o fim do PT foi prognosticado inúmeras vezes. Eu mesmo julguei que ele teria dificuldade para se recuperar depois do baque de 2015-6. Estava errado.

O PT tem a liderança de Lula. 

Tem o enraizamento nos movimentos sociais, que permanece mesmo com a opção preferencial que fez pela política institucional. Tem a memória da relativa bonança de seus governos. Tem a simpatia gerada pela perseguição desonesta a que foi sujeito. Tem a incompetência do restante da esquerda para ocupar seu espaço.

O PSDB não tem nada disso. 

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Tem o governo de São Paulo. Se conseguir mantê-lo (e a eleição deste ano é a mais duvidosa em longo tempo), será com um cristão-novo, um quadro ainda menos orgânico do que era Doria.

O partido que nasceu na Constituinte morreu há muito tempo. 

A agremiação que mantém seu nome e o simpático piciforme como símbolo talvez perdure, mas desprovida dos últimos traços de singularidade.

(*) Já vi gente nesse Facebook escrevendo que é preciso preservar a candidatura de Tebet porque “é importante ter uma mulher na disputa”. Coisas da “representatividade” identitarista, sempre superficial. De qualquer jeito, Sofia Manzano e Vera Lúcia já garantem a presença de candidatas mulheres às eleições presidenciais.

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