Regulamentar apostas esportivas é necessário e urgente. Mas, é também perigoso
"Quando apostas esportivas forem regulamentadas, começa a girar uma engrenagem de potenciais criminosos em torno do ambiente dos clubes, diz Luís Costa Pinto"
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Regulamentar apostas esportivas é eficaz para aumentar arrecadação e chega com atraso. Mas, abre as portas brasileiras para crimes como manipulação de resultados de jogos – e não só futebol – e para associações do mundo esportivo com o crime organizado.
Numa conta de padaria, o governo federal estima arrecadar R$ 6 bilhões tão logo regulamente as apostas esportivas. Não se trata apenas de futebol, nem só das categorias masculinas: trata-se de um amplo espectro de esportes, inclusive olímpicos. Eles atraem o desejo de competitividade e de diversão para um número crescente de brasileiros que hoje só conseguem realizar essas apostas em sites ancorados no exterior e pagando por meio de cartões de crédito internacionais.
Da maneira como as apostas esportivas ocorrem hoje, elas têm potencial para disseminar uma epidemia de ruínas pessoais e familiares, promovendo o vício e a compulsão, e isso não mudará em nada caso a ancoragem dos sites passe a ocorrer no Brasil. Mas, da maneira precária como as coisas ocorrem no momento, e já há quase uma década, quando essas empresas passaram a vender seus serviços em território brasileiro, não há arrecadação de nem um tostão em impostas, tributos e taxas no Brasil.
A discussão da regulamentação das apostas esportivas – que não pode ser confundida com a legalização do jogo do bicho, nem com a volta dos cassinos ao País – começou ainda no governo Dilma Rousseff. O PP, partido do presidente da Câmara dos Deputados, por meio de seu presidente, assenhorou-se do lobby em torno da questão. Dilma, contudo, foi golpeada (com ajuda enorme do PP) antes de discutir mais profundamente a questão.
No período de Michel Temer, a turma palaciana integrada por Eliseu Padilha, Bruno Bianco e Geddel Vieira Lima pôs para rodar o projeto e um deputado do antigo DEM, agora União Brasil, hoje líder da sigla, Elmar Nascimento (BA), tornou-se um dos agentes centrais do processo legislativo. Os lobistas da regulamentação, entretanto, esbarraram no PR, hoje Republicanos, o partido sob controle da Igreja Universal do Reino de Deus. Por que? Porque os bispos – sobretudo os da Universal, mas, não só eles – enxergaram alta competitividade entre as apostas esportivas e o potencial de arrecadação das denominações com o dízimo nos templos das periferias das grandes cidades.
A disputa de fundo religioso – que não tinha nada de religião em seu cerne, era meramente comercial – fez com que as apostas esportivas passassem quatro anos no limbo da regulamentação e da burocracia da Receita Federal durante o período de Jair Bolsonaro na presidência. Ciro Nogueira, presidente do PP e então ministro da Casa Civil, esforçou-se enormemente para fazer o projeto andar no Congresso. Chegou a se empenhar pessoalmente por isso junto ao presidente da Câmara, Arthur Lira, e a parte de sua bancada. Contudo, pressionado pela Bancada Evangélica, Bolsonaro jamais deu o sinal verde para a regulamentação.
Agora, sob a égide do PT, o projeto pode andar e tem uma justificativa clara: vai repor a perda de arrecadação que advirá com a correção da tabela de isenção da coleta de Imposto de Renda na fonte sobre os salários de quem está na economia formal. Regulamentar as apostas esportivas e determinar que só podem explorar os negócios as empresas que tiverem cadastro e endereço fiscal no Brasil é correto, é o que precisa ser feito porque governo nenhum acaba por decreto uma atividade que não é ilegal – embora não seja exatamente recomendável do ponto de vista da boa gestão da economia doméstica.
Entretanto, o Ministério dos Esportes e o Ministério da Justiça, além do Banco Central, precisam estar presentes nos debates sobre o arcabouço regulatório e em torno da forma como se dará a prestação de contas. Estará aberta, a partir da regulamentação, uma imensa janela para lavagem de dinheiro por meio de clubes esportivos, profissionais e amadores, das mais variadas modalidades. E também ocorrerá com maior frequência casos de manipulação de resultados e de eventos bizarros em partidas – como, por exemplo, a marcação de três pênaltis num jogo antes dos primeiros 15 minutos de partida; ou a marcação de cinco aces consecutivos por um tenista que integre o ranking profissional. São eventos desse âmbito que movimentam as engrenagens da corrupção e dos ganhos fáceis no ecossistema dessas apostas.
A discussão da regulamentação das apostas esportivas está meramente no âmbito financeiro e fiscal do governo e tem de extrapolá-lo. É preciso lançar um olhar panorâmico em torno daquilo que poderá ocorrer com o ambiente inteiro dos jogos a partir dessa regulamentação que, repito, é bem-vinda e necessária.
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