Reforma tributária: justiça fiscal é possível?



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Uma das pautas que nos é apresentada como urgente, porque é de fato, trata-se da reforma tributária. Contudo, há questão que não tem sido debatida como a necessária honestidade: qual a reforma tributária o país precisa e com qual objetivo?

Estou enfadado de ouvir o debate apenas sobre o viés da simplificação tributária ou dos humores do mercado, especialmente porque a constituição orienta a construção de um Brasil justo e solidário, no qual a sintese da interação dialética das forças produtivas, capital e trabalho, seja capaz de: “I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”, esse é o comando constitucional.

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Fato é que a tributação no Brasil está na contramão de outros países capitalistas, pois ela por aqui é extremamente regressiva, ou seja, tributos incidem mais sobre o consumo do que sobre a renda e a propriedade das classes mais abastadas. 

É até cansativo repetir esse exemplo, mas é pedagógico: no Brasil a motocicleta do entregador do pizza e os nossos carros, assim como aqueles do motorista de taxi e Uber pagam IPVA, mas o avião, o helicóptero e o hiate dos superricos não paga nenhum imposto sobre a propriedade; o trabalhador tem o imposto de renda e sua parcela do INSS deduzidos compulsoriamente dos seus salários, por oiutro lado os lucros e dividendos não são tributados (lembrando que apenas o Brasil e Estônia não tributam lucros e dividendos distribuídos a acionistas; essa isenção nem sempre existiu no pais, foi criada em 1995 pela lei 9.249 durante o governo FHC), noutras palavras, impostos são compulsoriamente pagos pelos trabalhadores e a carga de tributos sobre o consumo causa muito mais impacto a esses do que aos superricos.

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Um estudo do IPEA afirma que a criação de um tributo sobre lucros e dividendos no Brasil poderia levar a um aumento de R$ 22 bilhões a R$ 39 bilhões na arrecadação e ajudar na redução da desigualdade social. Mas esse debate não tem sido realizado. Essa é, em tese a renuncia fiscal que vem ocorrendo desde 1988, ou seja, alguns trilhões de reais não foram arrecadados dos superricos nos ultimos trinta e dois anos.

Além disso há alguns mitos a serem  vencidos. Em primeiro lugar temos que parar de repetir que a nossa carga tributária seja elevada, pois na comparação internacional não é, a verdade é que temos a maior carga tributária a incidir sobre o consumo, repassada aos preços das mercadorias, onde captura proporção maior da renda dos pobres e parcela menor da renda das classes mais abastadas; isso é uma estupidez sistemica que nenhum governo, de direita, de centro ou de esquerda foi capaz de resolver até hoje.

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O Professor Eduardo Fagnani escreveu: “Será utópico aspirar a que a tributação sobre a renda no Brasil se aproxime do patamar da Itália ou do Japão? Será fabulação insistir em que a tributação sobre o patrimônio alinhe-se com a praticada na Espanha ou na Bélgica? Será fantasia irrealizável projetar a tributação sobre o consumo em padrões semelhantes aos que se verificam em Portugal?”“.
Bem, do ponto de vista técnico, não é, pois não há nenhuma limitação para a realização disso; é possível que o Brasil tenha sistema tributário mais justo e alinhado com a experiência dos países mais igualitários, preservando o equilíbrio federativo e o Estado Social inaugurado pela Constituição de 1988, ou seja, tributação progressiva é possível, e simulações mostram que se pode quase duplicar o atual patamar de receitas da tributação sobre renda, patrimônio e transações financeiras e, em contrapartida, reduzir a tributação sobre bens e serviços e sobre a folha de pagamentos, quase na mesma proporção.
Sim, me refiro à necessária elevação das receitas da tributação sobre a renda e redução da receita da tributação sobre bens e serviços, bem como da elevação da tributação sobre o patrimônio e redução da tributação sobre a folha de pagamentos. Ainda segundo Eduardo Fagnani “esse desenho alternativo permite que o sistema tributário brasileiro deixe de ser regressivo e passe a ser progressivo: no modelo proposto, a desigualdade de renda cai mesmo após a incidência dos tributos indiretos, enquanto que, na situação atual, ela aumenta.”.

O caráter regressivo da tributação é uma das razões da absurdamente desigual distribuição de renda no Brasil; o relatório do IDH divulgado em 2018 pelo Pnud apontava que, em relação a 180 nações, o Brasil é o nono país mais desigual do mundo de acordo com o coeficiente de Gini.

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Trabalhos do World Wealth and Income Database, dirigido por Thomas Piketty – realizados com dados de pesquisas domiciliares e com as informações das declarações do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, que captam melhor a riqueza patrimonial e financeira – revelam que no quesito desigualdade da renda, o Brasil é vice-campeão mundial num ranking liderado pela África do Sul.

Em 2015, os 10% mais ricos da população se apropriavam de 55,3% da renda nacional, e a participação da renda dos 50% mais pobres era de apenas 12,3%. A desigualdade de renda é o aspecto mais pungente das disparidades sociais brasileiras. 

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Há muitas outras assimetrias a serem conhecidas ou reconhecidas, elas estão por toda a parte. Em pleno século XXI, o país ainda não foi capaz sequer de enfrentar desigualdades históricas herdadas de mais de três séculos de escravidão. A desigualdade é um processo complexo que envolve diversas dimensões, como renda, gênero, raça, etnia, casta, região, deficiência, migração, entre outras. Reduzir a desigualdade de renda é importante medida no caminho para reduzir as demais desigualdades.

Enfim, eu não acredito que esse governo, cuja economia é “pilotada” por um banqueiro ultraliberal seja capaz de encaminhar no Brasil justiça fiscal tão necessária, quem poderia fazer não o fez, preferiu exagerada aliança e confraternização com os herdeiros das capitanias hereditárias.

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