Reforma política.
Propostas da Plataforma dos Movimentos Sociais para a Reforma Política, da Coalizão para a Reforma Política Democrática e Eleições Limpas e do Plebiscito Popular pela Constituinte Exclusiva e Soberana para a Reforma Política são a base para a reforma da democracia representativa e para a criação e fortalecimento dos mecanismos de democracia participativa
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Será inusitado se, em meio a uma das mais profundas crises da República, com gravíssimos retrocessos na sofrida democracia brasileira promovidos pelo que caracterizamos como verdadeiro golpe de Estado contra a soberania popular e o mandato legítimo da Presidenta Dilma, o Congresso Nacional vier a aprovar uma reforma política progressista e democratizante.
Historicamente, o caminho das sucessivas tentativas de promoção da reforma política vem sendo truncado, desde o processo constituinte de 1988, por uma incapacidade crônica do Congresso Nacional reformar a si próprio e ao sistema político. Saudada como Constituição Cidadã, nossa Lei Maior incorporou elementos de ruptura e de continuidade do status quo, fruto de uma transição democrática conciliadora e tutelada da ditadura militar para o Estado Democrático de Direito.
Se, por um lado, nossa atual Carta Magna justifica esse qualitativo de cidadã pela ampliação dos direitos civis e políticos, sociais, econômicos e culturais, individuais, coletivos e difusos - claro avanço em termos doutrinários em relação aos textos constitucionais anteriores - por outro lado, a renega ao manter intacto o aparelho de Estado autoritário e privatizado em seus fins e meios: os Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e suas instituições não foram reformadas, mantendo-se nos marcos da Constituição de 1946, em certos pontos piorados na produção legislativa da ditadura.
Isso viabilizou, sistemática e progressivamente, o aprofundamento de um fosso entre o Estado e a sociedade, entre os Poderes da República e a população, entre representantes e representados, numa crise dramática da democracia representativa, cujas instituições padecem hoje não só de popularidade como, o que é mais grave, da legitimidade necessária para a condução dos destinos da Nação. Um Estado autoritário, elitista e verticalizado tornou-se presa fácil dos interesses privados de seus membros, financiados pelo grande capital no processo eleitoral e apartados do interesse público que deve nortear a atividade política. Os sucessivos escândalos decorrentes dessa promiscuidade entre os interesses capitalistas que financiam campanhas e partidos e o clamor popular nos deixam à beira de uma crise institucional, ainda mais quando vivemos sob um governo ilegitimamente constituído por uma maioria parlamentar sem base programática alicerçada no voto popular e afiançado apenas pelo Poder Judiciário e pela mídia governista.
Assim, a Câmara dos Deputados retoma o debate sobre a reforma política polarizada por duas propostas pelas quais nosso mandato e o PT se batem há anos: o financiamento público exclusivo de campanhas e de partidos e o voto popular em lista partidária fechada e pré-ordenada. Juntamente com o fim das coligações partidárias para o Parlamento e a fidelidade partidária, são propostas com o condão de, aprovadas, abrir o caminho para uma reforma política profunda e democrática - que entendo ser obra para uma Assembleia Nacional Constituinte soberana e autônoma em relação ao Congresso Nacional, espaço para a reconciliação nacional decorrente de eleições limpas e democráticas que encerrem o atual momento de Exceção em nossa vida democrática.
Como atividade pública, voltada para o bem comum da sociedade, a política não pode ser financiada por empresas, uma incongruência só revertida por uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que julgou inconstitucional o financiamento empresarial de campanhas em ação movida pela sociedade civil. Em torno do financiamento empresarial, bancadas supra-partidárias foram constituídas para a defesa dos interesses privados do capital. Parlamentares foram reduzidos à condução de lobistas de interesses particulares de seus financiadores. Emendas parlamentares a projetos de lei ou medidas provisórias passaram a prestar-se para negócios e a corrupção. As eleições foram se tornando mais caras e elitistas, aprofundando a necessidade de subordinação dos agentes públicos aos interesses privados para fazer face às despesas com o processo eleitoral.
O financiamento público exclusivo, através de um fundo partidário específico para o financiamento da democracia brasileira, permite libertar a atividade pública do jugo privado, ainda que diferentes motivações ideológicas associem os parlamentares dos legítimos interesses das classes, frações de classe e estratos sociais em disputa na sociedade capitalista. O argumento do senso comum de que o financiamento público retira recursos do Orçamento para a atividade política, felizmente, vem caindo por terra com a divulgação dos bilhões de reais desviados de obras e serviços públicos pela corrupção, como contrapartida dos mandatários do Executivo e do Legislativo aos patrocinadores de suas campanhas. O financiamento público não é condição suficiente para o combate à corrupção, mas com certeza é condição necessária para tanto.
O voto em lista partidária fechada e pré-ordenada, associado ao financiamento público, aprimora a democracia, fortalece os partidos, "desfulaniza" a política, estimula o debate programático e politiza a sociedade. Num sistema proporcional como o nosso, o voto nominal associado ao financiamento empresarial ilude o eleitorado embalado na propaganda liberal sobre a pretensa liberdade de escolha individual do eleitor: são eleitos, via de regra, os candidatos de campanhas mais ricas, cujas campanhas chegam a um número maior de eleitores, deixando aos eleitores das candidaturas menos votadas apenas as tarefas de atingimento dos coeficientes eleitorais que asseguram aos primeiros a eleição.
Ora, partidos políticos são essenciais à democracia, e a baixa qualidade da democracia brasileira é ao mesmo tempo causa e efeito da baixa qualidade da nossa vida partidária. Esse sistema político tutelado pelo capital, em que partidos são criados sem qualquer base ideológica ou programática para disputar os recursos públicos e privados que financiam eleições e mandatos, só será superado quando estiver em jogo para o eleitorado seus programas e propostas coletivamente definidas para a disputa eleitoral. O caciquismo político invocado contra a lista partidária, lembremos, é característica desse sistema político, do voto nominal e do financiamento privado, uma herança da República Velha atualizada, mas nunca revogada.
Defendo que a democracia partidária seja a base para a definição das listas partidárias, escolhidas sem qualquer privilégio aos mandatários atuais, que devem disputar democraticamente na base dos Partidos sua posição na lista pré-ordenada. Com participação dos filiados em convenções livres, poderemos enfrentar a sub representação das mulheres, negros, indígenas, trabalhadores, pessoas com deficiência, LGBTs, jovens e outras maiorias e minorias que nunca passarão pelo funil do financiamento empresarial. Com proporcionalidade na montagem das listas, minorias partidárias poderão assegurar seu espaço contra caciques e maiorias autoritárias. Com transparência para a sociedade na composição das listas, os partidos terão um diferencial junto aos eleitores - quanto mais democrática for a composição, quanto mais éticos e comprometidos com bandeiras legítimas seus integrantes, mais votos terá a lista no processo eleitoral.
Cético quanto à índole da maioria parlamentar dessa legislatura mas esperançoso de que a atual crise produza uma saída democrática para a crise política e institucional que vivemos, jogo-me no novo debate aberto sobre a reforma política na Câmara dos Deputados com a convicção de que a mobilização dos mais vivos movimentos sociais e entidades da sociedade civil brasileira deixou sementes transformadoras neste terreno arenoso do Congresso Nacional. As propostas da Plataforma dos Movimentos Sociais para a Reforma Política, da Coalizão para a Reforma Política Democrática e Eleições Limpas e do Plebiscito Popular pela Constituinte Exclusiva e Soberana para a Reforma Política são a base para a reforma da democracia representativa e para a criação e fortalecimento dos mecanismos de democracia participativa. Ao debate e à luta, pois!
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