Reflexões em meio à fumaça em Nova York

"Nova York foi coberta por fumaça. A cidade cheirava a queimado. O cheiro vinha do Canadá, onde 160 incêndios foram reportados", relata Pedro Paiva

(Foto: Reuters/Amr Alfiky)


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Na última terça-feira, dia 6, Nova York foi coberta por uma nuvem de fumaça. No fim da tarde, quando a situação ficou especialmente ruim, a cidade inteira cheirava a queimado, como se existisse um incêndio a cada esquina. Mas o cheiro vinha de Quebec, no Canadá, onde 160 incêndios foram reportados, dentre eles 114 que ainda estão fora de controle. A cena apocalíptica me levou a muitas reflexões e resolvi compartilhá-las aqui com vocês. 

Eu estava no centro do Brooklyn, tentando escrever dentro de um Starbucks onde tocava uma música desagradavelmente alta. Com o passar do tempo, na tentativa de me concentrar em meio à barulheira, uma dor de cabeça me atingiu em cheio. Pensei, por óbvio, que era meu corpo pedindo pra que eu cedesse e aceitasse a derrota contra playlist bate-estaca. Aceitei. Guardei minhas coisas e saí da cafeteria/rave.

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Ao pisar na rua, uma névoa. Pensei que estava chovendo. Quando fui pegar meu guarda-chuva na mochila, percebi o cheiro forte de queimado. Rapidamente conectei os pontos. Eu sabia que tinha um alerta vigente para pessoas com problemas respiratórios, mas nunca tinha sentido o cheiro de uma qualidade baixa do ar. E olha que eu morei 4 anos em São Paulo, na minha adolescência, e passei muitas férias por lá na minha infância. Senti muito cheiro ruim vindo do rio Pinheiros e do rio Tietê, mas não me lembro de um cheiro ruim que vinha do ar em si.

A dor de cabeça não passou. Eu, que tenho bronquite, rapidamente dei um google: “dor de cabeça poluição”. E lá estava, um artigo afirmando que poluição é gatilho para dor de cabeça. A fumaça, somada à péssima playlist do Starbucks, foi um pouco demais para o meu pulmão maltratado. A primeira coisa que eu pensei foi: comprar uma máscara. Não usava uma desde o fim do ano passado, quando tive COVID.

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Para a minha surpresa, eu não fui o único. Entrando na estação do metrô na esquina da Flatbush Avenue com a  DeKalb Avenue, me senti como em um túnel do tempo. Na plataforma, onde hoje você encontra um ou outro novaiorquino fiel às máscaras, a maioria tinha o rosto coberto. Mas as pessoas todas se cobriam da fumaça, não do vírus. Fiquei pensando que, não fosse a pandemia, pouca gente teria tido esta ideia.

Como eu disse, tenho bronquite. Mais precisamente, bronquite crônica tabágica, fruto do belo hábito de fumar que carrego há 15 anos - e do qual já tentei me livrar algumas vezes. Quem me diagnosticou foi um médico do SUS, em um hospital de Botafogo, no Rio de Janeiro, há aproximadamente 10 anos. De lá pra cá, tive algumas crises. Todas as vezes, me tratei no SUS. Mas nos Estados Unidos, não tem SUS. Nem emergência gratuita. 

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No caminho de casa eu não pude deixar de me sentir sortudo. Desde que me mudei para Nova York, em 2021, que não tenho plano de saúde. Pelo menos não tinha, até o mês passado. Há algum tempo comecei a pensar que estava contando de mais com a sorte e que, uma vez que decidi ficar de vez neste país, teria que fazer um o quanto antes. Depois de muita burocracia, recebi minha carteirinha pelo correio. Me sinto bem, mas certamente muito mais aliviado em pensar que, se tiver uma crise, poderei ir a um hospital sem medo de sair de lá com uma dívida que carregaria para o resto da vida.

Essa não é a situação de 20% dos novaiorquinos. Segundo dados da prefeitura, 1 em cada 5 moradores da cidade mais rica do mundo não tem qualquer tipo de cobertura de saúde. São como eu, há um mês atrás. Muitos deles são imigrantes indocumentados, que não conseguem aplicar para planos com preços populares subsidiados pelo Medicaid, como o plano que eu fiz. De acordo com dados da Associação Americana do Pulmão, mais de 10% da população do país têm algum tipo de doença respiratória. Fazendo uma matemática porca, 10% de 20% seriam 2% de novaiorquinos com doenças respiratórias e sem plano de saúde. Quase 170 mil pessoas que ficaram especialmente preocupadas, hoje, com a fumaça. 

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No mais, eu estou bem. A dor de cabeça passou e não tive nenhuma crise. Hoje a previsão do tempo indica que a qualidade do ar deve melhorar um poico. Segundo os especialistas, a fumaça vem em ondas e de ontem já está indo embora.

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