Recusa ao voto e política em descrédito levam à eleição de representantes ilegítimos
Para um país sem tradição democrática, o nível de alienação eleitoral preocupa. Por trás do aparente protesto, a antipolítica e a rejeição à participação podem levar à passividade dos cidadãos
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A desatenção das autoridades responsáveis pela condução do sistema político nacional ao movimento das urnas revela muito mais o apego à aparência de normalidade eleitoral do que à essência da crise maior de legitimidade do atual regime de democracia eleitoral. O principal aspecto político a ser realçado das recentes eleições municipais não foi o seu controverso resultado, mas o elevado grau de alienação.
Por alienação eleitoral compreende-se o peso relativo da somatória das ausências dos eleitores (abstenções) e dos votos nulos e brancos, apontando para uma desestruturação do sistema político brasileiro. Em geral, as abstenções diferem-se dos votos brancos e nulos, posto que vão desde os custos do comparecimento à desconfiança, bem como à condição de protesto frente ao descrédito do sistema político. Mesmo assim, considerando-se o crescimento do fenômeno da alienação eleitoral ano após ano, o esvaziamento da participação eleitoral se apresenta seriamente preocupante.
Como a participação eleitoral constitui centralidade inegável à relação entre o eleitorado e o sistema político, a essência esperada das eleições seria a de revelar a legitimidade do regime democrático representativo no Brasil. Mas o que se percebeu foi o comportamento do eleitor ser lenta e gradualmente alterado, cada vez mais questionador do sistema político nacional. Isso já era visível no decorrer das eleições presidenciais, posto que em 1989, por exemplo, a somatória de abstenções e votos nulos e em brancos no total dos eleitores foi 18,3%. Na última eleição presidencial, em 2014, o grau de alienação eleitoral alcançou 29% do total dos eleitores.
No regime militar, a desconfiança no sistema eleitoral vigente levou cerca de 30% dos eleitores do ano de 1970 a se situar entre ausentes, nulos e brancos. A crise de legitimidade eleitoral naquela época não era decisiva, uma vez que o autoritarismo, por si só, garantia sustentação à autoridade governamental. Mas atualmente a perda de legitimidade do sistema político fica caracterizada pelo fato de – em grande parte das cidades – o prefeito ter sido eleito com menos votos do que a somatória de eleitores ausentes e da votação de nulos e em branco.
Nesse sentido, o mandatário principal do poder público municipal deixa de ser escolhido pela maioria dos eleitores, comprometendo a legitimidade do voto e fazendo avançar o ceticismo na democracia representativa. Para um país sem tradição democrática, o crescimento atual do grau de alienação eleitoral se apresenta extremamente preocupante.
Apesar das tentativas, a reforma do sistema político eleitoral não avançou. Os remendos legais que terminaram sendo realizados, conforme observado nas eleições municipais de 2016, favoreceram ainda mais as práticas tradicionais, com vantagens para os candidatos já identificados pelo grande público, como políticos, religiosos e outros famosos.
Além disso, o impedimento ao financiamento empresarial, sem a alternativa ampliada do financiamento público, facilitou, em alguns casos, o uso da máquina (municipal ou estadual) por candidatos à reeleição ou apoiados pelo status quo, bem como o extravasamento de fontes ilegais, inclusive do crime organizado.
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