Recuperando o nosso país

"Esta é uma fala que eu fiz em 4 de abril na Convenção Nacional Independente em Austin, Texas", introduz Chris Hedges

Pedaço da Mente - Piece of Mind (*) – arte de Mr. Fish
Pedaço da Mente - Piece of Mind (*) – arte de Mr. Fish (Foto: Mr. Fish)


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Artigo de Chris Hedges originalmente publicado no Substack do autor em 05.04.23 traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247

Nós estamos passando pela mais perversa guerra de classe na história dos EUA. A desigualdade social alcançou os seus níveis mais extremos de disparidade em mais de 200 anos, ultrapassando a voraz ganância dos 'barões do roubo' (“robber barons”). Os ramos legislativos, executivos e judiciários de governo, juntamente com as mídias e as universidades, foram tomados por um minúsculo conluio de bilionários e corporações que fazem aprovar leis que consolidam o seu poder e a sua obcena riqueza às nossas custas. Nós somos vítimas de sacrifício, sejam da esquerda ou da direita, desamparados frente a esta encarnação moderna do ídolo bíblico Moloch.

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Em 1928, o 1% do topo detinha cerca de 24% da renda da nação, uma porcentagem que declinou continuamente até 1973. No início dos anos de 1970, o assalto da oligarquia contra os trabalhadores foi acelerado em resposta ao aumento dos movimentos populares de massa nos anos de 1960. A classe bilionária e as corporações despejaram bilhões de dólares nos partidos políticos, na academia, nos centros de estudos e nas mídias. Os críticos do capitalismo tiveram dificuldades para encontrar uma plataforma, incluindo a radiodifusão pública. Aqueles que cantavam a música que os bilionários tocavam foram cobertos de doações, cátedras acadêmicas, prêmios e megafones permanentes na imprensa comercial. Os salários se estagnaram. A desigualdade social cresceu até alcançar proporções monstruosas. As taxas de impostos para as corporações e os ricos foram cortadas até culminar num boicote virtual aos impostos.

Atualmente, os 10% do topo das pessoas mais ricas nos EUA são proprietários de quase 70% do total da riqueza do país. O 1% do topo controla 32% da riqueza. Os 50% de baixo da população estadunidense detém 3% de toda a riqueza dos EUA.

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Estes oligarcas dominantes nos mantém num abraço de morte, sem mencionar também o mundo natural. Eles mobilizaram os órgãos de segurança do estado, militarizaram a polícia, construiram o maior sistema de prisões do mundo e deformaram os tribunais para criminalizarem a pobreza. Nós somos a população mais espiada, vigiada, fotografada e monitorada da história humana, e eu cobri o estado da Stasi (polícia de segurança) do estado na Alemanha Oriental. Quando o estado corporativo vigia você 24 horas por dia, você não pode usar a palavra liberdade. Esta é a relação entre um senhor e um escravo.

Os oligarcas compraram intelectuais e artistas para servirem a interesses comerciais. A maquinaria da dominação corporativa é operada pelos educados nas universidades, aqueles que chegam ao topo da academia – como o economista Larry Summers, que empurrou pela desregulamentação de Wall Street sob o governo de Bill Clinton; ou o cientista político Samuel Huntington, que advertiu que paíse como os EUA e o Reino Unido estavam sofrendo de uma “excesso de democracia” - são aqueles que gerenciam as empresas financeiras e as superestruturas corporativas, aqueles que provêm os jingles, a publicidade, as marcas comerciais e a propaganda política nas empresas de relações públicas, aqueles na imprensa que trabalham como estenógrafos do poder e aqueles que estão na indústria do entretenimento que enchem as nossas cabeças com fantasias.

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Uma das grandes ironias é que o estado corporativo necessita das habilidades dos educados, dos intelectuais e artistas para manter o poder; porém, no momento em que qualquer um deles começa a pensar independentemente, eles são silenciados. O implacável assalto sobre a cultura, o jornalismo, a educação, as artes e o pensamento crítico, deixou marginalizados aqueles que falam a linguagem da luta de classes, as frenéticas Cassandras que são vistas como levemente desequilibradas e depressivamente apocalípticas. Aqueles que têm a coragem de lançar luzes sobre o funcionamento da maquinaria, como Noam Chomsky, são transformados em párias; ou, como Julian Assange, são implacavelmente perseguidos.

A cultura é vital para a democracia. Ela é radical e transformativa. Ela expressa aquilo que encontra-se profundamente dentro de nós. Ela dá palavras para a nossa realidade. Ela valida os fatos da nossa vida. Ela nos faz sentir e ver. Ela nos permite empatizar com aqueles que são diferentes ou oprimidos. Ela revela o que está acontecendo ao nosso redor. Ela honra o mistério.

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“O papel preciso do artista, portanto, é de iluminar aquela escuridão, de abrir caminhos através da vasta floresta", escreve James Baldwin, “de modo que nós, em todas as nossas ações, não percamos de vista o seu propósito – que é, em última análise, fazer do mundo uma morada mais humana”.“Em última análise, o artista e o revolucionário funcionam como eles funcionam e pagam sejam quais forem as quotas que eles devem pagar por isso, porque ambos são possuídos por uma visão e eles não seguem muito esta visão a ponto de serem impulsionados por ela”, escreve Baldwin.

A premissa central da cultura de massas é que a máquina inatacável do progresso humano no capitalismo, mesmo que os capitalistas globais tenham emitido cerca de 37% mais de emissões de gases-estufa na atmosfera desde a primeira Convenção sobre a Mudança Climática em 1922. Fale sobre valores e necessidades, sobre sistemas morais e significados, desafie a primazia do lucro – especialmente se você tiver apenas uns poucos minutos alocados para você num show de televisão a cabo para comunicar em ambos sentidos os usuais clichês que acabam com os pensamentos – e isto soa como uma linguagem sem nexo para um público condicionado.

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Como Karl Marx o entendeu, o capitalismo é uma força revolucionária. Ele é endemicamente instável. Ele explora os seres humanos e o mundo natural até a exaustão ou o colapso. Esta é a sua natureza. Porém, aqueles na sociedade que têm a tarefa de revelar esta natureza foram comprados ou silenciados. A verdade não deriva de valores sociais ou éticos externos à cultura corporativa. Os nossos direitos e necessidades sociais, familiares ou individuais, bem como a nossa capacidade de focalizar nesses direitos e necessidades, são roubados de nós.

Há os fatos deles e há os nossos fatos. Os mercados, o crescimento econômico, lucros corporativos mais altos e consolidações, austeridade, inovação tecnológica, desindustrialização e um mercado de ações ascendente são os fatos deles. A necessidade de Janet Yellen (secretária do Tesouro dos EUA) de orquestrar o desemprego para fazer baixar a inflação é, para eles, um fato vital.Os nossos fatos, os fatos daqueles que são despejados, que vão para a prisão, que estão desempregados, que estão doentes e não têm seguro de saúde, as 12 milhões de crianças que vão para a cama com fome, ou – como cerca de 600.000 estadunidenses – vivem nas ruas, não fazem parte da equação. Os nossos fatos não atraem os anunciantes. Os nossos fatos não cabem no mundo Disneyificado que as mídias e os anunciantes são pagos para criar. Os nossos dados são um impedimento aos lucros crescentes.

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A pessoa persegue um sonho. A pessoa vive numa ilusão. E a ilusão de que nos alimentam é que jamais há um impedimento que não possa ser superado. Que, se cavarmos suficientemente fundo dentro de nós mesmos, se encontrarmos a nossa força interior, se nós nos compreendermos, como ensinam os gurus do auto-conhecimento, que nós somos verdadeiramente excepcionais, se nós acreditarmos que Jesus pode fazer milagres, nós podemos ter tudo o que desejarmos. E quando nós falharmos, como a maioria falha em cumprir esta ilusão nos EUA pós-industriais, nos dizem que nós não tentamos o suficiente.

Sigmund Freud escreveu que as sociedades, juntamente com os indivíduos, são impulsionadas por dois instintos básicos. Um é o instinto da vida – Eros, a busca do amor, de nutrir, de proteger e de preservar. O segundo é o instinto de morte. O instinto de morte, chamado de Thanatos pelos pós-Freudianos, é impulsionado pelo medo, o ódio e a violência. Ele busca a dissolução de todas as coisas vivas, incluindo nós mesmos. Freud escreve que uma destas duas forças sempre está em ascendência. Sociedades em declínio são seduzidas pelo instinto de morte – como Freud observa no livro 'Civilização e os seus Descontentes', escrito durante a ascensão do fascismo europeu e a Segunda Guerra Mundial. O instinto de morte busca a destruição enquanto criação. A satisfação do instinto de morte, Freud escreve, “é acompanhado por um grau extraordinariamente alto de gozo narcisístico, porque ele oferece ao ego a realização dos antigos desejos deste último pela onipotência”.

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Uma população assediada pelo desespero, por um sentimento de destronização e impotência, é intoxicada por uma orgia de aniquilação que logo se torna auto-aniquilação. Ela não tem interesse em nutrir um mundo que a traiu. Ela busca erradicar este mundo e substituí-lo por um mundo mítico. Ela se recolhe em auto-adulação, alimentada pela auto-ilusão e pela amnésia histórica.

O perigo da ilusão é que ela sempre lhe permite permanecer num estado de infantilismo. À medida que se abre o hiato entre a ilusão de quem nós pensamos ser e a realidade da desigualdade, da violência, da execução de hipotecas, das falências que são causadas pela incapacidade de pagar contas de médicos e, em última análise, do colapso do império, nós estamos despreparados emocionalmente, psicologicamente e intelectualmente para o que se nos confronta. Quando o lobo está na porta, quando a nossa casa é tomada, com o seguro de desemprego acabando, nós reagimos como uma criança reage. Nós buscamos um demagogo, ou um salvador que promete proteção, renovação moral, vingança e uma nova glória.

Este é o mundo deformado que os nossos mestres corporativos criaram. Este é um mundo que nós devemos confrontar e desmantelar. Ele requer que nós coloquemos poder contra poder. Ele requer que nós desmantelemos as ilusões usadas para nos desempoderar, a aderir a valores baseados na santidade da vida, ao invés do fato do lucro. Ele requer que nós cruzemos a divisão cultural e política que a classe dominante erigiu e que construamos novas coalizões políticas e sociais.

A política da diversidade se tornou um truque de propaganda, marcas comerciais. Barack Obama nada fez para atenuar a desigualdade social e a loucura imperial. Políticas identitárias e diversidade mantém ocupados os liberais e os educados com um ativismo de butique, em lugar de tratar das injustiças sistêmicas ou do flagelo da guerra permanente. Os abastados repreendem os não-abastados pelos seus maus modos, pelo racismo, pela insensibilidade linguística e pelas suas extravagâncias, enquanto ignoram as causas-raiz do seu sofrimento econômico ou do desespero suicida que domina grande parte do país.

Será que as vidas dos nativos americanos melhoraram por causa da legislação de assimilação mandatória e pela revogação dos títulos de terras tribais impostas por Charles Curtis, o primeiro vice-presidente nativo-americano? Será que estamos melhor com Clarence Thomas, que se opõe à ação afirmativa na Suprema Corte? Ou com Victoria Nuland, uma militarista, no Departamento de Estado? Será que as forças militares são mais humanas porque aceitam soldados transgêneros? Será que a desigualdade social e o estado de vigilância que a controla foram melhorados porque Sundar Pichai, que nasceu na Índia, é o CEO do Google e do Alphabet? Será que a indústria de armamentos melhorou porque Kathy J. Warden, uma mulher, é a CEO da Northrop Grumman? E porque uma outra mulher, Phoebe Novakovic, é a CEO da General Dynamics? Será que as famílias dos trabalhadores estão melhor com Janet Yellen, que promove o aumento do desemprego e a “insegurança no trabalho” a fim de baixar a inflação, como Secretária do Tesouro? Será que a indústria dos filmes melhora quando uma diretora mulher, Kathryn Bigelow, produz o filme de agitação e propaganda “Zero Dark Thirty” para a CIA?

No seu mais recente livro “Achieving Our Country” [Conquistando o Nosso País], Richard Rorty viu para onde nós vamos. Ele escreve:

Mais cedo ou mais tarde, os membros dos sindicatos e os trabalhadores não-qualificados desempregados se darão conta que o seu governo não está sequer tentando evitar que os salários afundem, nem de evitar que os seus trabalhos sejam exportados. Ao mesmo tempo, eles se darão conta que os trabalhadores suburbanos de colarinho branco – eles próprios desesperadamente temerosos de serem reduzidos – não se deixarão ser taxados para prover benefícios sociais para quaisquer outros.

Naquele ponto, alguma coisa vai se quebrar. O eleitorado não-suburbano decidirá que o sistema falhou e começarão a procurar um homem forte em quem votar – alguém disposto a lhes assegurar que, uma vez eleito, os burocratas presunçosos, os advogados trapaceiros, os vendedores super-pagos de títulos financeiros e os professores pós-modernistas, não decidirão mais o que vai acontecer. Aí então um cenário como aquele da novela de Sinclair Lewis 'It Can't Happen Here' [Isto não pode acontecer aqui] pode ser encenado. Porque assim que um homem forte assuma o governo, ninguém pode prever o que vai acontecer. Em 1932, a maior parte das previsões feitas sobre o que aconteceria se Hindenburg nomeasse Hitler como chanceler eram selvagemente super-otimistas.

Uma coisa muito provavelmente ocorrerá é que serão eliminados os ganhos conquistados nos últimos anos por estadunidenses negros e marrons, e pelos homosexuais. O desprezo jocoso contra as mulheres voltará à moda. As palavras caluniosas sobre os afro-americanos que começam com “n” e as pessoas judias que começam com “k” voltarão a ser ouvidas nos locais de trabalho. Todo o sadismo que a esquerda acadêmica tentou tornar inaceitável para os seus estudantes voltará como uma enchente. Todos os ressentimentos que os estadunidenses mal-educados sentem sobre ter a sua conduta ditada a eles por graduados e faculdades encontrarão um escape.

O público foi aglomerado em tribos antagonistas. Servir a estas tribos antagonistas é o modelo de negócios das mídias – seja Fox News ou MSNBC. Não só estas demografias concorrentes são alimentadas com o que elas querem ouvir, mas a tribo oposta é demonizada, com a retórica escaldante aumentando os abismos dentre o público. Isto delicia os oligarcas.

Se nós formos recuperar o poder das corporações e da classe bilionária que executaram este golpe de estado em câmera-lenta, bem como evitar a ascensão do neofascismo, nós devemos construir uma coalizão de esquerda livre do absolutismo moral dos zelotes 'woke'. Nós devemos nos organizar para usar uma arma que os trabalhadores possuem e que pode aleijar e destruir o poder econômico e político da classe bilionária. A greve.

Os oligarcas gastaram décadas abolindo ou domesticando os sindicatos, transformando os poucos sindicatos que restam em obsequiosos parceiros juniores do sistema capitalista. Apenas 10,1% da força de trabalho são sindicalizados. Em janeiro de 2022, a sindicalização no setor privado estava no seu ponto mais baixo desde a aprovação da Lei Nacional de Relações de Trabalho de 1935. No entanto, 71% dos trabalhadores estadunidenses dizem que gostariam de pertencer a um sindicato, o índice mais alto em seis décadas, subindo de 48% em 2009, segundo uma pesquisa Gallup realizada no verão passado.

Uma série de leis antitrabalhadores, incluindo a Lei Taft-Hartley de 1947, as chamadas leis de Direito ao Trabalho, que tornou ilegais os sindicatos por locais de trabalho, foram elaboradas para enfraquecer o poder de barganha dos trabalhadores e bloquear a capacidade de fazer greves. Quando a Lei Taft-Hartley foi aprovada, cerca de um terço da força de trabalho estava sindicalizada, alcançando um pico de 34,8% em 1954. Esta lei foi um assalto frontal aos sindicatos. Ela proíbe greves jurisdicionais, greves selvagens, greves de solidariedade ou políticas e boicotes secundários – pelas quais os sindicatos fazem greve contra empregadores que continuam a fazer negócios com uma empresa que está passando por uma greve. Ela proíbe piquetes secundários ou em locais comuns e em locais de trabalho fechados.

Sob esta lei, permite-se que as empresas exijam que os empregados participem em reuniões de propaganda anti-sindicatos – o que a Amazon faz com seus trabalhadores. O governo federal dos EUA está empoderado para obter injunções para cancelar greves e impor um acordo aos trabalhadores, caso uma greve iminente ou ativa coloque em perigo “a saúde ou a segurança nacional” - como o governo Biden fez com os ferroviários de carga. O direito de greve quase não existe nos EUA.

A greve é a única arma que os trabalhadores têm para desafiar o poder. Terceiros partidos podem apresentar candidatos para desafiarem o duopólio (Democratas e Republicanos), mas eles são apêndices inúteis, a não ser se tiverem o poder do apoio dos trabalhadores organizados. Como a história provou repetidamente, os trabalhadores organizados, aliados a um partido político dedicado aos seus interesses, é a única maneira pela qual nós podemos nos proteger dos oligarcas.

Em um artigo publicado no Jacobin, Nick French elabora sobre o trabalho do sociólogo Walter Korpi, que examinou o surgimento do estado de bem-estar social sueco no seu livro “The Democratic Class Struggle” [A Luta de Classes Democrática]. Korpi detalha como os trabalhadores suecos construíram um movimento sindicalista forte e bem organizado, segundo linhas industriais e unidos por uma federação sindical central, que trabalhou juntamente com o Partido Social Democrata dos Trabalhadores da Suécia (SAP)”. A batalha para construir o estado de bem-estar social exigiu organização – 76% dos trabalhadores eram sindicalizados --, ondas de greves, atividades sindicais militantes e pressão política do SAP.

Medido em termos de números de dias de trabalho por trabalhador”, Korpi escreve, “desde a virada do século XX até o início dos anos de 1930, a Suécia teve o mais alto nível de greves e bloqueios dentre as nações ocidentais”. De 1900 até 1913 houve 1.286 dias de paradas de trabalho devido a greves e bloqueios por 1.000 trabalhadores na Suécia. De 1919 até 1938, houve 1.448. Em comparação, no ano passado nos EUA, segundo dados do Bureau Nacional de Pesquisa Econômica, houve menos de 3,7 dias de paradas por cada 1.000 trabalhadores devido à paradas de trabalho”.

Em que ponto uma população sitiada, vivendo próximo ou abaixo da linha de pobreza, se levanta em protesto? Em que ponto ela se engajará em uma resistência civil continuada para romper o estrangulamento da elite do poder? Em que ponto as pessoas estarão dispostas a aceitar o risco de serem detidas, ir para a prisão, ou pior do que isso?

Se a história servir como guia, isto é algo desconhecido. Mas a lenha de fogo está lá, isto é inegável, mesmo para a classe dominante. Como o filósofo estadunidense Richard Rorty advertiu, se nós permitirmos que essas divisões se expandam, nós corremos o risco de permitir que os fascistas cristãos eliminem o que resta da nossa anêmica república. Mas, se nós nos organizarmos ao redor de preocupações comuns, incluindo a sentença de morte dada para bilhões de pessoas da população global pela indústria de combustíveis fósseis, nós podemos desviar o foco do outro demonizado para o inimigo real – os nossos senhores corporativos.

A França está nos dando uma lição poderosa de como opor o poder popular contra a elite dominante. A tentativa do presidente francês Emmanuel Macron de aumentar unilateralmente a idade para a aposentadoria desencadeou greves e protestos massivos em toda a França – incluindo Paris, Lyon, Marselha e Bordeaux. Cerca de 3,5 milhões de trabalhadores estavam nas ruas na França na semana passada, durante o seu nono dia de greve continua. A tentativa do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu de esvaziar a supervisão judicial foi impedida quando a maior organização sindical do país organizou greves que paralisaram o transporte, as universidades, os restaurantes e o varejo. A nossa própria história de sindicalismo militante, especialmente nos anos de 1930, resultou numa série de medidas que protegeram os homens e mulheres trabalhadores em todos os EUA – incluindo a Seguridade Social, o dia de trabalho de oito horas e o fim do trabalho infantil.

Os EUA têm as guerras de trabalho mais sanguinolentas de qualquer nação industrializada – rivalizando somente com a erradicação dos trabalhadores organizados feita por regimes fascistas na Europa. Centenas de trabalhadores estadunidenses foram mortos. Milhares foram feridos. Dezenas de milhares foram colocados em listas negras (sic). Organizadores sindicais radicais como Joe Hill foram executados com base em acusações forjadas, presos como Eugene V. Debs, ou levados ao exílio, como “Big Bill” Haywood. Os sindicatos militantes foram ilegalizados. Durante os ataques Palmer executados no segundo aniversário da Revolução Russa, em 17 de novembro de 1919, mais de 10.000 alegados comunistas, socialistas e anarquistas foram presos. Muitos foram detidos por longos períodos sem serem julgados. Milhares de imigrantes nascidos em países estrangeiros, como Emma Goldman, Alexander Berkman e Mollie Steimer foram detidos, presos e ao final foram deportados. Publicações socialistas, como o 'Appeal to Reason' e 'The Masses' foram fechadas.

A Grande Greve Ferroviária de 1922 testemunhou bandidos armados da empresa que dispararam, matando grevistas. Só o presidente da Ferrovia da Pennsylvania, Samuel Rea, contratou mais de 16.000 homens armados para quebrar a greve de quase 20.000 empregados nas oficinas da empresa em Altoona, Pennsylvania, a maior do mundo. As ferrovias montaram uma campanha massiva de imprensa para demonizar os grevistas. Eles contrataram milhares de fura-greves, muitos dos quais eram trabalhadores afro-americanos que foram barrados de se tornarem membros do sindicato pela direção do sindicato. A Corte Suprema confirmou os contratos de "cachorros amarelos” que proibiam os trabalhadores de se sindicalizarem. A imprensa do establishment, juntamente com o Partido Democrata, eram sócios plenos na demonização e na repressão aos trabalhadores. No mesmo ano, também se viu greves ferroviárias sem precedentes na Alemanha e na Índia.

Afim de evitar greves ferroviárias, que interromperam o comércio em toda a nação em 1977, 1894 e 1922, o governo federal fez aprovar a Lei de Trabalho Ferroviário em 1926 – a qual os membros do sindicato chamavam de “Lei Anti-Trabalhadores Ferroviários” - estabelecendo numerosas exigências, incluindo a nomeação de um Conselho Presidencial de Emergência antes que uma greve pudesse ser declarada. Biden montou um Conselho Presidencial de Emergência em julho do ano passado. Um mês depois, os ferroviários de carga foram forçados a aceitar um contrato que exclui qualquer pagamento de dispensa por razões de doença.

Os nossos oligarcas são tão perversos e avarentos quanto aqueles do passado. Eles lutarão com tudo que têm ao seu dispor para esmagar as aspirações dos trabalhadores e a exigência por reformas democráticas. Esta não será uma batalha rápida, nem fácil. Porém, se nós focalizarmos no opressor, ao invés de demonizarmos aqueles que também são oprimidos; se nós fizermos o duro trabalho de construir movimentos de massa para manter os poderosos sob controle; se nós aceitarmos que a desobediência civil tem um custo, incluindo um tempo na prisão; se nós estivermos dispostos a usar a arma mais poderosa que nós temos – a greve – nós poderemos recuperar o nosso país.

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