Realidade, ternura e humanidade

O fato é que ocorrem abortos, sempre dolorosos e que afetam profundamente a psique da mãe

(Foto: ABr)


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 “Custa-me crer que haja pessoas que defendam o aborto pelo aborto. Ele implica eliminar uma vida ou interferir num processo vital que culmina com a emergência da vida humana”. Leonardo Boff

 Fui criado católico apostólico romano e me reconheço como tal, tanto que, quando as coisas “apertam”, peço ajuda a São José – como pai, ele entende meus medos e dúvidas, tantos medos e tantas dúvidas.  

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 Acredito que a fé genuína transforma, transcende, mas apenas se materializa nas nossas obras e a minha igreja é a da Teologia da Libertação, que atua e reconhece o Cristo nos irmãos, nos movimentos populares, nas manifestações populares contestatórias às realidades econômica, social e as políticas públicas que ignoram as pessoas.  

 Feita essa breve introdução e em festa pela vida - pois nasceu minha neta Isabela, a Bela -, vou refletir sobre o aborto, pauta tão cara àqueles patifes que, ao mesmo tempo que desejam criminalizá-lo, normalizaram toda a barbárie vocalizada e praticada nos últimos quatro anos.

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 Para tornar clara a minha posição sobre o tema, sou contra o aborto pois amo a vida em cada uma de suas fases e em todas as suas formas, mas ser contra o aborto não me autoriza ignorar que por ano ocorrem no Brasil cerca de 800 mil abortos clandestinos e que a cada dois dias morre uma mulher vítima de um aborto clandestino mal assistido.

 Essa é a realidade a ser enfrentada, não com a polícia, mas com uma saúde pública responsável e com senso de realismo, ternura e humanidade.

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 Recorro a Leonardo Boff para comentar a patética tentativa do hipócrita Senador Eduardo Girão em constranger o ministro Silvio de Almeida: “Considero farisaica a atitude daqueles que de forma intransigente defendem a vida embrionária e não adotam a mesma atitude face às milhares de crianças nascidas e lançadas na miséria, sem comida e sem carinho, perambulando pelas ruas de nossas cidades”.

 O que cada um de nós tem feito para acolher no amor cada criança e mãe que avistamos pelas ruas da nossa Campinas? Ou essas vidas não falem nada? Por que essas vidas não estão na pauta de dissimulados como Eduardo Girão?

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 Pensemos nessas perguntas com honestidade.

 O fato é que ocorrem abortos, sempre dolorosos e que afetam profundamente a psique da mãe. A comprovar essa afirmação Boff citou Léon Bonaventure que contou uma história tocante que merece ser compartilhada.

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 A história - Uma senhora procurou um sacerdote e lhe confessou que havia outrora praticado um aborto. Depois de ouvir sua confissão o sacerdote, com profundo senso humano lhe perguntou: “que nome havia dado ao seu filho”? A mulher, perplexa, ficou calada por longo tempo, então disse o sacerdote: “vamos dar-lhe um nome. E se a senhora concordar vamos também batizá-lo”.  

 A senhora anuiu com a cabeça. E simbolicamente assim o fizeram. Depois o sacerdote falou do mistério da vida humana. Disse: “há vidas que vem a esta Terra por 10, 50 e até 100 anos; outras jamais verão a luz do sol. No calendário litúrgico da Igreja há a festa dos Santos Inocentes, no dia 28 de dezembro, aqueles que Herodes mandou matar quando a Divina Criança veio ao mundo. Que esse dia seja também o dia de aniversário de seu filho”. “Na tradição cristã” continuou o sacerdote, “os filhos eram sempre vistos como um presente de Deus e uma benção para a vida. No passado nossos pais iam à Igreja oferecer seus filhos a Deus. Nunca é tarde para você também oferecer seu filho a Deus”.  

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 O sacerdote terminou sua fala com as seguintes palavras consoladoras: “Como ser humano não posso julgá-la. Mas se você pecou contra a vida, o Deus da vida pode reconciliá-la com a vida e com Ele. Vá em paz e viva”. Esse sacerdote viveu valores profundamente humanos e que pertencem à prática do Jesus histórico.

 O Papa Francisco, que sempre recomenda misericórdia, compreensão e ternura na relação dos sacerdotes para com os fiéis, escreveu sobre o aborto: “...um ser humano é sempre sagrado e inviolável, em qualquer situação e em cada etapa do seu desenvolvimento. É fim em si mesmo, e nunca um meio para resolver outras dificuldades. Se cai esta convicção, não restam fundamentos sólidos e permanentes para a defesa dos direitos humanos, que ficariam sempre sujeitos às conveniências contingentes dos poderosos de turno. […] Não se deve esperar que a Igreja altere a sua posição sobre esta questão. [...] Este não é um assunto sujeito a supostas reformas ou ‘modernizações’. Não é opção progressista pretender resolver os problemas, eliminando uma vida humana. Mas é verdade também que temos feito pouco para acompanhar adequadamente as mulheres que estão em situações muito duras, nas quais o aborto lhes aparece como uma solução rápida para as suas profundas angústias, particularmente quando a vida que cresce nelas surgiu como resultado duma violência ou num contexto de extrema pobreza. Quem pode deixar de compreender estas situações de tamanho sofrimento?”

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 Quem sabe a história de Léon Bonaventure e as lições do Papa Francisco possam inspirar todos os hipócritas a olharem a realidade com ternura e humanidade, pois a vida deve ser amada em todas as suas formas e idades e não apenas em seu primeiro alvorecer no seio da mãe, cabendo ao Estado e à toda a sociedade criar as condições para que as mães não precisem abortar.

 Essas são as reflexões.

 e.t. a Bela é linda

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