Racismo estrutural no Judiciário paulista?
A juíza Lissandra Reis Ceccon, da 5ª Vara Criminal de Campinas escreveu em uma sentença que um acusado de latrocínio "não possui estereótipo de bandido" por ter "pele, olhos e cabelos claros". A magistrada fez a afirmação ao relatar o depoimento de familiares da vítima, que disseram ter reconhecido o suspeito facilmente porque ele não seria igual a outros bandidos
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.
A juíza Lissandra Reis Ceccon, da 5ª Vara Criminal de Campinas, São Paulo, escreveu em uma sentença que um acusado de latrocínio "não possui estereótipo de bandido" por ter "pele, olhos e cabelos claros". A magistrada fez a afirmação ao relatar o depoimento de familiares da vítima, que disseram ter reconhecido o suspeito facilmente porque ele não seria igual a outros bandidos.
Há uma semana, a imagem da sentença começou a circular entre advogados de Campinas e ganhou o Brasil, acompanhada de críticas à postura racista da juíza.
A Juíza revelou-se racista? Não é uma resposta fácil, mas é inegável que o argumento da Juíza contém e revela o chamado racismo estrutural.
O Professor Luiz Silvio de Almeida no seu livro “O que é racismo estrutural ?” propõe reflexão sobre os conceitos de racismo como fundamento estruturador das relações sociais, com base em autores reconhecidos pelos estudos de teoria crítica racial, colonialismo, imperialismo e capitalismo, esse livro evidencia a importância de compreensão dos fatos históricos, sociais, políticos, jurídicos e econômicos para se entender a existência do racismo.
Antes algumas informações.
Segundo o IBGE 54% da população brasileira é composta por negros e negras, em contrapartida o último do Censo do Poder Judiciário feito em 2013 mostrou que 15,6% dos magistrados brasileiros eram negros, onde deste conjunto 14,2% se declaram pardos e 1,4%, preto.
Entre as mulheres magistradas, 1,5% se considerava preta e 12,7%, pardas. Dois anos depois da realização deste Censo, o Conselho Nacional Justiça (CNJ) editou a Resolução 203, determinando, no âmbito do Poder Judiciário, reserva aos negros de 20% das vagas oferecidas em concursos públicos para provimento de cargos efetivos e de ingresso na magistratura.
No estado de São Paulo a participação de mulheres negras e homens negros, no Poder Judiciário Paulista, até aqui é insignificante.
O universo dos luxuosos tribunais, por todo o Brasil, é composto historicamente por homens brancos, filhos de famílias de classe média alta e aristocratas, os quais foram e são servidos por negros e negras por gerações. Essa é a visão de mundo que a sentença da juíza paulista revela.
A tragédia é que o racismo no Brasil se encontra institucionalizado no imaginário nacional, basta lembrarmos que estudos antigos a respeito da desigualdade racial foram utilizados ao longo do tempo para justificar a inferioridade negra, não fazendo críticas sobre a condição do negro na sociedade. Qualquer negro diretamente ligado à África era animalizado, era considerado evoluído apenas a partir da miscigenação com brancos ou contado com estes, houve pesquisadores que afirmaram que os negros americanos eram mais evoluídos do que os africanos porque tiveram mais contato com os brancos.
E o Direito mundo a fora segue sendo o instrumentalizado pelo Estado para dar legalidade às condutas racistas, conforme apontado pelo Professor Luiz Silvio, pois a discriminação racial, a exclusão dos negros e a justificação dessas atitudes e comportamentos foram institucionalizados por países como Estados Unidos da América e África do Sul, respectivamente, nas legislações Jim Crow e apartheid.
Os Juízes e Juízas não são entidades, são pessoas como nós e reproduzem sua ideologia e visão de mundo. E nesse nosso mundo o racismo teima em não sair de cena, apesar das transformações sociais e as pressões dos movimentos antirracistas, assim como as declarações da Organização das Nações Unidas (ONU), fizeram com que os sistemas jurídicos nacionais tivessem suas normas alteradas, banindo-se as normas discriminatórias.
O racismo estrutural revelado na sentença da juíza deve servir de alerta para a sociedade. Temos muito a evoluir e, data vênia, não basta cantar o hino nacional e militar nas redes sociais para que a mudança valida ocorra. E a juíza? Bem, A Juíza da 5ª Vara Criminal de Campinas reproduz o racismo estrutural e merece, além de processo disciplinar, prestar serviços comunitários em locais onde predominantemente vivam negros e negras, especialmente quando colocamos em perspectiva que para os juristas que participaram do 24º Seminário Internacional de Ciências Criminais, em São Paulo, o sistema de justiça brasileiro é racista e toma muitas das suas decisões em função da cor da pele.
Isso explica, segundo eles, a população negra corresponder a 64% dos encarcerados e representar apenas 15,6% dos magistrados, de acordo com dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) e do Censo do Poder Judiciário.
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:
Este artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade do colunista.
Comentários
Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247