Querem levantar o muro que o Lula derrubou na UFERSA
Derrubar muros é impedir qualquer divisão. É implantar uma simetria com todos da comunidade, é abrir oportunidades para todos. A Ufersa nasceu com o muro no chão, mas, como nos EUA em relação ao México, o muro pode ser levantado dentro da própria instituição, agora sob os ares da antidemocracia
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Quando o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva entregou, em 2005, a Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), uma joia incrustada no interior do Rio Grande do Norte, com sede em Mossoró (RN), representantes da direita na cidade tentaram reduzir o evento à inauguração de um muro. O presidente se apropriou do discurso dos opositores e, em sua fala, disparou: "Não vim inaugurar um muro. Vim derrubar o muro do descaso com a educação".
Derrubar muros é impedir qualquer divisão. É implantar uma simetria com todos da comunidade, é abrir oportunidades para todos. A Ufersa nasceu com o muro no chão, mas, como nos EUA em relação ao México, o muro pode ser levantado dentro da própria instituição, agora sob os ares da antidemocracia.
Em recente entrevista da coordenadora do Sindicato Estadual dos Trabalhadores em Educação de Ensino Superior do RN (SINTEST) , Kaliane Morais, este clima de temor e intimidação que ronda a Ufersa foi demonstrado. Há uma tentativa de exclusão total da comunidade acadêmica na consulta à sucessão para a reitoria e vice-reitoria da instituição. Ou seja, um muro em que a maior parte dos acadêmicos estará do lado de fora.
O sindicato está observando os detalhes que podem vir de minuta a ser discutida na próxima reunião do Conselho Universitário (CONSUNI ), uma cúpula de representantes capitaneada pelo reitor, neste caso, o professor José de Arimatéia de Matos, que toma as decisões administrativas e políticas da universidade. O que está em curso é uma alteração na resolução de 2015 que regulamenta a formalidade de uma consulta pública que defina uma lista tríplice a ser apreciada pelo colegiado.
A minuta, a ser posta em discussão, quer atuar em dois flancos: se não conseguir neutralizar a consulta pública na universidade, tentará feri-la, alvejando a paridade dos votos. A representante dos estudantes no Consuni, Ana Flávia Lira, compara este movimento ao golpe branco que mobilizou o corpo discente da então Escola Superior de Agricultura de Mossoró (ESAM), em 1991. "Foi uma tentativa de nomear integrantes da oligarquia que dominava a instituição na época", relembra.
A pressão veio de intensas greves e instabilidade, remake não descartado nestes momentos de tensão, que, embora ainda velada, descortina uma nuvem sombria no aparelhamento das universidades pelo bolsonarismo. Os estudantes estão atentos, a ponto de, no mês passado, um congresso de estudantes da Ufersa detectar e discutir aspectos que viessem a exigir respeito à consulta popular e referendar o candidato mais votado por toda a comunidade.
É importante salientar que esta conquista foi enaltecida há pouco tempo pela própria instituição que agora busca reavaliá-la. Em 2016, quando alunos, professores e técnicos indicaram um nome para dirigir a instituição, o então presidente da Comissão de Consulta, Alan Martins, declarou em reportagem publicada no site da Ufersa: "Esse é o momento político mais importante da história de nossa instituição, pois é a primeira vez que a comunidade universitária irá se manifestar paritariamente na indicação à reitoria. Independente do resultado, o legado que essa consulta vai deixar, é o avanço democrático. A paridade é uma realidade, não podemos mais aceitar retrocessos. Só assim, toda comunidade ufersiana sairá ganhando”.
Sob a ótica do Sintest, por sua vez, a atenção precisa ser redobrada. Até porque, o muro está na pauta. O olhar se volta também à discussão que coloca a consulta pública como uma "possibilidade", desobrigando a sua formalidade e atingindo fortemente, como mencionado, a resolução de 2015. Caso a consulta passe a ser apenas uma "possibilidade", a decisão ficará restrita à sala do conselho, que por lei, delibera sobre a questão.
Há ainda, segunda a estudante Flávia Lira, o perigo de a consulta ser apenas uma checagem informal, enfraquecida e incapaz de sensibilizar o Consuni, não abrangendo a totalidade das representações da universidade. "Sabemos que o Consuni é quem encaminha a lista e delibera sobre isso, mas a informalidade da consulta, sem uma ação institucional efetiva é o mesmo que desprezar a decisão da maioria", comentou a estudante.
A consulta é uma forma de avanço do debate político interno das instituições, mesmo todos sabendo que pela legislação o reitor e o vice-reitor são nomeados pelo presidente, a partir da avaliação da lista elaborada pelo colegiado composto por professores, técnicos e estudantes. A composição desta lista é feita por todos e referendado pelo conselho, em uma harmonia salutar da instituição. Ao menos três nomes para concorrer à sucessão de Arimatéia já estão a postos, aguardando a chancela dos acadêmicos, ou através de uma lista ilegítima, mas legal, que pode ser arquitetada na sala do conselho.
O clima antidemocrático do Governo Bolsonaro tem influenciado na escolha do reitores nas universidades pelo país. Levantamento do Intercept aponta que, em metade das instituições, a escolha não respeitou a ordem da lista tríplice ou, simplesmente, foi sequer considerada. Como o processo de sucessão do reitor José de Arimatéia de Matos é pauta em debate, há motivos para se preocupar.
"Temos de ter cuidado e muita cautela. Somos atacados o tempo todo", acrescentou a coordenadora do Sintest. Entretanto, é preciso levar em consideração que esta não tem sido a regra cabal quando os integrantes da comunidade acadêmica decidem resistir e manter a eleição mesmo assim. Foi o caso da das listas tríplices na UFRN, UFRJ e Unirio, no Rio de Janeiro, e UFV, em Minas Gerais, onde os primeiros colocados foram nomeados.
A maior das preocupações levantadas pelo Sintest reside na instabilidade política e acadêmica que possa ser gerada se a consulta não for realizada. Ou seja, se levantarem um muro, haverá tentativa de colocá-lo no chão. Ela lembrou o estado de caos tomado na Universidade Federal do Ceará (UFC), onde o novo reitor Cândido Albuquerque, empossado oficialmente pelo Ministério da Educação (MEC) em agosto passado, ainda não conseguiu despachar do prédio da reitoria da UFC, no Bairro Benfica, em Fortaleza. "Não queremos algo parecido aqui", afirmou Kaliane.
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