Quem vai conversar com o pessoal do Uber?
A jornalista Helena Chagas faz um alerta ao governo e à oposição: "Todo mundo que anda de Uber sabe que existe opção de viajar em silêncio. Mas, se tivesse algum juízo, o governo começaria a olhar para eles como cidadãos que precisam ser atendidos pelo Estado – e não como os empreendedores de sucesso que, obviamente, eles não são"
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Por Helena Chagas, no Divergentes e para o Jornalistas pela Democracia
Na primeira sentença de instância superior sobre o assunto no país, o Tribunal Superior do Trabalho decidiu que os motoristas que trabalham pelo aplicativo Uber não são funcionários da empresa. Assim, não têm direito à carteira assinada, 13º, FGTS, plano de saúde, etc, apesar de algumas de suas condições de trabalho tecnicamente caracterizarem um vínculo de emprego. Pode ser que, como quase tudo nesse país, essa questão acabe indo parar no Supremo Tribunal Federal. Seu efeito, nesse momento, é chamar a atenção para a precariedade do mercado de trabalho que vai se formando e para as relações entre seus agentes e entre eles e o poder público.
O motorista do aplicativo não é, mesmo, empregado do Uber. Na maioria das vezes, é um desempregado que, na falta de oportunidade, resolve virar motorista para sobreviver. Situação muito semelhante à do motoqueiro que entrega comida para o IFood, à da moça que vende quentinha nas esquinas na hora do almoço e a de tantos outros.
No governo, e em setores ligados à agenda liberal-radical, convencionou-se chamar essas pessoas de “empreendedores”. Um nome lindo, mas insuficiente para injetar autoestima em quem rala o dia todo nas ruas e no trânsito das grandes cidades para ganhar uns trocados – em valores quase sempre muito inferiores aos que recebia no antigo emprego.
Na narrativa cor-de-rosa do empreendedorismo, porém, esse pessoal está se virando muito bem, é muito feliz por não ter chefe e nem ter que ficar preso a horários de ponto, costuma ser bem atendido pelo SUS quando se acidenta. Não precisa do Estado e nem de uma anacrônica carteira de trabalho. Afinal, esse é um processo mundial, e em quase todos os países os empregos formais vão sendo substituídos por esse tipo de ocupação.
É um discurso fácil para eximir de responsabilidade quem não faz nada para gerar empregos formais ou sequer tenta desenvolver programas e soluções para melhorar a vida dos subempregados. Mas não funciona assim. As discretas quedas no índice de desemprego são comemoradas, mesmo obtidas às custas da precarização do trabalho. Nunca foi tão grande o número de trabalhadores informais, que não têm direitos mas também não contribuem para a Previdência.
Nesse novo mundo, muito menos cor-de-rosa do que nos querem fazer crer, o sindicalismo está em baixa e o poder de organização desses trabalhadores é mínimo. Mas seu número vem aumentando. Em pouco tempo, haverá um milhão de motoristas de Uber no Brasil, que somados a outros avulsos, representarão um contingente razoável de eleitores.
Todo mundo que anda de Uber sabe que existe opção de viajar em silêncio. Mas, se tivesse algum juízo, o governo começaria a olhar para eles como cidadãos que precisam ser atendidos pelo Estado – e não como os empreendedores de sucesso que, obviamente, eles não são.
Da mesma forma, se fosse esperta, a oposição arrumaria um jeito de começar a conversar com esse pessoal do Uber.
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