Quem se importa com os mortos?
A morte (de muitas pessoas) tem sido reparada surpreendentemente. Talvez pelo número, quantidade. Sobretudo, em razão da negligência criminosa dos chamados poderes públicos, em tempos de pandemia como o nosso
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Há mais de um ano atrás, quando se amontoavam em freezers e nos corredores os corpos das vítimas da pandemia de Covid-19, e seus parentes não podiam sequer velar os seus mortos, foi levantada a aqui esta questão: quem ainda se importa com os mortos?
Antigamente, a morte era um acontecimento épico na vida das famílias. Cada casa, cada grupo familiar podia dizer que tinha seu morto em algum cômodo ou lugar. A morte não só era esperada - como algo natural - mas ela infundia uma autoridade grande entre as pessoas. Morria-se cercado de parentes, vizinhos , amigos, como conclusão épica de uma grande vida, com suas lutas, conquistas e realizações. E todos honravam a memória do falecido.
A nossa infeliz modernidade escondeu a morte. Tem vergonha ou medo da morte, como se ela não fosse uma decorrência do ciclo da vida. Não se morre mais em casa. Não se morre mais em público . Morre-se em lugares apropriados e reclusos, onde ninguém vê ou assiste. A morte foi apagada da memória social tornou-se assunto do cinema ou dos noticiários de jornal. Morrer não é não chique, elegante ou belo. Morrer é uma falha. Uma insuficiência pessoal. Não uma contingência existencial, como disse o filósofo.
A morte (de muitas pessoas) tem sido reparada surpreendentemente. Talvez pelo número, quantidade. Sobretudo, em razão da negligência criminosa dos chamados poderes públicos, em tempos de pandemia como o nosso. Mas é bom lembrar que a morte é acima de tudo uma experiência pessoal. Morre-se sozinho. Apesar da solidariedade dos que ficam. A solidão é a marca da morte, como o sono e a fome.
A morte representa um grande problema moral, religioso e filosófico para quem fica vivo e se interroga sobre o que poderia ter feito para evitá-la ou minorar o sofrimento dos moribundos. “A morte fala de ti", diz um pensamento latino. Nós, os vivos, sempre somos interpelados pelos que morrem. Seremos os próximos? O que fizemos ou deixamos de fazer? - Esta é a lição que aprendemos todo dia com os que se vão: os idosos, as crianças, os deficientes físicos, os desvalidos ou desassistidos. E não há "ortotanásia" que nos livre dessa reflexão.
Aqui, vale o silogismo aristotélico: "todo homem é mortal. Sócrates é homem. Logo ele é mortal".
Afinal, quem ainda se preocupa com os mortos? Nessa época, do Império do efêmero e das aparências?
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