Quem não respeita os direitos humanos tem o direito a ver respeitados os seus direitos humanos?
Não esperem de mim a solidária tolerância em relação à liberdade religiosa daqueles que inventaram um deus à sua imagem e semelhança para invocá-lo na defesa da vida de um feto instalado, mediante estupro, no ventre de uma criança de dez anos. Não mesmo
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Uma das distintas formas de solidariedade é a condicionada a alguma forma de contrapartida. Geralmente as pessoas normais, inconscientemente, são solidárias na medida da reciprocidade, para si ou para a coletividade.
São raríssimos os casos de solidariedade incondicional, encontrados apenas em quem porta auréolas, reais ou simuladas,
hipocritamente reivindicadas, ou naquelas fundamentadas em convicções ideológicas
ou corporativas nas sociedades capitalistas, ou em relações de afeto sincero. Em todos os demais o exercício da solidariedade depende de algo mais.
A solidariedade é um dever social. A reciprocidade também. Não faz nenhum sentido nos solidarizarmos, mecânica e automaticamente, com quem não merece essa distinção. Apenas as figuras, digamos, angelicais conseguem se solidarizar incondicionalmente.
Quando a fascista Sara Winter recebe insultos ou é ofendida como reação às suas posturas públicas, mesmo entre as feministas não subsiste a sororidade, uma das formas da solidariedade.
Faz-se necessário portar asas às costas para que um negro se solidarize incondicionalmente com o presidente da Fundação Palmares, pelo fato de ele ser negro. Ou para que um cristão se solidarize com a Damares, em seus desatinos, pelo simples fato de ela acreditar no mesmo deus. A reciprocidade, conscientemente ou não, quase sempre matiza nossas solidariedades.
Quem não respeita os direitos humanos tem o direito a ver respeitados os seus direitos humanos? Esse debate é antigo, e algo já superado.
Ao Deltan devem ser asseguradas as garantias constitucionais e processuais que ele sempre negou às vítimas de suas perseguições? Devemos nos solidarizar ao Moro quando o mesmo é atacado de modo vil pelas facções rivais da direita por intermédio de feiquinius? Ou com a Globo referida na delação do doleiro dos doleiros ou quando é atacada pelos falangistas da extrema-direita?
Essa discussão, previno-os, é interminável e o dilema implicado, insolúvel. A resposta sempre depende de uma tomada prévia de posição. Darei minha opinião ao final desta pequena reflexão.
Como não sou santo nem hipócrita, admito minha limitada capacidade intrínseca de exercer a solidariedade incondicional. Para mim ela sempre depende de uma racionalização. Sou esquisito. Solidarizo-me, com frequência, na exata medida da reciprocidade vislumbrada ou desejada.
Não esperem de mim a solidária tolerância em relação à liberdade religiosa daqueles que inventaram um deus à sua imagem e semelhança para invocá-lo na defesa da vida de um feto instalado, mediante estupro, no ventre de uma criança de dez anos. Não mesmo.
Solidariedade constitui-se em um dever social, reitero, assim como a reciprocidade também o é.
Os barnabés ficarão sem reajustes durante todo o governo do jaguara e terão diversos direitos atacados pelas políticas neoliberais na chamada reforma administrativa. Nem todos os servidores públicos votaram no Coiso, embora em alguns segmentos do funcionalismo no aparato repressivo a grande maioria continue a ser bolsonarista e lavajatista, mesmo depois de tudo o que já foi revelado. Contarão com minha solidariedade na exata medida em que foram solidários à classe trabalhadora na luta contra a reforma trabalhista e à cidadania na resistência ao golpe de 2016. Nem mais, nem menos. A reciprocidade também é um dever social.
Respondendo à questão enunciada acima, não contem comigo para defender o devido processo legal, com todas as garantias, para aqueles que não asseguram os mesmos direitos às vítimas de suas mediocridades e de suas maldades interessadas. Para além da solidariedade de classe, em si e para si, e as que decorrem dos afetos, todas as demais solidariedades não são incondicionais. Sou esquisito, vocês sabem.
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