Quem lucra com as bombas suicidas de Cabul?
O ISIS-Khorasan quer provar aos afegãos e ao mundo inteiro que o Talibã não consegue garantir a segurança da capital
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Por Pepe Escobar, para o Asia Times
Tradução de Patricia Zimbres, para o 247
As horrendas bombas suicidas de Cabul introduzem um vetor adicional em uma situação já incandescente: elas têm como objetivo provar aos afegãos e ao mundo inteiro que o recém-criado Emirado Islâmico do Afeganistão é incapaz de garantir a segurança da capital.
Até presente momento, pelo menos 103 pessoas – 90 afegãos (inclusive no mínimo 28 talibãs) e 13 soldados americanos - foram mortos, e pelo menos 1.300 saíram feridos, segundo o Ministério da Saúde Afegão.
A responsabilidade pelas bombas foi assumida em uma declaração publicada no canal Telegram da Amaq Media, a agência de notícias oficial do Estado Islâmico (ISIS). O que significa que a ordem partiu do comando central do ISIS, embora os responsáveis diretos sejam membros do ISIS-Khorasan, ou ISIS-K.
Atrevendo-se a assumir a herança do peso histórico e cultural das terras da Ásia Central que desde os tempos da Pérsia imperial se estendiam até o oeste dos Himalaias, esse desdobramento macula o nome do Khorasan.
O homem-bomba que executou a "operação de martírio próximo ao aeroporto de Cabul" foi identificado como um Abdul Rahman al-Logari. O que sugere que ele é afegão e originário da província vizinha de Logar. E sugere também que o ataque pode ter sido organizado por uma célula adormecida do ISIS-Khorasan. Uma análise eletrônica sofisticada de seu sistema de comunicações conseguiria provar essa hipótese - mas o Talibã não possui esses equipamentos.
A narrativa que o ISIS, habilíssimo nas redes sociais, escolheu para a carnificina merece um exame cuidadoso. A declaração na Amaq Media acusa o Talibã de "parceria" com os militares dos Estados Unidos na evacuação de "espiões".
A mensagem caçoa das "medidas de segurança impostas pelas forças armadas norte-americanas e pela milícia Talibã na capital Cabul", já que seu "mártir" conseguiu chegar a uma distância de nada menos que cinco metros das forças americanas que supervisionavam as operações".
Fica claro então que o recentemente renascido Emirado Islâmico do Afeganistão e a potência que antes ocupava o país estão enfrentando o mesmo inimigo. O ISIS-Khorasan é composto de um bando de fanáticos chamados de takfiris, porque eles definem todos os demais muçulmanos - neste caso o Talibã – como "apóstatas".
Fundado em 2015 por emigrantes jihadis despachados para o sudoeste do Paquistão, o ISIS-K é um animal astucioso. Seu atual chefe é um Shahab al-Mujahir, que foi um comandante de nível intermediário na rede Haqqani, sediada no Waziristão do Norte, nas áreas tribais paquistanesas, rede essa uma coleção de mujahidin e aspirantes a jihadis reunidos sob o mesmo guarda-chuva familiar.
Washington rotulou a rede Haqqani de organização terrorista já em 2010, e trata vários de seus membros como terroristas globais, entre eles Sirajuddin Haqqani, o chefe da família depois da morte do fundador Jalaluddin".
Até recentemente, Sirajuddin era o vice-líder talibã para as províncias do leste – no mesmo nível que o Mulá Baradar, chefe do escritório político em Doha que, aliás, foi solto de Guantánamo em 2014.
Um fato importante: o tio de Sirajuddin, Khalil Haqqani, anteriormente encarregado do financiamento externo da rede, agora chefia a segurança de Cabul e trabalha como diplomata em tempo integral.
Os antigos líderes do ISIS-K foram exterminados por bombardeios aéreos norte-americanos em 2015 e 2016. O ISIS-K passou a ser uma força realmente desestabilizadora em 2020, quando o bando reagrupado atacou a Universidade de Cabul, uma enfermaria de maternidade dos Médicos Sem Fronteiras, o Palácio Presidencial e o aeroporto.
Informações de Inteligência da OTAN citadas em um relatório da ONU calcula que o ISIS-K conta com um máximo de 2.200 jihadis divididos em pequenas células. É significativo que maioria é composta de não-afegãos: iraquianos, sauditas, kuwaitianos, paquistaneses, uzbeques, chechenos e uigures.
O perigo real é que o ISIS-K funciona como uma espécie de ímã para todos os tipos de ex-talibãs descontentes e ex-chefes guerreiros regionais frustrados que não têm para onde ir.
O perfeito alvo fácil
A comoção despertada nestes últimos dias em meio à população civil nas redondezas do aeroporto de Cabul foi o alvo fácil perfeito para uma carnificina bem ao estilo ISIS.
Zabihullah Mujahid – o novo ministro talibã da informação em Cabul que, nessa capacidade, fala à mídia global todos os dias - foi um dos que advertiram os países-membros da OTAN sobre a iminência de um ataque suicida do ISIS-K . Diplomatas de Bruxelas confirmaram esse fato.
Paralelamente, não é segredo nos círculos de inteligência da Eurásia que o ISIS-K se tornou desproporcionalmente mais poderoso a partir de 2020, em razão de uma rota de transporte ligando Idlib, na Síria, ao leste do Afeganistão, informalmente conhecida como a Daesh Airlines.
Moscou e Teerã, mesmo nos mais altos escalões diplomáticos, culparam diretamente o eixo Estados Unidos-Reino Unido por serem os principais facilitadores dessa situação. Até mesmo a BBC, em fins de 2017, noticiou que centenas de jihadis do ISIS receberam salvo-conduto para sair de Raqqa e da Síria, bem na cara dos americanos.
As bombas de Cabul aconteceram depois de dois acontecimentos muito significativos.
O primeiro foi a afirmação de Mujahid, em uma entrevista à NBC norte-americana, no início desta semana, de que "não há prova de que Osama bin Laden esteve por trás do 11 de setembro" – um argumento que eu já havia sugerido, ainda na semana passada, que viria em seu podcast.
O que significa que o Talibã já deu início a uma campanha para se desvincular do rótulo de "terrorista" associado ao 11 de setembro. O próximo passo talvez seja afirmar que a execução do 11 de setembro foi planejada em Hamburgo, e os detalhes operacionais foram coordenados a partir de dois apartamentos em Nova Jersey.
Nada a ver com os afegãos. E tudo mantido dentro dos parâmetros da narrativa oficial - mas essa é uma outra e imensamente complicada história.
O Talibã terá que mostrar que o "terrorismo" foi praticado seu inimigo mortal, o ISIS, indo muito além da al-Qaeda de velha escola, que eles abrigaram até 2001. Mas por que razão eles hesitariam em fazer essas declarações? Afinal, os Estados Unidos reabilitaram a Jabhat Al-Nusra – ou a al-Qaeda na Síria – ao qualificá-la de "rebeldes moderados".
A origem do ISIS é um tema incandescente. A organização foi gestada nos campos de prisioneiros do Iraque, com um núcleo formado por iraquianos com treinamento militar, representado por ex-oficiais do exército de Saddam, um bando fanático demitido ainda em 2003 por Paul Bremmer, dirigente da Autoridade Provisória de Coalizão.
O ISIS-K leva o trabalho do ISIS do Sudoeste Asiático até o cruzamento da Ásia Central e do Sul, no Afeganistão. Não há indícios dignos de crédito de que o ISIS-K tenha vínculos com o serviço de inteligência paquistanês.
Ao contrário: o ISIS-K é frouxamente alinhado ao Tehreek-e-Taliban (TTP), também conhecido como o Talibã paquistanês, inimigo mortal de Islamabad. A agenda do TTP não tem qualquer ligação com o moderado Talibã afegão liderado pelo Baradar, participante do processo de Doha.
A OCX vem em socorro
O outro evento significativo ligado às bombas de Cabul foi o fato de o episódio ter ocorrido apenas um dia depois de um outro telefonema entre os Presidentes Vladimir Putin e Xi Jinping.
O Kremlin ressaltou que os dois países "estão prontos para intensificar os esforços de combate às ameaças de terrorismo e ao tráfico de drogas vindas do território do Afeganistão"; a importância de "estabelecer a paz" e de "evitar a disseminação da instabilidade para as regiões adjacentes".
O que nos leva ao xis da questão: conjuntamente, os dois presidentes se comprometeram a "aproveitar ao máximo o potencial" da Organização de Cooperação de Xangai (OCX), fundada há vinte anos pelos "cinco de Xangai", mesmo antes do 11 de setembro, com o objetivo de combater "o terrorismo, o separatismo e o extremismo".
A cúpula da OCX terá lugar no próximo mês, em Dushanbe – quando o Irã, com toda a certeza, será aceito como membro pleno. As bombas de Cabul dão à OCX a oportunidade de se pronunciar com veemência máxima.
Seja qual for a coalizão tribal formada para governar o Emirado Islâmico do Afeganistão, ela se mesclará a todo o aparato da cooperação regional econômica e de segurança, liderada pelos três principais atores da integração eurasiana: Rússia, China e Irã.
O histórico mostra que Moscou conta com todos os meios necessários para ajudar o Emirado Islâmico em sua luta contra o ISIS-K no Afeganistão. Afinal, os russos expulsaram o ISIS de todas as regiões importantes da Síria, confinando-os ao caldeirão de Idlib. .
No final das contas, ninguém, a não ser o ISIS, quer um Afeganistão aterrorizado, da mesma forma que ninguém quer uma guerra civil no Afeganistão. Portanto, a ordem do dia aponta não apenas para uma luta frontal, liderada pela OCX, contra todas as células terroristas do ISIS-K existentes no Afeganistão, mas também para uma campanha integrada com o objetivo de eliminar qualquer possibilidade de existência de uma base social takfiri na Ásia Central e do Sul.
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