Quem lucra com a pandemia?
O jornalista Pepe Escobar escreve sobre os bastidores do mercado financeiro na pandemia do coronavírus e alerta: "por baixo do pano, em meio a tanta ansiedade, uma raiva contida parece estar ganhando força, podendo, mais adiante, explodir de maneiras imprevisíveis."
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Por Pepe Escobar, para o Consortium News
Tradução: Patrícia Zimbres, para o 247
Não é preciso ter lido a obra de Michel Foucault sobre biopolítica para entender que o neoliberalismo – em crise profunda desde pelo menos 2008 – é uma técnica de controle/governo na qual o capitalismo de vigilância encontra-se profundamente arraigado.
Mas agora, com o sistema mundial colapsando a uma velocidade alucinante, o neoliberalismo não faz ideia de como lidar com o estágio seguinte da distopia, eternamente presente em nossa angústia hiper-conectada: o desemprego em massa em escala global.
Henry Kissinger, o oráculo e guardião dos portões oficialmente ungido pelas classes dominantes, está apavorado, como seria de se esperar. Ele afirma que "manter a confiança do público é de importância crucial para a solidariedade social", estando convicto de que o Hegêmona deveria "salvaguardar os princípios da ordem mundial liberal" ou, caso contrário, arriscar atear fogo no mundo.
Isso soa singularmente antiquado. A confiança do público está morta em todo o espectro político. A "ordem" mundial liberal é agora um caos social darwinista. Basta esperar o incêndio se alastrar.
Os números são de tirar o fôlego. O Banco de Desenvolvimento Asiático, sediado no Japão, em seu relatório econômico anual, talvez não tenha primado pela originalidade, mas observou que o impacto da "pior pandemia em um século" poderá chegar a 4,1 trilhões de dólares, ou 4,8% do PIB global.
Esse cálculo subestima o problema, uma vez que "distúrbios nas cadeias de fornecimento, interrupção de remessas, possíveis crises sociais e financeiras, bem como os efeitos de longo prazo nos sistemas de saúde e educação não foram incluídos na análise".
Não podemos sequer imaginar as consequências cataclísmicas do colapso. Sub-setores inteiros da economia global talvez nunca venham a se recompor.
A Organização Mundial do Trabalho (OIT) prevê, em um cálculo conservador do desemprego global, uma perda de 24,7 milhões de empregos – principalmente nos setores da aviação, turismo e hospedagem.
O setor de aviação, em escala mundial, movimenta a colossal soma de 2,7 trilhões de dólares, ou seja, 3,6 % do PIB global, e emprega 2,7 milhões de pessoas. Quando se soma o setor de cargas aéreas e o turismo, incluindo desde hotéis e restaurantes a parques temáticos e museus, o setor é responsável por no mínimo 65,5 milhões de empregos em todo o mundo.
Segundo a OIT, as perdas de renda para os trabalhadores podem ir de 860 bilhões a estarrecedores 3,4 trilhões de dólares. A "pobreza empregada" será o novo normal - especialmente por todo o Sul Global.
O termo "pobres empregados", na terminologia da OIT, significa pessoas empregadas que vivem em famílias com rendas per capita abaixo da linha da pobreza de 2 dólares por dia. Em 2020, um contingente de até 35 milhões de pessoas irá ingressar nessa categoria.
Passando para as perspectivas factíveis para o comércio global, é esclarecedor examinar que esse relatório sobre como a economia poderá vir a se recuperar enfoca os notoriamente hiperativos comerciantes e negociantes de Yiwu, no leste da China – o principal centro mundial do comércio de pequenas commodities.
A experiência desses empresários aponta para uma longa e difícil recuperação. Com o resto do mundo em estado de coma, Lu Ting, o principal economista chinês no Nomura, de Hong Kong, ressalta que a China enfrentará um declínio de 30% na demanda externa pelo menos até o próximo outono.
Neoliberalismo em marcha-ré?
No próximo estágio, a competição estratégica entre os Estados Unidos e China não terá regras nem limites, uma vez que as narrativas que vêm surgindo sobre o novo e multifacetado papel global da China - nas áreas de comércio, tecnologia, ciberespaço e mudanças climáticas – serão assimiladas e terão alcance ainda maior que as Novas Rotas da Seda. O mesmo valerá para as políticas globais de saúde pública. Preparem-se para a aceleração da Guerra Híbrida entre a narrativa do "vírus chinês" e a Rota da Seda da Saúde.
O mais recente relatório publicado pelo Instituto de Estudos Internacionais da China, ajudaria muito o Ocidente — caso a hubris o permitisse — a entender as principais medidas adotadas por Pequim no sentido de colocar a saúde e a segurança da população em primeiro lugar.
Agora que a economia chinesa começa a lentamente reagir, hordas de administradores de fundos de toda a Ásia estão acompanhando de perto os dados, examinando desde viagens de metrô até o consumo de macarrão, a fim de traçar uma previsão quanto ao tipo de economia que poderá surgir após o confinamento.
Por todo o Ocidente, ao contrário, o clima de mau-agouro e desalento suscitou um impagável editorial do The Financial Times. Tal como James Brown, no épico pop Blues Brother, da década de 80, a City de Londres parece ter entendido a mensagem ou, pelo menos, estar dando a impressão de falar sério. Neoliberalismo em marcha à ré. Novo contrato social. Mercados de trabalho "seguros". Redistribuição.
Os cínicos não se deixarão enganar. O estado criogênico da economia global aponta para uma feroz Grande Depressão 2.0 e para um tsunami de desemprego. Massas de plebeus munidos de ancinhos e de AR-15s agora aparecem como uma possibilidade real. Talvez seja melhor começar a jogar umas migalhas para o banquete dos mendigos.
Esse quadro talvez se aplique às latitudes europeias. Mas a história americana é um caso à parte.
Durante décadas nos levaram a crer que o sistema econômico montado depois da Segunda Guerra Mundial dava aos Estados Unidos um poder estrutural sem rival. Agora, tudo o que restou foram fragilidade estrutural, desigualdades grotescas, Himalaias de dívidas impagáveis e uma crise de rolagem.
Ninguém mais se deixa enganar pelo Fed e seus poderes mágicos de flexibilização quantitativa, nem pela salada de acrônimos - TALF, ESF, SPV – incorporada no Tesouro do Fed/EUA, com sua obsessão exclusiva por grandes bancos, corporações e pela Deusa do Mercado, em detrimento do americano médio.
Poucos meses atrás, uma discussão séria começou a evoluir acerca da possibilidade de o mercado de derivativos de 2,5 quatrilhões de dólares vir a implodir e quebrar a economia global, devido a uma subida vertiginosa do preço do petróleo, caso o Estreito de Hormuz - por qualquer razão que fosse - viesse a ser fechado.
Agora fala-se da Grande Depressão 2.0: a quebra da totalidade do sistema resultante da paralisação da economia global. Essas questões são absolutamente legítimas: seria possível afirmar que o cataclismo político e social gerado pela crise econômica global seria uma catástrofe maior que o próprio Covid-19? E seria verdade que essa crise criaria a oportunidade de pôr fim ao neoliberalismo e dar lugar a um sistema mais equitativo, ou coisa ainda pior?
A BlackRock 'Transparente'
A Wall Street, é claro, vive em um universo alternativo. Em poucas palavras, a Wall Street transformou o Fed em um fundo hedge. O Fed, antes do fim de 2020, vai ser proprietário de pelo menos dois terços de todos os título do Tesouro dos Estados Unidos atualmente no mercado.
O Tesouro dos Estados Unidos vai comprar todos os títulos e debêntures disponíveis, enquanto o Fed será o banqueiro que financiará todo o esquema.
Então, essencialmente, essa será uma fusão Fed/Tesouro. Um mastodonte distribuindo dinheiro de helicóptero aos montes.
E a campeã é a BlackRock — a maior administradora de dinheiro de todo o planeta, com tentáculos por toda a parte, gerenciando mais de 170 fundos de pensão, bancos, fundações, companhias de seguros e, na verdade, grande parte do dinheiro aplicado em ativos privados e fundos hedge. A BlackRock — com a promessa de ser totalmente "transparente" — irá comprar esses títulos e administrar esses arriscadíssimos veículos de titularização em nome do Tesouro.
A BlackRock, fundada em 1988 por Larry Fink, talvez não seja tão grande como a Vanguard, mas é a principal investidora da Goldman Sachs, juntamente com a Vanguard e a State Street, e conta com ativos no valor de 6,5 trilhões, mais que a Goldman Sachs, a JP Morgan o Banco da Alemanha juntos.
Agora, a BlackRock é o novo sistema operacional do Fed e do Tesouro. Ela é o maior banco-sombra de todo o mundo e - não, não é chinesa.
Comparado com esse jogo pesado, mini-escândalos como o que envolveu Kelly Loffler, Senadora pelo estado da Geórgia, são ninharias. Consta que Loffler teria lucrado com informações privilegiadas sobre o Covid-19 fornecidas pelo Centro de Controle de Doenças (CDC) e ganho uma fortuna na Bolsa. Loffler é casada com Jeffrey Sprecher – que, por acaso, é presidente da Bolsa de Valores de Nova York por indicação da Goldman Sachs.
Enquanto a mídia empresarial corre atrás dessa história como galinhas sem cabeça, os planos pós-Covid-19, no jargão do Pentágono, "avançam" na surdina.
O preço? Um mísero cheque de 1.200 dólares por pessoa por um mês. Todos sabem que, com base na renda salarial média, uma família americana típica precisaria de 12.000 dólares para sobreviver por dois meses. O Secretário do Tesouro Steven Mnuchin, em um ato de suprema afronta, dá a eles meros 10% dessa soma. Assim, os contribuintes americanos acabarão com um tsunami de dívidas, enquanto atores de Wall Street abocanharão o grosso da pilhagem, como parte de uma transferência de renda para cima nunca antes vista, acompanhada por falências em massa de pequenas e médias empresas.
A carta aos acionistas da Fink praticamente entrega o jogo: "Creio que estamos às beiras de uma reformulação fundamental das finanças".
E, no momento exato, ele previu que "em um futuro próximo - e mais cedo do que muitos esperam - haverá uma realocação significativa do capital".
Ele, então, se referia às mudanças climáticas. Agora ele se refere ao Covid-19.
Implantem Nosso Nanochip, ou Então...
É bem possível que o jogo planejado pelas elites para tirar partido da crise contenha esses quatro elementos: um sistema de crédito social, vacinação obrigatória, moeda digital e uma Renda Básica Universal. Isso é o que costumava se chamar, segundo o manual de operações da CIA, exaustivamente testado por décadas de experiência, uma "teoria da conspiração". Bem, mas é exatamente isso que pode de fato acontecer.
Um sistema de crédito social é algo que a China já havia criado em 2014. Até o fim de 2020, cada cidadão ou cidadã chinês terá recebido sua cota de crédito – que, na verdade, é um "perfil dinâmico" elaborado com o uso extensivo de IA e da Internet das Coisas (IoT), que inclui uma onipresente tecnologia de reconhecimento facial. O que, é claro, implica vigilância 24/7, complementada com pássaros-robô móveis ao estilo Blade Runner.
Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha, Canadá, Rússia e Índia talvez não estejam muito atrás. A Alemanha, por exemplo, está aperfeiçoando seu sistema de classificação de crédito universal, o SCHUFA. A França tem um aplicativo de Identidade muito similar ao modelo chinês, verificado por reconhecimento facial.
A vacinação obrigatória é o sonho de Bill Gates, que vem trabalhando conjuntamente com a OMS, o Fórum Econômico Mundial com a Big Pharma. Ele quer que "bilhões de doses" sejam aplicadas obrigatoriamente por todo o Sul Global. E isso pode ser um disfarce para qualquer um que receba um implante digital.
Nas suas próprias palavras de Bill Gates (34:15): "O objetivo final que teremos que alcançar são certificados de que a pessoa se recuperou, de que ela foi vacinada... Porque não queremos gente se movimentando pelo mundo, porque há países onde a doença não está sob controle, infelizmente. Não queremos bloquear completamente a capacidade das pessoas de viajar para esses países, voltar e circular livremente".
Vem então a frase final, que foi apagada da versão oficial do vídeo TED. Quem notou isso foi Rosemary Frei, que tem um mestrado em biologia molecular e é uma jornalista independente do Canadá. Gates diz: "Então, ao final, teremos essa prova de imunidade digital que irá facilitar a reabertura global".
É de importância crucial estarmos atentos a essa "prova de imunidade digital", que é algo que poderia ser usado pelo estado com objetivos nefastos.
As três principais concorrentes a fabricantes da vacina contra o coronavírus são a Moderna, uma firma norte-americana de biotecnologia, e também a CureVac e a BioNTech, ambas alemãs.
O dinheiro digital poderia então se tornar um produto do blockchain, um serviço de exploração de bitcoin. Não apenas os Estados Unidos, mas também a China e a Rússia estão interessadas em uma criptomoeda nacional. Uma moeda global - controlada pelos bancos centrais, é claro, talvez venha a ser adotada em breve, na forma de uma cesta de moedas com circulação virtual. Infinitas combinações do coquetel tóxico de IoT, tecnologia de blockchain e sistema de crédito social talvez já assomem no horizonte.
A Espanha já anunciou que está adotando a Renda Básica Universal, e pretende que ela seja permanente. Esses pagamentos, para as elites, são uma forma de seguro contra insurreições populares, principalmente se milhões de empregos forem perdidos para sempre.
A principal hipótese de trabalho, então, é que o Covid-19 poderia ser usado para introduzir um novo sistema financeiro digital e uma vacina obrigatória com um nanochip de "identidade digital", no qual a dissidência não seria tolerada: o que Slavoj Zizek chama de "sonho erótico" da totalidade dos governos totalitários.
Mas, por baixo do pano, em meio a tanta ansiedade, uma raiva contida parece estar ganhando força, podendo, mais adiante, explodir de maneiras imprevisíveis. Por mais que o sistema esteja mudando a uma velocidade estonteante, não há a menor garantia de que o 0,1% esteja seguro.
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