Quem detém a força, não faz as leis ou as interpreta
Ou nossos deputados e senadores deveriam prestar mais atenção ao que se passa fora do Congresso Nacional. Pode ser que quando resolverem fazê-lo - pensando em sua própria sobrevivência política - seja tarde demais
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Das três armas que constituem o aparelho militar do estado brasileiro, o Exército é o que tem sua origem mais popular. Muitos órfãos e filhos das classes desfavorecidas tiveram nessa corporação militar o abrigo necessário para estudarem e ajudarem à suas famílias. É de lembrar que o positivismo - como ideologia antiliberal - prosperou nas fileiras do Exército e a doutrina do "Soldado-Cidadão" foi a primeira que inspirou os nossos militares. Segundo esta doutrina, os soldados são filhos do povo, não estão ligados a nenhum partido ou grupo de interesses. Portanto, são os mais habilitados a falar e defender os altos interesses da Nação.
Essa visão jacobina e nacionalista do Exército foi modificado pela influência da missão alemã junto aos nossos militares. Com ela veio o início da profissionalização da corporação militar. Agora, o soldado não era mais o cidadão, e sim um servidor militar do estado brasileiro, com uma capacitação bélica específica. Como era de se esperar, a mentalidade "profissional" do militar tornou-se facilmente uma presa do litígio dos grupos políticos e econômicos da sociedade brasileira. Extirpado o jacobinismo dos meios castrenses, veio uma espécie de sucedâneo da teoria do "Poder Moderador", antes encarnado na figura do Imperador que, aliás, nunca cumpriu exatamente o que era reservado a esse papel, como forma de dirimir ou resolver as crises políticas no Brasil.
Tal qual a enorme interferência exercida pelo Imperador no jogo político do segundo reinado, os militares brasileiros entenderam que a função do "Poder Moderador" ia além de uma eventual pacificação da sociedade civil, para que ela caminhasse com as suas próprias pernas. Daí a sucessão de intervenções militares em nossa frágil democracia e suas ditaduras mais ou menos longas e cruéis. Hoje, como já existe juristas à disposição dos golpistas que defendem o "Estado de Exceção" no Brasil e um ministro-despachante, cujo o interesse na pasta é político e eleitoral, no Ministério da Defesa, é possível dizer que o clima é perfeito para as ideias atávicas de "intervenção militar" no país, como forma de afastar a corrupção, os corruptos e colocar o país nos trilhos da normalidade política.
Esse longo introito foi escrito em razão das palavras pronunciadas numa loja maçônica pelo general Mourão Filho, secretário de finanças e economia das Forças Armadas. Este militar já tinha sido removido, uma vez, para Brasília, da região militar que comandava (Rio grande do Sul), por críticas públicas à então Presidente Dilma Rousseff. Segundo a nossa Constituição republicana de 1988, as três forças armadas do país devem lealdade incondicional ao chefe de governo, legitimamente eleito pelo povo. Sua missão é defender a Constituição Federal e assegurar o pleno exercício democrático das instituições políticas.
Como já se disse muitas vezes, é tarefa do servidor militar "ouvir e obedecer" calado às ordens de seus superiores, entre eles, e acima de todos, o /a Presidente da República. Quando um militar, seja lá qual for a sua patente, se arvora em intérprete ou crítico da Constituição ou manifesta publicamente a possibilidade. Depois de várias "aproximações", de uma intervenção militar contra o funcionamento dos Poderes da República, sob qualquer pretexto, é preciso mesmo colocar "as barbas de molho". Sobretudo, se o referido militar for do alto comando, estiver na ativa e se mencione que o seu pensamento é representativo de outros confrades da caserna. Das duas uma, ou ele será advertido e punido ou fica o alerta vibratório de que há, sim, uma inquietação na tropa em relação ao funcionamento das instituições políticas no país.
É inegável o agravamento da crise política no Brasil, com as sucessivas denúncias pelo Poder Judiciário ao ocupante do Palácio do Planalto. Mais ainda as tentativas de obstrução da Justiça feita por ele, através da distribuição de recursos e cargos para que não votem a favor de seu afastamento do cargo. Mas é preciso entender a mecânica das instituições: quem pode aceitar e processar a denúncia (até o eventual afastamento do gestor do seu cargo) é o Congresso Nacional, por meio de seus deputados e senadores, sob a presidência do STF. Cabe ao Poder Judiciário apreciar a denúncia oferecida pela Procurador ia da República e enviá-la ao Congresso para que este analise as provas coligidas e decida abrir ou não o processo de Impeachment. O que pode fazer o STF é abrir um processo contra a tentativa de obstrução da Justiça por parte da autoridade denunciada. Mas o Poder Judiciário, por si só, não tem competência para afastar o atual ocupante do cargo. Mais ainda, um Judiciário partidarizado, objeto de acusações por parte de delatores da Lava-jato, onde ministros atacam-se mutuamente e tomam partido a favor desse ou daquele lado.
Naturalmente, um quadro como esse é um prato cheio para quem defende ou alimenta ideias de conspiração civil ou militar. Enquanto a crise se aprofunda, o Judiciário perde tempo e os deputados calculam quanto têm a ganhar com a próxima denúncia, mais aumenta a impressão da perda de legitimidade e eficácia dos 3 Poderes da República, com imensos prejuízos para a Nação brasileira como um todo. Já repercute negativamente fora do país a dimensão do escândalo político em que estamos envolvidos.
Cresce diuturnamente a ideia de que não há uma solução fácil e breve para o "imbróglio institucional”. Tem se aí, certamente, um excelente caldo de cultura para que a doutrina do "Poder Moderador" interveniente volte a ser discutida, sem discrição, nos meios militares, como forma de resolver a crise política. Mas é bom lembrar que: primeiro, não há apoio na Constituição Federal para este tipo de intervenção. Isto se chama Golpe de Estado, Estado de Exceção.
Segundo, não é por curto período a aventura militar; ela tende a se perpetuar indefinidamente. Terceiro, a imagem dos militares sempre sai muito arranhada dessas rupturas institucionais. Como servidor público da Forças Armadas, não está ao alcance de nenhum de seus membros interpretar a Constituição Federal ou criticá-la. É este um precedente perigoso. Quem detém a força, não faz as leis ou as interpreta. A mistura entre essas ações só pode degenerar num regime de exceção cujas consequências são de todo imprevisíveis para a sociedade brasileira. Ou nossos deputados e senadores deveriam prestar mais atenção ao que se passa fora do Congresso Nacional. Pode ser que quando resolverem fazê-lo - pensando em sua própria sobrevivência política - seja tarde demais.
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