Queiroga, o antivacinista fake

"O ministro da saúde foi além da pobreza de espírito, chegando ao nível da indigência espiritual", escreve o professor de Saúde Pública na USP Paulo Capel Narvai

Marcelo Queiroga
Marcelo Queiroga (Foto: Reuters/Adriano Machado)


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Por Paulo Capel Narvai 

(Publicado no site A Terra é Redonda)

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O Conselho Nacional de Saúde (CNS), reunido em 17/9/2021, pediu ao Ministério da Saúde (MS) que mantenha a vacinação de todos os adolescentes de 12 a 17 anos no Plano Nacional de Vacinação contra a covid-19.(1) A decisão do CNS foi motivada pela publicação, dois dias antes, da Nota Informativa nº 1/2021-SECOVID/GAB/SECOVID/MS, que revisara a recomendação de imunização contra a doençanesse grupo etário, mantendo-a apenas para as pessoas dessa idade que apresentam deficiência permanente, comorbidades ou que estejam privados de liberdade.

A decisão do CNS apenas repercutiu a gritaria geral, na imprensa e em redes sociais, do descalabro que marcou essa absurda e cientificamente insustentável mudança de orientação técnica. A balbúrdia promovida pelo governo federal na pasta da Saúde, por incompetência ou má fé, tem sido amplamente denunciada por jornalistas e profissionais do setor, em sintonia com o que denominei de “terraplanismo epidemiológico”.(2) Fala-se em “desastre” e“irresponsabilidade” dentre outros qualificativos.(3) Em defesa da orientação antivacinista, apenas o bando de fanáticos acólitos de Bolsonaro e um ou outro médico proveniente dessas hostes.

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Nunca, desde sua criação, em 25/7/1953, o Ministério da Saúde teve em seu comando um titular antivacinista. Foram 49 até a chegada de Marcelo Queiroga, em 23/3/2021. O médico cardiologista foi o quarto nome posto por Jair Bolsonaro nos últimos três anos para, como ele costuma afirmar, “tocar a Saúde”. Antes de Queiroga, responderam pelo Ministério, Luiz Henrique Mandetta (1/1/2019-16/4/2020), Nelson Teich (17/4-15/5/2020) e Eduardo Pazuello (2/6/2020-23/3/2021). Registre-se que, no período de 15/5 a 2/6/2020 o MS, “punido” pelo presidente da República, ficou acéfalo.

Os três ministros que antecederam Queiroga ganharam vários epítetos em redes sociais, tendo em vista suas características pessoais ou o modo como exerceram o cargo. Em respeito ao leitor, direi apenas que Teich foi considerado “o breve”, por motivos óbvios. Os epítetos de Mandetta e Pazuello são ofensivos demais. Por falastrão, e pela pretensão de buscar compatibilizar ciência com Bolsonaro, Queiroga vinha sendo qualificado até o momento como “o contorcionista”, superando nessa prática colegas muito mais experientes, como Mandetta.

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Médico qualificado, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, o titular do MS e comandante nacional do Sistema Único de Saúde (SUS) estudou, aprendeu, sabe o que é e como funcionam as vacinas. Não desconhece, portanto, o que significam vacinas no mundo contemporâneo e seu papel na saúde pública, em todo o planeta. Queiroga sabe, também, das implicações éticas da decisão que tomou como ministro de Estado. Consta que é doutorando no programa de pós-graduação em Bioética da Universidade do Porto, em Portugal, desde 2010. Tempo mais do que suficiente, portanto, para compreender os múltiplos aspectos implicados na questão.

Após o anúncio da medida, tendo Queiroga participado ao lado de Bolsonaro de uma transmissão ao vivo pela internet, em que uma vez mais o presidente colocou-se como um arauto da liberdade e bradou contra a vacinação obrigatória para servidores públicos, o ministro da Saúde deu entrevista em que pediu às mães para não vacinarem seus filhos. Foi um fato estarrecedor, absolutamente inusitado, pois ministros como Mandetta e Teich, e até mesmo o bravateiro Pazuello(4) (aquele do “dia D, hora H”), pouparam a si mesmos do vexame de se colocarem na posição de antivacinistas, argumentando com “o que diz a ciência” para se justificarem perante seu chefe político.

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Mas Queiroga, não. Com seu apelo cretino às mães, alinhou-se de modo bizarro às sandices de Bolsonaro e, renunciando às próprias convicções, das quais reiteradas vezes havia dado demonstrações, conseguiu trair a si mesmo. Ele não é antivacinista, mas fala e age como se fosse. É um exemplo bem-acabado de até onde pessoas podem chegar para se manter no poder, recusando a razão, negando os próprios conhecimentos e cometendo violências contra si mesmo.

Por que Queiroga o fez?

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A resposta, desoladora para um ministro de Estado com a trajetória profissional de Marcelo Queiroga, é que o fez para, apenas e tão-somente, poupar Bolsonaro do desgaste de não ter comprado, em tempo hábil, as vacinas de que o país precisa. Sem vacinas para a execução do plano nacional de vacinação contra a covid-19, elaborado pelo governo federal e gerido pelo ministério da Saúde, Queiroga tentou desviar o assunto e, buscando tirar o foco da incompetência administrativa do governo federal e, portanto, da falta de vacinas, cometeu o desatino de, sem dispor de estudos comprobatórios, colocar em questão a efetividade e a segurança sanitária da vacina, nesse contexto. Admitiu, publicamente, que sua referência para a decisão foi um “pedido de Bolsonaro”.(5)

Travestido de antivacinista de ocasião, Queiroga foi além da pobreza de espírito, chegando ao nível da indigência espiritual. Com sua lamentável e desastrada decisão, insustentável sob qualquer ângulo epidemiológico e que contribui para que a pandemia de covid-19 siga matando no Brasil, alimentou tristemente o farto anedotário político nacional, ao criarum tipo insólito e alterardefinitivamente seu epíteto.

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Deixou de ser “o contorcionista” e passou a ser o primeiro “antivacinista fake” do mundo. Para um doutorando em bioética, é fato gravíssimo. Com a palavra, a Universidade do Porto.

Para o controle da pandemia de covid-19 no Brasil, mais uma trapalhada a demonstrar que o governo Bolsonaro não cessará suas agressões à cidadania e ao país enquanto Jair Messias estiver no Palácio do Planalto com sua caneta que nomeia ministros da estirpe de Queiroga. Com a palavra, brasileiras e brasileiros de todas as idades.

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Notas

(1). Conselho Nacional de Saúde. CNS recomenda que Ministério da Saúde mantenha vacinação em adolescentes de 12 a 17 anos. Susconecta [Internet]. 17/9/2021. Disponível em: https://tinyurl.com/bvwk4p7x

(2). Narvai P. C. Terraplanismo epidemiológico. A Terra é Redonda [Internet]. 16 de março de 2020; Disponível em: https://tinyurl.com/r9pxs94a

(3). Alencar B, Vidigal L. “Erro”, “infelicidade” e “lamento”: decisão de Queiroga sobre vacinação de adolescentes é criticada. G1 [Internet]. 16 de setembro de 2021; Disponível em: https://tinyurl.com/etvnjpx9

(4). Barifouse R. “No dia D, na hora H”: 7 momentos-chave de Pazuello no Ministério da Saúde. BBC News Brasil [Internet]. 15 de março de 2021; Disponível em: https://tinyurl.com/28wkhm5y

(5). Queiroga diz que Bolsonaro orientou rever vacinação de adolescentes. Isto É [Internet]. Agência Estado. 16 de setembro de 2021; Disponível em: https://tinyurl.com/4f8ujk58

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