Queima das reservas para nada

Queimar essas reservas – no nosso caso, quase 400 bilhões de dólares – para enfrentar altas conjunturais do dólar é uma irresponsabilidade da política econômica

Cédulas falsas com o número de série repetido.
Cédulas falsas com o número de série repetido. (Foto: Daniel Isaia/Agência Brasil)


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Reservas internacionais em moeda forte, notadamente dólar, são constituídas com o fim específico de proteger o país contra crises no balanço de pagamentos. Queimar essas reservas – no nosso caso, quase 400 bilhões de dólares – para enfrentar altas conjunturais do dólar é uma irresponsabilidade da política econômica. O objetivo aparente é o de atender pressões de especuladores que querem pular fora do real e se abrigar no exterior, sem nenhuma relação com o funcionamento interno da economia.

Para uma melhor análise desse processo convém observar que não faz sentido usar reservas internacionais para investimento no Brasil. Na sua origem, a reserva surge de uma operação comercial ou financeira na qual um exportador ou credor externo entra no país com dólar, o qual é convertido em real pelo Banco Central. Nesse caso, o Banco Central paga pelo dólar que entra, dando em troca reais. É que não temos moeda conversível, e todo dólar que entra tem que ser convertido legalmente em reais.

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Se não houver as chamadas ações de enxugamento do mercado financeiro pelo Banco Central, essa operação tem um efeito expansionista – isto é, aumenta-se a quantidade de reais em circulação na economia como contrapartida da entrada do dólar. Mas quando alguém deseja, dentro dos parâmetros da lei, mandar dólar para o exterior, o Banco Central vende o dólar demandando para a remessa e recebe os reais correspondentes aqui dentro. Como conseqüência, tem-se um efeito contracionista no mercado bancário.

A primeira conseqüência disso é que as reiteradas sugestões de que o Brasil deveria usar suas reservas para investimentos internos é um contrasenso. Internamente, não gastamos em dólar. Teríamos que converter uma parte dos dólares das reservas em reais. Quem faria isso é o Banco Central. E para fazê-lo o Banco Central terá que emitir reais ou usar reservas bancárias internas. Ora, se é assim, seria muito mais pertinente para cobrir os investimentos se o Banco Central emitir moeda ou crédito, sem mexer nas reservas.

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Há uma situação na qual um aumento de reservas internacionais poderia concorrer para financiar investimentos internos, mas por outro caminho. É tornar o Banco Central um currency board, no qual a moeda interna é atrelada a uma divisa forte (reserva) internacional. Não é nada simpático, pois isso tira totalmente a autonomia do banco e remonta ao colonialismo. De qualquer forma, o esquema estabelece que a moeda interna deve se expandir ou contrair no mesmo ritmo das reservas internacionais, o que elimina a senhoragem.

A propósito, senhoragem é o poder de compra resultante da expansão monetária derivada do aumento de circulação de riquezas numa economia. Originalmente, pertencia ao rei (senhor); modernamente, no Brasil, é quase totalmente apropriada pelos bancos privados. De qualquer modo, não temos adequada expansão monetária e receita de senhoragem no Brasil porque o Banco Central opera sempre enxugando o mercado sob o pretexto de combater a inflação, mas, em realidade, para manter os juros extremamente elevados.

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Voltemos às reservas. Numa economia que não tem rumo, como na atualidade, queimar reservas é um artifício voltado exclusivamente para reduzir a pressão de curto prazo sobre o dólar. Numa situação em que o presidente da República perdeu totalmente a autoridade, dedicando-se sobretudo à caça aos comunistas, e o superministro da Economia ainda não conseguiu sair da zona furiosamente destrutiva para apresentar ao país um plano de retomada de desenvolvimento, a estabilidade do dólar é uma quimera.

O fato é que começamos a perder as reservas acumuladas nos anos de Lula... para nada. Num governo normal, teríamos feito um grande programa de desenvolvimento para enfrentar o alto desemprego e a recessão. Os abutres do mercado financeiro reagiriam, pois um plano produtivo não interessa à especulação. Fariam um ataque ao real. E nós, aí sim, poderíamos mobilizar as reservas para enfrentar a crise até sua estabilização. Alguma coisa com começo, meio e fim. Bem além de Bolsonaro, com sua mente fragmentada. E além também dos planos exclusivamente destrutivos de Paulo Guedes.

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