Que tipo de cidadãos vamos formar?
Se a crítica dos bolsonaristas era da "escola com partido", agora a escola vai se tornar um aparelho de moer sonhos, utopias e independência intelectual. Uma máquina de produzir "Pinóquios as avessas", como dizia o saudoso Rubem Alves. Lutamos tanto para transformar a educação numa 'pedagogia do desejo', e o que estamos vendo é um programa pedagógico apoiado na intolerância, no ódio, no preconceito e no obscurantismo
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Acabo de ler "o roteiro para o MEC" elaborado pelo cidadão colombiano Ricardo Velez Rodriguez, autodefinido como "intelectual e professor universitário", apresentado como plataforma ou programa de gestão para a política educacional brasileira. Jacta-se o candidato a ministro que sempre apoiou Bolsonaro e louva a sua capacidade de ter expressado a vontade do povo simples e da classe média, diante da insatisfação e angústia provocadas pela política vermelha do PT. Segundo Rodriguez, a linha será menos Brasília e mais Brasil, Brasil dos grotões, dos municípios, da periferia. Identifica ele o programa pedagógico do PT para a escola pública como ideológico, vermelho e marxizante ou gramsciano, responsável por instigar o ódio entre sexos, raças, culturas.
O seu programa é a união dos brasileiros, através de um ensino que vai banir da escola as discussões sobre orientação sexual, relações de gênero etc. O programa Brasília era ideológico e divisionista da família brasileira, o do Brasil é focado na promoção do ensino médio, que deve ser municipalizado ou estadualizado, atuando o MEC como coadjuvante ou apoiador desse processo de municipalização. Imagina-se como será esse ensino médio municipalizado, sem parâmetros nacionais transversais que garantam o mínimo de unidade e organicidade à escola pública.
Um currículo permeável à intromissão solerte das igrejas, que se julgaram no direito de dizer o que pode e deve ser ensinado às crianças e adolescentes, a reprodução humana, o modelo de família, o surgimento da vida no universo etc. Aquilo que as escolas confessionais – fundamentalistas – já fazem, interditando o livre debate das ideias, a formação racional da vontade, o esclarecimento das mentes. E o magistério laico, republicano, iluminista banido ou censurado, com o afastamento dos professores e professoras comprometidos com uma agenda contemporânea do pensamento.
Digo isso, com angústia e preocupação, porque fui professor durante a ditadura militar no Brasil. E sei das inúmeras dificuldades de lecionar, com liberdade de pensamento e autonomia intelectual, num ambiente de perseguição, ameaças veladas ou implícitas, com espias na sala de aula. E me preocupo acima de tudo com o tipo de educação que receberão os nossos jovens e adolescentes na escola pública, numa época de formação de seu caráter e sua personalidade. Se a crítica dos bolsonaristas era da "escola com partido", agora a escola vai se tornar um aparelho de moer sonhos, utopias e independência intelectual. Uma máquina de produzir "Pinóquios as avessas", como dizia o saudoso Rubem Alves. Lutamos tanto para transformar a educação numa 'pedagogia do desejo', e o que estamos vendo é um programa pedagógico apoiado na intolerância, no ódio, no preconceito e no obscurantismo.
Temo pelo futuro desses educandos da "escola sem partido", porque a cultura cívica, democrática e republicana desses novos cidadãos e cidadãs brasileiras vai depender muito dessa educação, desse programa educacional. E o país, desses cidadãos.
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