Quando foi que perdemos nossa humanidade?

O que assusta não é a existência da selvageria de homens ou grupos de homens, mas sua aceitação generalizada, a convivência pacífica com o terror, o conformismo com atos desumanos



✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

Sim, crimes hediondos sempre ocorreram. Relatos históricos sobre crueldade e sadismo remontam aos primeiros sinais da civilização. Assistências imensas acorriam ao Coliseu de Roma a fim de se deleitar com espetáculo macabro em que felinos de grande porte estraçalhavam carne e ossos de famílias cristãs inteiras.

Nos últimos dos primeiros vinte séculos depois de Cristo uma etnia passou a ser sequestrada na África e arrastada até os segmentos Norte ou Sul do continente que habitamos, sendo escravizada e torturada. Seres humanos eram vistos como mercadoria, como animais a ser comercializados, como se fossem cavalos ou bois.

O nazismo levou ao paroxismo a selvageria do homem contra o homem. Seres inteligentes eram dissecados vivos, mutilados, transformados em cobaias de laboratório simplesmente pela ascendência que nomes de família denunciavam.

continua após o anúncio

Mas havia uma “justificativa” pervertida: diziam que agiam “em nome da ciência”.

Dirão, pois, que a perversidade e o desprezo pelo gênero humano sempre existiu.

continua após o anúncio

Contudo, o homem sempre dedicou esse desprezo aos que considerava “diferentes”, alienígenas, mas sempre por integrarem grupos “raciais” considerados “inferiores” ou por pertencerem a grupos religiosos considerados “malditos” aos Olhos de Deus.

O que estamos vivendo no Brasil, porém, é diferente. Não tem uma dessas “razões”, ou melhor, um dos pretextos que psicopatas guindados ao poder manipulavam para exercerem suas perversões e, com elas, contaminarem mentes frágeis, como no Coliseu romano.

continua após o anúncio

A guerra político-ideológica irracional que recrudesce no país e que vê a ferocidade escapar dos recantos mais obscuros dos corações e se espalhar pela internet antes de ganhar as ruas não tem pretexto, ainda que siga a ideologia da ferocidade praticada sob pretextos.

Seria menos perturbador – porém igualmente inaceitável e sempre perturbador – se fosse uma guerra sem quartel entre grupos étnicos, religiosos, políticos, geográficos etc. Mas não é. A banalização do mal é que assusta. A futilidade que impele grupos ou indivíduos a praticarem atos de ferocidade que animal nenhum pode suplantar supera qualquer conto de terror já escrito.

continua após o anúncio

Entendemos – no sentido de ver um “motivo” – quando um “serial killer” tira vidas com requintes de crueldade, entendemos quando um criminoso é torturado nas dependências do Estado ao ser preso, para que confesse o que sabe ou o que não sabe. Um verdugo é mentalmente doente e o outro justifica sua selvageria com o “combate ao crime”.

Contudo, não entendemos – e começamos a nem ligar, a ponto de nem procurarmos entender – quando um pai espanca um filho de oito anos até a morte por temer que “vire gay” ou quando, após assistir a uma partida de um esporte, um grupo de torcedores espanca até a morte integrante da torcida adversária a frio, sem ser no âmbito de briga de torcidas.

continua após o anúncio

A ideologia que apologiza o “politicamente incorreto”, a popularidade do conceito de “pieguice”, tudo que transforma sentimentos como comiseração ou respeito à dor alheia em uma espécie de crime de personalidade parece embasar a insensibilidade e a convivência cada vez mais harmoniosa que estamos estabelecendo com a barbárie.

Aceitando ou relativizando esse horror que já se integrou ao cotidiano, conformando-nos em seguir em frente após saber que um pai matou a pancadas o próprio filho por ver em sua recusa a cortar o cabelo sinônimo de homossexualidade, coonestamos o caos.

continua após o anúncio

Dizerem que tal horror “existe em toda parte” ou que “sempre existiu” é o que apavora. É o endosso a que não paremos tudo até encontrar meios de mudar tal situação.

Dirão, também, que o homem que matou o filho de oito anos é vítima da ignorância. Nada mais falso. Quantos das classes mais abastadas – e, portanto, com acesso à educação – cometem o mesmo tipo de crime por “diversão”?

continua após o anúncio

E o pior é que nem sempre são jovens, com a “justificativa” da imaturidade – sem esquecer que nunca chegará a maturidade alguma aquele que age como besta-fera na adolescência.

Nas quase 24 horas que antecederam a composição deste texto, analista e ativista político que sou não consegui me ater a mais nada. A notícia sobre o pai que massacrou o filho porque não quis cortar o cabelo se abateu sobre minh’alma no meio da tarde do dia anterior e ainda não foi assimilada.

Aliás, torço para que nunca assimile horrores como esse.

Recusar-me a retomar tão facilmente a vida após tomar ciência de tal horror, ainda que não seja uma decisão, mas uma consequência do estado de minha psique, talvez seja a forma que encontrei para não sentir que também estou aceitando esse processo macabro.

Com efeito, o que assusta não é a existência da selvageria de homens ou grupos de homens, mas sua aceitação generalizada, a convivência pacífica com o terror, o conformismo com atos desumanos. Essa é a novidade macabra que suscita uma questão ainda mais perturbadora: quando – e por que – perdemos a humanidade?

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Este artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade do colunista.

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247