Qua-qua-ra-qua-quá quem riu, qua-qua-ra-qua-quá, fui eu ou e Dilma foi à praia

"A história se repete como farsa, bater em Dilma, com certeza daria ibope", escreve Roberto Ponciano

Dilma Rousseff
Dilma Rousseff (Foto: MARTIN ACOSTA/REUTERS)


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Talvez a coisa mais insólita dos noticiários nesta primeira semana do mês tenha sido o ataque de Quaquá à Dilma, secundado por alguns ecos de “Qua quá está certo mas tem gente que não fala o que pensa por medo da pauta identitária”. Foi algo nonsense, tipo aqueles homens e mulheres que correm nus pelas quadras de tênis só para terem seus 5 minutos de fama nas redes sociais.

Muita gente aproveitou a fala de Quaquá para atirar no identitarismo. Mirou no que viu mas, corrigindo o ditado, errou no que não viu. As pautas identitárias vieram para ficar, ou a esquerda entende isto ou falará para as paredes. Parte da esquerda não entendeu sequer o maio francês e o 1968 que abalou o mundo, com pautas do tipo “as mulheres também tem direito ao orgasmo” e “sexo é bom e deve ser feito a hora que eu quiser, porque o corpo é meu”. O PC francês  condenou o movimento de 68, previamente, como de “juventude pequeno burguesa” e foi o começo do fim de sua hegemonia no movimento social. Não entendeu e não dialogou com a juventude, reduziu toda a política à economia (leitura mecanicista vulgar e não dialética) e fez coro com a direita conservadora na condenação da “pauta pequeno burguesa”.

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Óbvio que como marxista defendo que o central é a luta de classes, mas entre a estrutura e a autonomia (e não a independência) das superestruturas, como bem ensinavam Lênin e Gramsci, não existe espaço vazio na política. Óbvio que não sou tolo e nem cego, e sei que o liberalismo sabe usar e disputa muito bem as pautas identitárias. Mas faz isto também por nossa incompetência. Se os socialistas não produzem diálogo e política classista para mulheres, negros, LGBTs, ecologia, assistiremos, de camarote, os liberais deitarem e rolarem dando a linha para estes movimentos.

É bom lembrar que o movimento feminista foi uma criação anarquista e comunista, então, quem condena as “pautas identitárias” renega a própria história vermelha. E é bom lembrar também que o movimento pelo Estado Laico, pela liberdade aos cultos afro-brasileiros e contra o racismo foi uma criação do PCB no Brasil. Um pouco de história nos ensina que basta conjugar luta de classes com as lutas setoriais para tornar estas lutas mais abrangentes e radicais, virar as costas para elas, previamente a condenando como “criações da CIA e do imperialismo”, é virar as costas para a juventude e ficar dialogando dentro das cômodas salas de reunião do PT com um bando de velhos socialistas que ainda pensam que estão na década de 60.

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Mas, o que isto tem que ver com Quaquá e Dilma? Tudo. Absolutamente tudo. Quaquá faz uma disputa interna no PT nacional e do Rio, e cada vez e mais perde espaço. Decidiu fazer como Saldanha e soltar uma bomba, no pior estilo “Pelé está cego” (Saldanha depois explicou que era um factóide e só disse aquilo para gerar mais notoriedade na sua saída, que foi um soco no estômago da ditadura). A história se repete como farsa, bater em Dilma, com certeza daria ibope.

Tem muita gente apoiando Quaquá pelos cantos, ressentido com o “identitarismo”. Volto a repetir o que sempre falo nas minhas lives. Existem 3 posições com relação às pautas identitárias. Uma, a liberal-foulcautiana, reduz à luta identitária a um pequeno nicho, microespaço que é a totalidade, e se perde a noção do inimigo principal e da luta central. Esta posição é endossada por todos os liberais, pelo Partido Democrata dos Estados Unidos, pela Rede Globo e até pelos setores de “responsabilidade social” das grandes empresas. Não à toa, tem muito socialista brasileiro que acha que a Luiza Trajano é campeã do socialismo. Ela apoia toda e qualquer privatização e a pauta neoliberal, mas defende as pautas identitárias. Para certos militantes da esquerda, que nunca foram socialistas, isto basta. São os sociais liberais, que tem a crença idiota que existem empresários “bonzinhos’. É compreensível que parte da esquerda se insurja contra esta visão e alerte sobre ela; 

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A segunda é a face sectária, da moeda negacionista, destas pautas. Reduz toda luta identitária a uma conspiração universal da CIA contra o socialismo. Para estes, a revolução é um momento escatológico, e a subida ao poder resolve todos os problemas. Acaba a homofobia, o machismo, o racismo. É uma visão quase mágica que reduz o marxismo a uma religião capaz de resolver todos os problemas da humanidade num único ato. Não à toa, é esposada por marxistas mecanicistas que tem sérias dificuldades com a dialética. 

Todavia, há uma terceira posição, dialética, que entende que a luta central é a econômica e contra o imperialismo, mas não, esta luta sozinha não basta, e se quisermos disputar corações e mentes, temos que concatenar todas as lutas, da juventude, das mulheres, dos negros, dos índios, dos LGBTS, demonstrando inclusive que não adianta lutar contra racismo, machismo, homofobia, sem destruir as estruturas patriarcais capitalistas que a suportam. É o entendimento de que o marxismo e o socialismo antes dialogam e podem organizar centralmente estas lutas, do que são antitetárias a ela. Não à toa, as filhas de Che Guevara e Raúl Castro são líderes da luta contra a homofobia em Cuba. Cuba conseguiu entender a importância destas lutas, tem muito apoiador da revolução cubana no Brasil que acha que estas lutas são “frescura”.

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Quaquá mandou uma garrafa ao mar, alguns a pegaram. Outros apenas cochicham e sussurram apoio, com medo de exporem abertamente suas posições. No fundo, creio que o ataque à Dilma foi muito mais uma tentativa, equivocada e desesperada, de recuperar espaço perdido dentro do PT. A falsa dicotomia entre luta feminista e luta das favelas, só serviu para isolá-lo ainda mais. Não ganhou espaço na luta das favelas e conseguiu insurgir as mulheres, da esquerda e da direita do PT, contra ele.

Mas, porque no título do artigo eu digo que Dilma foi à praia? Dilma me fez lembrar Leila Diniz. Altiva, basicamente ignorou os ataques. Foi defendida por Gleise Hoffman, e pelas mulheres dos partidos de esquerda e do PT, mas, no fundo, talvez tenha feito uma outra leitura, a de que Quaquá atira em Dilma para conseguir a atenção que antes tinha no partido por possuir a máquina. Já não a possui mais. E o ataque é como um tiro de festim contra uma fortaleza. Dilma pode ir à praia, porque saiu altiva do impeachment. Não fez concessões a corruptos, não foi acusada de participar de nenhum esquema criminoso. Com a tranquilidade e altivez que enfrentou os torturadores e silenciou Agripino Maia, nos lembrou Dimitrov, enfrentando com tranquilidade um Congresso de criminosos. Dilma acusou e não foi acusada. As únicas pedaladas que ela deu, foram as de bicicleta no Eixo Monumental. Não foi derrubada por seus equívocos políticos (sim, podemos discutir livremente equívocos de Dilma, assim como podemos discutir livremente equívocos de Lula, somos um partido, não uma seita), mas não foi por causa deles que foi derrubada, foi pelos seus acertos. Não foi derrubada por colocar Joaquim Levy no governo, foi derrubada por baixar os juros, dar pleno emprego e não fazer nenhuma concessão a corruptos que queriam lotear empresas no seu governo.

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Dilma é gigante, tão grande quanto Lula, Allende, João Goulart, Chávez ou Mujica. Por isto ignorou o artigo, viu as reações majoritariamente em sua defesa dentro do PT e nas redes sociais e saiu tamborilando um sambinha, qua-qua-ra-qua-quá quem riu, qua-qua-ra-qua-quá fui eu!

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