Putinismo, trumpismo e bolsonarismo
Além da ideologia nacionalista, Putin alimenta a ambição stalinista-czarista de restabelecer um grande império territorial eslavo, diz Aldo Fornazieri
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Putin é hoje o modelo ideal de líder e de governo da extrema-direita mundial. É o modelo invejado de Donald Trump, de Bolsonaro e de outros líderes como Victor Orban, Daniel Ortega, Nicolás Maduro, Marine Le Pen, o príncipe Mohamed Bin Salman e vários outros. Trump e Bolsonaro só não cometeram as atrocidades que Putin comete porque são contidos pelo que resta de democracia em seus países.
Todos esses tiranos têm vários pontos ideológicos comuns. De modo geral, professam valores machistas, homofóbicos e racistas. Hipócritas, usam Deus, a religião, o cristianismo, a família e pátria para ludibriar e manipular as pessoas, visando constituir posições de poder. No fundo, sua única ideologia é a ambição ilimitada de poder.
Não hesitam e não hesitariam se todos pudessem, em adotar as práticas de Putin: perseguir sindicatos e lideres sindicais, acabar com a liberdade de imprensa e mandar assassinar jornalistas, calar os opositores com envenenamentos e assassinatos, manipular a opinião pública com verdadeiras fábricas de fake News e teorias conspiratórias, manter governos corruptos e criminosos contra seus povos, enriquecer oligarquias mafiosas que servem de suporte a seus governos, organizar grupos paramilitares fascistas para dar suporte a operações secretas e a seus crimes internos e internacionais, no caso de Putin.
O jornal russo independente Novaya Gazeta, cujo editor-chefe Dimitry Muratov foi laureado com o Prêmio Nobel da Paz em 2021, já teve seis jornalistas assassinados sob o regime de Putin. O regime organizou e financia vários grupos fascistas paramilitares e mercenários a exemplo do Wagner Group, que comete crimes, roubos, estupros e assassinatos em várias partes do mundo a serviço do Kremlin.
Outra característica comum desses líderes e regimes de extrema-direita, e mais uma vez Putin é o modelo, consiste em atacar sistematicamente a democracia, o Estado de Direito, os direitos civis e de liberdade e os direitos sociais dos trabalhadores. Um dos principais pontos de ataque consiste em transformar as eleições numa farsa, visando se perpetuarem no poder. Seguindo Putin, Trump atacou a legitimidade das eleições americanas e tentou um golpe com as hordas supremacistas brancas ao mandar invadir o Capitólio. Bolsonaro segue rezando pela cartilha de Putin e de Trump, atacando o TSE, as urnas eletrônicas e a legitimidade das eleições.
Além da ideologia nacionalista e de extrema-direita, Putin alimenta a ambição stalinista-czarista de restabelecer um grande império territorial eslavo, mas no fundamental, um império moscovita. A elite moscovita é vê-se como aliada das potências ocidentais. A retórica eslavista é um mero expediente para expandir o domínio territorial. Para Putin e seus teóricos, os pequenos países eslavos não são nacionalidades, não têm vocações nacionais. Sequer a Ucrânia seria uma nação. Assim, o objetivo estratégico de longo prazo consistiria em unificar esses povos sob o mando do império moscovita.
As potências ocidentais foram coniventes e cúmplices com uma série de agressões e atrocidades cometidas por Putin. Ao invadir a Ucrânia, ele contava com uma complacência continuada. Contudo, a revolta das sociedades em face da brutal agressão ao povo da Ucrânia forçou que as sanções fossem adotadas. Mas nada muito além disso. Afinal de contas, a Europa e especialmente a Alemanha, são os principais financiadores da oligarquia russa e da máquina d morte de Putin. Enquanto os líderes ocidentais conversam nos salões seguros da Europa, o povo ucraniano é brutalmente massacrado por uma tormenta de fogo e ferro desencadeada pelo regime de Putin e seus oligarcas sedentos de riqueza. O que está sobrando da Ucrânia são milhões de refugiados, milhares de mortos e cidades reduzidas a escombros com cadáveres por todos os lados.
Mas num ponto fundamental Putin e os oligarcas já perderam essa guerra: não conseguiram ocupar a Ucrânia como Putin havia anunciado no discurso em que desencadeou a invasão. Mesmo que vença a batalha do Leste e consiga dividir a Ucrânia, Putin sairá derrotado. O resultado último de uma guerra é político e Putin perdeu politica e moralmente esta guerra mesmo que vença a referida batalha.
Putin perdeu também porque jogou contra os verdadeiros interesses da Rússia. Fortaleceu a OTAN e deu chance para que os Estados Unidos estacassem o declínio que vinham sofrendo. Além disso, ficou evidente que a China não implementa um pacto ilimitado com a Rússia, resguardando seus interesses nacionais em face de um regime belicista e internacionalmente irresponsável como é o regime moscovita.
O trumpismo e o bolsonarismo são variantes limitadas do putinismo. Não dispõem dos meios de poder que Putin controla. As condições históricas dos Estados Unidos e do Brasil não permitem que poderes ilimitados se viabilizem, ao menos por ora. São versões de políticos populistas e de um nacionalismo capenga. Usam e abusam da psicologia política para gerar afetos que disseminam o ódio como elementos mobilizadores de suas bases militantes. As mídias sociais são usadas em larga escala como máquinas de mentiras.
Um dos elementos comuns a essas direitas nacionais consistia no temor do declínio do Ocidente e dos valores da família e do cristianismo. Tanto o trumpismo quanto o bolsonarismo identificavam a China como a grande ameaça. Junto com a China a Globalização e a Ordem Mundial vigente, antinacional e dominada pelo marxismo cultural, pelas ONGs e pelas ideologias antifamília e antirreligiosas também são vistas como grande ameaça.
A guerra na Ucrânia provocou certo realinhamento da extrema-direita internacional e do próprio bolsonarismo. A China deixou de ser foco do ataque que agora se concentra contra a Ordem Mundial existente. Em face da suposta aliança ilimitada entre Rússia e China o que se diz em círculos da extrema-direita é que os dois países deixaram de ser comunistas e que pelo seu poderio militar e econômico são os dois únicos países que podem derrotar e mudar a Ordem Mundial vigente. O inimigo maior da extrema-direita, do putinismo, do trumpismo e do bolsonarismo passou a ser o próprio Ocidente, que hegemoniza esta Ordem Mundial. Trata-se de uma doutrina sem fundamento, mas que é mobilizada para tentar dar alguma coerência ideológica aos apoiadores. No fundo, trata-se de uma máscara enganosa para esconder a face autocrática e tirânica desses líderes e desses regimes.
A maioria esmagadora dos partidos socialistas, comunistas, operários e democratas de todo o mundo repudiam essa guerra, classificada como guerra imperialista. Os socialistas devem ser contra todas as guerras de agressão. A defesa da autodeterminação dos povos é um princípio irrenunciável dos socialistas e dos democratas. É preciso lutar pelo fim da política de império dos Estados Unidos, da Europa e da Rússia. É preciso exigir o fim da OTAN e da existência de armas nucleares. Estas são exigências que devem ser cobradas dos líderes partidários e dos líderes políticos dos países periféricos.
Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (Fespsp).
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