Praga, Havana e suas primaveras
O momento é de ouvir o povo, como afirma um grande líder popular: “o povo não é o problema, o povo é a solução”; para encontrar unidade e espaços de consenso esse é o caminho válido, pois, dividindo um país só se chega ao caos, é fundamental ouvir os insatisfeitos, expandir direitos políticos e sociais
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Meus primos Walter e Mauro, a quem amo como irmãos, afirmam-se de direita e eleitores do primata que despacha no Planalto, uma tristeza. E eles estão assanhados, tudo em razão da eclosão das manifestações em Cuba.
Esqueceram que, na ausência dos mais velhos Hildebrando, Francisco e Ubiratan, eu sou seu líder pro tempore; o comportamento deles caracteriza insubmissão e poderá ensejar providência da comissão de ética da família.
Walter é engenheiro e Mauro empresário, mas se convolaram em cientistas sociais “altamente especializados” em política internacional, especialmente a caribenha. Sugeri a eles: “vão estudar”, era o que minha mãe nos dizia quando não sabíamos “a matéria”; mas não adiantou (talvez tenha faltado o tom amoroso que minha mãe usa, até hoje, para nos chamar atenção).
Indiquei a leitura de um texto assinado pelo professor cubano Júlio Cesar Guanche, da Universidade de Havana e doutorando no Equador, segundo ele: “Só a política fará acordar o amanhã”, e não os memes, fake News, correntes de desinformação, discussões rasas e vazias que apenas reproduzem preconceitos. O artigo sustenta que “não é possível naturalizar bloqueio dos EUA contra à ilha. Mas é irresponsável tachar os que protestam de ‘mercenários’ – ou resolver divergências por meios policiais. Saídas estão na política e ampliação dos direitos”.
Mas meus primos me desobedeceram, seguiram enviando textões apócrifos, vídeos de discutível idoneidade e, para embaralhar ainda mais o assunto começaram a comparar Cuba com a Venezuela e perguntar “e o PT? E o PT? E o Lula?”; a atração deles pelo PT e pelo Lula talvez possa ser explicada pela teoria da sexualidade do Freud.
Eles desconsideram que não se trata apenas "esquerda versus direita"; há gente de esquerda e de direita na oposição nesses países, esse campo que deve nos interessar, para melhor compreensão.
Em relação a Venezuela, é necessário dizer que lá há fatos que nenhum de nós admite por aqui, tanto que quando governos praticam ou incentivam atos contra a democracia, ameaçam eleições, desrespeitam jornalistas, desqualificam e tentam deslegitimar o Congresso e o STF, nos opomos e denunciamos. Aliás, qualquer ataque à liberdade, apoio ao autoritarismo, apoio à tortura, militarização da sociedade, repressão, ataques à liberdade de imprensa, presos políticos, tentativas de fechar o congresso, proscrever opositores, estimular milícias armadas (algo que o inquilino do Alvorada busca através da liberalização das armas), tiros nas ruas e jovens negros mortos, merece radical oposição dos democratas.
Como escreveu o então Deputado Federal Jean Wyllys sobre a Venezuela “A esquerda que eu quero e na qual milito não precisa de gás lacrimogêneo, prisão de dissidentes, repressão aos estudantes e canais de notícias cortados para governar. A esquerda que eu quero não persegue, não discrimina, não militariza as ruas, não atira contra os manifestantes nas praças. A esquerda que eu quero é democrática, defende a participação popular, escuta, dialoga com a população, respeita a crítica e a divergência, garante as mais amplas liberdades civis, a liberdade de imprensa e de manifestação e defende os direitos humanos.”.
A verdade é que onde há polarização não há apenas "mocinhos" e "bandidos", pois, as interações sociais e institucionais são complexas, mobilizam interesses políticos, econômicos e paixões.
Em Cuba há urgência na ampliação de direitos, é verdade, mas a questão econômica é grave também. Não sou ingênuo a ponto de negar a possibilidade de financiamento externo às manifestações, mas acredito ser possível que o movimento dos cubanos é genuíno; acredito também que as crises: econômica, demográfica, de cuidados, pandêmica, e o agravamento da política dos EUA contra Cuba, estão contidas no movimento.
Estaria a Ilha vivendo uma outra “primavera”? A expressão é referência à Primavera de Praga, período de liberalização política na Tchecoslováquia, que durou menos de oito meses, pois, a União Soviética e membros do Pacto de Varsóvia invadiram o país para interromper as reformas.
A Revolução Cubana liderada por Fidel Castro, uma das figuras mais carismáticas e controvertidas do século XX, culminou com a destituição do ditador Fulgêncio Batista, corrupto e vassalo dos interesses privados internacionais, que abandonou o povo cubano à sua própria sorte.
A destituição de Batista, um ditador assassino, deveria ter sido aplaudida por todos os democratas do mundo, mas não foi assim E se em 1968 a Primavera de Praga foi frustrada pela União Soviética; em 1959 à “primavera de Havana” faltou apoio de países democratas à revolução, afinal depôs um ditador; e a falta de apoio, em tempos de guerra fria, acabou empurrando Havana para os braços da URSS.
A “primavera cubana” de 1959 nunca escondeu seu caráter anticapitalista, mas o movimento buscava implantar a democracia popular na Ilha, a implantação de políticas públicas de viés social, notadamente alfabetização e acesso a saúde universal, produzir riqueza e distribui-la de forma justa e igualitária. O alinhamento à União Soviética não era objetivo inicial.
Certamente o Professor Lejeune Mirhan poderá realizar análise mais qualificada, contudo me arrisco a dizer que os que protestam não negam os valores da revolução de 1959, nem deixam de condenar o bloqueio econômico norte-americano, que vai completar sessenta anos, mas me parece honesto reconhecer as dificuldades reais vividas pelo povo cubano, e a insatisfação popular. Ademais, sessenta e dois anos depois o povo cubano não precisa mais da tutela do partido.
O momento é de ouvir o povo, como afirma um grande líder popular: “o povo não é o problema, o povo é a solução”; para encontrar unidade e espaços de consenso esse é o caminho válido, pois, dividindo um país só se chega ao caos, é fundamental ouvir os insatisfeitos, expandir direitos políticos e sociais.
Quanto a meus primos, os coloquei de castigo, e só poderão falar comigo quando trouxeram um resumo do texto de Júlio Cesar Guanche.
São as reflexões de hoje.
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