Protesto é uma coisa, resistência é outra

As trajetórias de luta dos povos por independência, liberdade, democracia e soberania ao longo da história estão repletas de enfrentamentos deste tipo. No caso do Brasil, é bom assinalar, isso não pode e nem deve ser confundido com discussão sobre recurso à luta armada, o que seria uma total insanidade

(Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)


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“Para que a gente seja capaz de impedir que esse governo destrua o país, a gente tem que ser capaz de passar do protesto à resistência de fato." O alerta é do cientista político Luis Felipe Miguel, em recente entrevista ao site Carta Maior.

O professor da UNB arremata: “Ela não é uma pensadora muito recomendada, porque foi líder de um grupo terrorista, mas a Ulrike Meinhof tem um textinho chamado ‘Protestar ou resistir’. Ela fala que tem um momento em que você tem que passar do protesto, que é simplesmente a verbalização de uma inconformidade, e chegar à resistência, que é a busca do impedimento de que aquilo aconteça. Estamos protestando contra as intervenções nas universidades, mas não estamos resistindo contra as intervenções nas universidades.”

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Penso que Luis Felipe Miguel tocou em um ponto crucial para a oposição de esquerda ao bolsonarismo e democratas em geral. Melhor ainda, sem apresentar fórmulas prontas para a superação do problema, a não ser a defesa difusa de outras formas de mobilização, voltadas para o trabalho de base e para a “organização densa no cotidiano.”

Penso ser conveniente esclarecer que, na minha visão, resistência está associada à adoção de ações, táticas e estratégias radicalizadas de luta, tais como ocupações de espaços públicos, greves, ações de desobediência civil, etc. As trajetórias de luta dos povos por independência, liberdade, democracia e soberania ao longo da história estão repletas de enfrentamentos deste tipo. No caso do Brasil, é bom assinalar, isso não pode e nem deve ser confundido com discussão sobre recurso à luta armada, o que seria uma total insanidade. 

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Basta um olhar retrospectivo, porém, para as inúmeras passeatas e comícios de protesto contra o golpe de 2016, a reforma trabalhista de Temer e sua tentativa de reformar a previdência, a terceirização irrestrita, o congelamento dos gastos sociais, e agora, no governo Bolsonaro, outra vez a reforma da previdência, os ataques à educação e a entrega do patrimônio público, para concluirmos que é preciso dar alguns passos adiante em termos de alternativas de mobilização e enfrentamento.

Abre parênteses: essas manifestações, embora tenham levado multidões às ruas, e tenham cumprido papel político importante, não lograram atrair a classe trabalhadora e o povão, mas sim a vanguarda social e política do país, além de estratos da classe média progressista.Fecha parênteses. 

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O busílis da questão está em como passar da fase do protesto para a resistência. Isso se daria com que recursos humanos e materiais? O atual estágio de consciência política do povo permite esse salto de qualidade e a capilarização da radicalização democrática?

De pronto, eu responderia negativamente a essas perguntas. No entanto, é mais do que urgente que os coletivos, os movimentos sindical e social, a mídia contra-hegemônica e os partidos de esquerda atuem para mudar o quadro atual de letargia e comecem, pelo menos comecem, a pavimentar esse caminho, com a perspectiva de que um dia esse objetivo seja atingido.

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Isso de forma alguma significa não reconhecer como essenciais os grandes protestos nacionais pela educação, as greves gerais que as centrais sindicais convocaram em 2017 e 2019, as mobilizações de mulheres, negros e LGBTs para manter direitos civilizatórios, a luta para barrar o rolo compressor privatizante do governo fascista, dentre tantos outros embates que sociedade tem travado para resgatar a democracia e a soberania. Trata-se apenas da constatação de que essa tática está aquém da gravidade do momento.

A realidade é dura. Em crise, os sindicatos fazem das tripas coração para sobreviver, depois que sua principal fonte de financiamento foi cortada. Já os partidos do campo democrático e popular encontram sérios obstáculos para falar aos corações e mentes de um povo em geral desiludido e contaminado pela desinformação do oligopólio da mídia.  

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Dez entre dez militantes apontam a organização popular como a panaceia para os males da esquerda. Mas o mundo e a sociedade mudaram. Nos anos 80, 90 e 2000 os habitantes das favelas e bairros periféricos se organizavam nos movimentos de luta contra a carestia, a falta de água, de luz, de transporte. Mas, hoje, será que esse cidadão valoriza este tipo de organização? Como disputar com a pregação diuturna das igrejas neopentecostais? Como fazer o jovem pensar coletivamente em uma sociedade egoísta e individualista?

Desafios para ninguém botar defeito.

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