Falácias sobre o Orçamento Público: Porque Retirar a Educação do Arcabouço Fiscal
Nos próximos dias a Câmara dos Deputados deve votar as alterações feitas pelo senado federal no PLP 93/2023, também conhecido como Arcabouço Fiscal
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Em meio a uma série de notícias que despertam maior interesse de cobertura por parte da mídia tradicional, como as viagens bem sucedidas do presidente Lula ao exterior, a inelegibilidade do ex-presidente ou os embates em torno da reforma tributária, a Câmara dos Deputados deve votar nos próximos dias as alterações feitas pelo senado federal no PLP 93/2023, também conhecido como Arcabouço Fiscal.
Após muita pressão por parte de centenas de entidades ligadas as mais diferentes áreas de atuação, o relator, senador Omar Aziz, acolheu 19 emendas ou mudanças no projeto original do arcabouço fiscal que havia sido aprovado pela Câmara dos Deputados. Dentre estas alterações, duas chamam a nossa atenção, por sinalizarem perfeitamente o projeto de sociedade e país que queremos para os próximos anos, a retirada do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e das áreas da Ciência, Tecnologia e Inovação do limite de gastos do governo federal.
Antes de abordar as questões pelas quais considero imprescindível a retirada do Fundeb do limite de gastos do governo federal, creio ser fundamental a compreensão do que é o arcabouço fiscal e a desmistificação de duas falácias bastante recorrentes quando o assunto é o gasto público, em especial, o gasto público com a educação. Arcabouço fiscal, regime fiscal sustentável ou teto de gastos são formas mais amenas de nomear um velho conhecido dos brasileiros e das brasileiras, o corte de gastos do governo federal. Por meio deste mecanismo, a presidência da república fica impedida de realizar desembolsos ou gastos acima de um determinado limite, quando não cumprir as metas fiscais previamente determinadas. Em outras palavras, com a aprovação do arcabouço fiscal, inúmeras políticas públicas desenvolvidas e mantidas pelo governo federal correm o risco de serem paralisadas, descontinuadas e até mesmo extintas. É importante destacar que, quase sempre, quando se trata do corte de gastos da união, em especial dos gastos com políticas públicas, estamos falando na restrição das políticas sociais, como são o caso da educação, saúde, moradia, alimentação, transporte, trabalho, segurança, dentre outras. Assim, o que inicialmente pode parecer uma excelente iniciativa, isto é, impor limites para os gastos desordenados do governo federal, pode representar em curtíssimo prazo um grande retrocesso humanitário, em especial, para as parcelas mais pobres e vulneráveis da população e que são as mais dependentes das políticas sociais. Mas, é sempre bom destacar, não são apenas os mais pobres e vulneráveis que dependem das políticas sociais, muitas pessoas pertencentes às classes médias são atendidas por políticas públicas, como por exemplo, os estudantes das escolas e universidades das redes federal, estadual e municipal de ensino ou os pacientes que realizam tratamentos nos hospitais universitários.
Após esta brevíssima explicação sobre o que é o arcabouço fiscal e as possíveis consequências da sua aprovação, apresento o que considero serem duas falácias frequentemente repetidas quando o assunto é o orçamento público e a educação. A primeira falácia é a comparação do orçamento público federal com o orçamento doméstico, como se o Estado, diferentemente de alguém que seja responsável por gerir as contas de uma casa, não tivesse à disposição inúmeros mecanismos legais para controlar a situação fiscal, sem que seja necessário cortar as políticas públicas e os programas sociais dos mais pobres e vulneráveis. Um exemplo disso, é a situação de algumas das maiores economias do planeta, que possuem uma dívida pública que ultrapassa em muito a brasileira. A Inglaterra, por exemplo, possui uma dívida pública que equivale a 293% do seu PIB, no Japão, este percentual é de 266%, nos EUA 123,4% e no Brasil é de 81,8%. E não estou afirmando que os países podem gastar indiscriminadamente, mas sim, que é plenamente possível conjugar uma gestão responsável dos recursos públicos, com a manutenção e ampliação dos investimentos em políticas públicas e programas sociais.
A segunda falácia que eu me referi é aquela que afirma que não falta dinheiro, mas sim gestão para a educação pública. Para as pessoas que repetem estas palavras como se fosse um mantra, eu gostaria de fazer um convite, visitem algumas das 8.100 escolas brasileiras que não têm acesso a água encanada, podem escolher também uma das 5.200 escolas que não possuí banheiro ou ainda uma das 3.400 escolas que não possuí energia elétrica. Isso sem falar das milhares de escolas que não possuem quadras poliesportivas, laboratórios ou mesas e cadeiras para os estudantes utilizarem. Nunca é demais lembrar que a maioria dos 5.568 municípios do país possuí somente uma única escola para atender as crianças, jovens e adultos que residem nessas localidades. Nessas escolas, falta sim dinheiro e muitas vezes sobra gestão para lidar com a falta de orçamento público.
Hoje, o Fundeb é responsável por aproximadamente 60% dos recursos públicos que muitos estados e municípios dispõe para a educação, destes recursos dependem a remuneração dos profissionais da educação, a alimentação escolar e o PNLD. Sobre a alimentação ou merenda escolar é importante destacar que esta é a única refeição que milhares de crianças, jovens e adultos fazem no dia. Já o PNLD, que propicia o acesso de famílias inteiras ao universo dos livros, que serão, em muitos casos os únicos que estas pessoas terão acesso em toda a sua vida.
Estes são apenas alguns dos motivos para nos mobilizarmos pela manutenção do Fundeb fora do arcabouço fiscal. Vencida esta etapa, temos de nos engajar na luta pelo aumento de recursos públicos para a educação e que estes recursos sejam destinados exclusivamente para a educação pública. Como dito anteriormente, esta manutenção representa o modelo societário que queremos para o nosso presente e também para o futuro.
Por fim, com a manutenção do Fundeb no arcabouço fiscal é possível que a única política social pública que seja mantida é a compra de Kits de Robótica, para escolas sem acesso à internet ou laboratórios de informática, ou ainda, o financiamento de projetos em prefeituras sem capacidade de execução em troca de barras de ouro, mas aí é outra estória.
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