“Professor, escreva sobre as nossas aulas”
Estudar Direito é antes de tudo conhecer o potencial transformador e revolucionário da sociedade, das ações sociais, através da qual se busca igualdade
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Fomos à missa da Igreja Menino Jesus de Praga, a ocasião era de tristeza e exercício necessário da amizade; estávamos lá para prestar solidariedade a amigos que perderam o filho prematuramente; guardo as mais fraternas lembranças do menino bonito, correndo e liderando a defesa de um time de garotos lá na Hípica, estávamos no verão de 1994 e ele tinha oito ou nove anos. Me recordo de todos os meninos daquele time, eles foram vice-campeões, tanto do Torneio Início, quando do Campeonato; hoje eles são adultos, muitos casados, alguns tem filhos, são graduados, pós-graduados e seguem, para alegria da minha alma, me chamando de “tio”.
Finda a missa, emocionados abraçamos os amigos e seguimos para o carro, mas como chovia muito ficamos alguns minutos esperando que a chuva se transformasse num chuvisco; durante essa espera um rapaz aproximou-se de nós - estava com uma criança pequena no colo, ao seu lado uma moça de mãos dadas com outra criança – ele sorriu e me cumprimentou carinhosamente, ele disse: “-Professor, que alegria vê-lo, mesmo nesse momento...”, lembrei dele imediatamente.
Fui seu professor na graduação, Direito Comercial na UNIP, o reencontrei na Pós-graduação em Direito Empresarial na Metrocamp; ele nos apresentou a esposa e os filhos, falou da sua felicidade com o casamento e com a vida profissional, conversamos alguns poucos minutos; nos despedimos, ganhei um abraço de genuíno afeto e ele me pediu: “-Professor, escreva sobre as nossas aulas...”; perguntei qual era o assunto; e ele, para minha surpresa, pediu que eu escrevesse sobre o que eu falava “-...nos últimos dez minutos da sexta-feira”.
Me emocionei, pois, apesar da resistência e censura da coordenação do curso, os minutos finais da última aula das sextas-feiras eram dedicados a reflexões sobre: o Direito e o ideal de Justiça, esse nem sempre é alcançado pela estrutura do Poder Judiciário; era comum que, além dos alunos da classe, alunos de outras turmas participassem.
Então naquele momento, de fronte à Igreja do Menino Jesus de Praga, decidi escrever essa história para homenagear o filho dos nossos amigos, bem como lançar mais algumas sementes da necessária inquietação.
Acredito que o centro de gravidade do desenvolvimento jurídico não está propriamente na legislação, na ciência do direito ou na jurisprudência, mas na sociedade, pois a opõe criativamente a ação humana e as estruturas sociais.
Acredito que as estruturas e instituições são artefatos humanos e cabe ao Direito harmonizar a tensão acima referida e compatibilizar diversidade e unidade, que em tempos de grandes tensões não é fácil.
Acredito que sociedade transforma-se mais rapidamente do que o Direito, por isso a interpretação dada pelos tribunais a fatos e atos humanos é tão importante, desde que tendo como limite a constituição e os princípios informadores. Os advogados são capazes de reconhecer as mudanças e novas demandas da sociedade e o Judiciário, atentos à realidade, evita rupturas institucionais e indica as reformas sistêmicas necessárias.
Há quem acredite que sejamos apenas o que representamos na estrutura econômica e que as estruturas sociais são limitadores da ação humana ou que, simplesmente, as estruturas se reproduzem infinitamente; eu acredito que há um importante espaço de atuação para o Direito e para os estudantes de Direito romper com essas crenças.
A confirmar essa afirmação exemplifico: a ação humana pode transformar as estruturas quando não reconhece a legitimidade das próprias estruturas de poder. Por quê? Porque a sociedade é movimento, é o conjunto de relações e interações sociais e ações e o exercício da nossa cidadania ocorre através do exercício comunicativo da liberdade, através da Política.
Por isso tudo acredito que durante o processo de preparação do aspirante aos nossos círculos é necessário trazer à tona a sua consciência crítica, porque um profissional do Direito não é um mero técnico, ele é um intelectual com a incumbência primeira e fundamental de atuar na sociedade, para ao conhecê-la, levar a ela o inconformismo da necessária mudança.
Para professores conservadores as normas do direito positivo — mesmo admitindo a existência de fontes secundárias— têm alcance de dogmas indiscutíveis dos quais não podemos fugir — mas isso não é verdade; quem acredito nisso crê numa grande ficção, esses juristas querem que a dogmática jurídica seja realidade, e eles usam a lógica formal e o raciocínio dedutivo para nos convencer disso, eles estão errados, pois, estudar Direito não é apenas estudar a legislação e a jurisprudência, estudar Direito é conhecer e compreender a sociedade, suas estruturas, instituições, suas ações criativas e criadoras, os conflitos, suas causas e efeitos.
Quem está às voltas com o ensino jurídico deve romper as amarras e pensar livremente, romper com as limitações do conservadorismo, da irracionalidade reducionista, passional, tradicionalista e com a servidão às necessidades do mercado.
Estudar Direito é antes de tudo conhecer o potencial transformador e revolucionário da sociedade, das ações sociais, através da qual se busca igualdade e bem-estar social; estudar Direito é conhecer o processo de formalização da igualdade através da sociedade, que o Direito deve expressar.
Por isso, a meu juízo, aos professores não basta agir como “mestres amestrados e amestradores”, que exaltam a tradição da ciência dogmática do Direito, nossa tarefa trabalhar muito e legar à sociedade: estudantes autênticos, advogados progressistas, juízes de toga democrática e professores de têmpera crítica e inconformista, pois para estudar e ensinar Direito é necessário ser revolucionário.
Essas são as reflexões.
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