Processo e estratégias do Rentismo e do Centrão no cerco ao provável governo Lula
"Com a aliança om o Centrão, esse setor financeiro-rentista procura avançar em novos marcos legais que possa emparedar e controlar o futuro governo Lula"
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Por Roberto Moraes
Resumo
A avaliação dos conflitos de interesses em disputa num processo eleitoral pode ser realizado em várias dimensões e enfoques. Os interesses econômicos em conflito no Brasil em 2022, são mais que nunca os que se dão entre o andar de cima da elite financeiro-rentista e a base da pirâmide social. Aí sim, uma polarização, com recortes de classe, num nível e intensidade de desigualdades ainda não vivenciado no país, hoje, tão densamente povoado e complexo. Uma disputa que põe de uma lado a ameaça do avanço do autoritarismo com claros sinais de fascismo e de politização crescente das Forças Armadas, e em lado diametralmente oposto, a maioria da população, empobrecida com dezenas de milhões de brasileiros, vítimas da fome, do desamparo e do desemprego. No plano global assiste-se ao fim de uma era de hegemonia industrial com o avanço da digitalização e a um fluxo desregulado e transfronteiriço do capital, somados a um tenebroso período de Pandemia, guerra e conflitos entre grandes nações, estagnação econômica, inflação, alteração de fluxos comercias e financeiros e disputa por uma nova ordem global. É no interior dessas complexas transformações estruturais e de sistemas a nível global e nacional que a disputa pelo poder político no Brasil acontece. É um contexto de complexa análise, mas que versa sobre a hegemonia rentista-financeira e sobre o tipo de capitalismo que impera no Brasil, onde se vê uma ampliação da ingerência do poder econômico sobre o poder político. Processo que ganhou novos contornos a partir do golpe político-jurídico-parlamentar-midiático de 2016 e teve no documento “Ponte para o futuro”, o passaporte através do qual, a elite-financeira-rentista, constituiu aliança política do período Temer, pressionou pela prisão de Lula, impedimento sua participação no pleito de 2018 e que redundou na eleição de Bolsonaro. Nos três anos e meio de mandato de Bolsonaro vivemos e sofremos a intensificação da crise econômica, a pandemia, o desemprego, o desmonte institucional e das políticas públicas, paradoxalmente acompanhada de altos ganhos rentistas do andar de cima, como reflexo do aumentos das taxas de lucro, índices da Bolsa, mais rendimentos financeiros colossais e isentos de tributação. Neste breve artigo se buscou um método com eixo de análise centrado no processo de crescente financeirização da economia para maior extração de renda da base de nossa pirâmide social, observando os agentes mais simbólicos dessa mudança (em especial o BTG Pactual), seus movimentos e objetivos. O texto é uma contribuição que pontua questões relativas às estratégias mais gerais dessa elite econômico-financeira e busca interpretar como essa fração de classe se posta diante da disputa pelo poder político no Brasil. Identifica-se que os interesses mais específicos desse setor é o de avançar ainda mais nas transferências das estatalidades para o setor privado; e junto a isso, ampliar as garantias através de mais amplo arcabouço legal que mantenham as proporções de ganhos obtidos desde então. Reafirmando a hegemonia do mercado e a lógica financeiro-rentista sob a governança implantada de um capitalismo de gestão de ativos. Com a aliança formada com o Centrão no Congresso Nacional, esse setor financeiro-rentista procura ainda, avançar em novos marcos legais que possa emparedar, cercar e controlar o provável e futuro governo Lula.
1. Introdução
As várias pesquisas de intenção de votos (publicizadas ou não) trazem à tona a possibilidade concreta de eleição em outubro, já no primeiro turno, do ex-presidente Lula. O fato vem detonando um processo de aceleração, por parte da elite financeira-rentista que atua no Brasil, no avanço sobre as estatalidades da União, visando não apenas capturar e vampirizar, mas sobretudo delimitar e controlar um futuro governo do Lula.
A elite econômica de países periféricos são cada vez mais financeiro-rentistas do que produtivas e vinculadas a uma lógica global do capitalismo da gestão de ativos, interligada numa rede global das finanças e muito pouco à economia real e produtivas nacionais.
Para se entender esse processo penso que é necessário ir à estrutura e raiz de pressupostos que explicam esses movimentos. Neste percurso, há que se avaliar o contexto atual, em que as relações Estado-sociedade estão em grande velocidade se alterando com o Estado sendo deslocado e perdendo o protagonismo para o Mercado.
O capitalismo sob a hegemonia financeira avançou na captura do poder político no Brasil de forma similar ao que faz em outras partes do mundo. Esse é contexto de análise que aqui se reflete (pensa alto), sobre como essa “elite financeira-rentista” se articula para garantir seus interesses no processo eleitoral e de disputa do poder no Brasil. [1]
No plano global e do sistema, estamos assistindo a saindo de uma “era de hegemonia industrial” para um capitalismo baseado no tripé da reestruturação produtiva/digitalização – financeirização – neoliberalismo. Nesse tripé se desenvolve um circuito financeiro que convive com a alteração do Modo de Produção Capitalista (MPC).
O antigo circuito financeiro fazia a intermediação entre a produção e o consumo; hoje esse capital circula nas plataformas digitais e os excedentes das famílias e das empresas não ficam apenas nos bancos tradicionais, passaram para um circuito mais amplo do rentismo, dos derivativos, dos fundos e outras inovações financeiras, tudo passando pelo mercado de capitais.
Hoje, o Brasil hoje e sua elite econômica são muito diferentes daquela de duas décadas atrás em 2002, muito mais rentista e que vai bem para além do tradicional setor bancário da avenida Paulista. A mudança para a Faria Lima talvez tenha trazido junto um simbolismo que mostra alterações que significam também o aumento da complexidade da nossa realidade. O rentismo passou a atravessar, de forma mais expressiva e densa, todos os demais setores da economia e da sociedade. O setor produtivo não reclama mais permanentemente dos juros (como fazia José de Alencar), porque passou a participar desse processo, em que os ganhos da produção estão entremeados aos ganhos financeiro-rentistas na contabilidade geral e final de seus negócios.
2. Linhas de ação da elite financeira-rentista no comando da política e do poder no Brasil
Uma breve avaliação (de médio prazo) do pós-golpe de 2015/2016 no Brasil, permite identificar um conjunto de pelo menos 6 (seis) grandes linhas de ação que explica as direções e a velocidade do processo de ampliação do rentismo no país, que ampliou a hegemonia financeira e reduziu o papel dos ativos produtivos e da economia real no Brasil:
1) A Ponte para o futuro como marco da entrada (passaporte) reforça a evidência da entrada da elite econômica na disputa do poder e da política em defesa do golpe, logo após a eleição de 2014;
2) Primeiras medidas implementadas deste documento são a independência do BC, o teto de gastos (EC 95/2016) e a PPI (Programa de Paridade dos Preços) dos combustíveis;
3) Política de desindustrialização e valorização da exportações de commodities (minerais e agronegócios) comandadas cada vez mais por corporações controladas pelo enlace entre grandes fundos globais e nacionais;
4) Mercado financeiro recebe incentivos para ampliar sua sofisticado com inovações e maior agilidade a partir do uso intensivo das plataformas digitais, internet banking, APPs das fintechs, etc. E ainda do mercado futuro com derivativos e debêntures, oriundas mais do mercado de capitais do que de bancos públicos e BNDES. A articulação rentista foi passando a ter peso em todos os setores com novas e criativas fórmulas para extrair valor da economia real e do trabalho. Mercado de capitais passou ter papel mais dinâmico na economia brasileira, dentro de uma lógica acionária que se torna responsável por novas formas de governança empresarial, baseada, especialmente na Gestão de Ativos;
5) Avanço do Mercado na captura das “estatalidades” através do processo de privatizações, encaminhadas de diferentes formas: capitalização, leilão de concessões, venda e transferência de ações do setor público para o privado, etc. feitas por setor (energia, petróleo, gás, eletricidade, pipelines, rodovias, ferrovias, portos, saneamento, etc.) A maioria sendo realizada a partir de fatiamento da holding e vendas das partes ou das subsidiárias.
6) Marcos legais (como a Ponte do futuro e outros) servem para garantir (ainda mais), o aumento das taxas de lucro dos ativos vinculados à produção material como nos casos da reforma trabalhista, previdenciária, etc. E ainda, a garantia que os rendimentos dos ativos financeiros continuem isentos. Isso ampliou as margens de lucro de todos os setores, independentemente de onde atuam majoritariamente. Todos são atravessados pela renda financeirizada e desregulada com ganhos ampliados com altos lucros e dividendos isentos.
7) Políticas setoriais foram deixando de fazer parte do planejamento do Estado que foi sendo desmantelado e colocado a serviço do setor financeiro-rentista. Paulatinamente, esses setores da economia passaram a ser objetos do desenvolvimento de ações que visam o interesse direto do mercado em suas várias frações. Assim, foram se desenhando os projetos, apresentados aos gestores governamentais para facilitar licenciamento, obter isenções (argumento da geração de empregos e desenvolvimento regional) para serem colocados em prateleira (projeto-prateleira) para captura de investidores e fundos. Eventuais entraves legais (chamados de burocracia) são resolvidos com os gestores do Estado, tendo os governos estaduais como despachantes desses interesses junto à União e ao Congresso Nacional.
Com essas principais ações, foi se configurando um enorme conjunto de as alterações nas relações Estado-Mercado-Sociedade no Brasil pós-golpe.
3. Aliança entre setor financeiro-rentista e o Centrão operam a captura do Estado no Brasil
A partir do contexto e da estrutura exposta acima é possível avançar na análise sobre as bases em que se desenhou e se desenrola a aliança entre sistema financeiro, militares (generais) e o Centrão, compondo o que chamo de Arenão, que hoje amplia as articulações para delimitar (cerca e tentar controlar), o futuro governo Lula, candidato favorito, segundo todas as grandes pesquisas de opinião.
Nesse contexto é muito possível que boa parte dos interesses dessa elite econômica já estejam precificados (usando o conhecido jargão do mercado), para o caso da vitória do Lula. Assim, usam a mídia corporativa para construir e pressionar para que o PT e seus aliados definam nomes e projetos. O objetivo desse setor é “construir cercas” sobre o que não admitem (alegando rompimento de contratos) e aquilo que podem admitir negociação. Assim, a estratégia hoje em curso é a de “jogar a cerca mais para dentro do campo que consideram adversário”, para buscar adiante, negociações de um meio termo – um recuo da cerca, mas ainda mais próximo do campo e dos interesses do mercado e de suas frações. O caso da imposição do orçamento secreto liderado pelo Centrão a partir de 2023 é apenas um dos muitos exemplos deste objetivo de cercar o provável novo governo Lula-3.
Penso que este setor financeiro-rentista ainda não considera perdida a eleição para Lula. Eles, já desistiram de pensar as chances para uma terceira via e seguem preferindo, em sua maioria, o Bolsonaro. Não morre de amores pelo governo militar, gostam e valorizam o papel que faz o Centrão, encaminhando seus interesses legais, até porque a troca vai com vantagens do Orçamento Secreto e não de suas contas. Usando outro jargão do mercado e que passaram a adotar em profusão, Bolsonaro e Guedes “entregam a maior parte do que o setor econômico-financeiro deseja”: maiores margens de lucro na economia real e produtiva e a não taxação e regulação dos ganhos rentistas-financeiros. Não por acaso Guedes segue indicando o seu time todo oriundo do setor financeiro para direções da Petrobras, CEF, etc.
Esse é o butim, como diz o meu amigo, o professor Eduardo Costa Pinto ao falar dos interesses do “bloco no poder”. Esse é o butim, o saque. Hoje querem ainda um pouco mais, até para poder adiante, se for o caso, abrir mão de alguma parte, mas nunca de tudo que conseguiram no pós-golpe. O “bloco no poder” trabalha para avançar ainda mais nos próximos seis meses, adentrando a cerca sobre o terreno do adversário, objetivando entrar em melhores condições, nas negociações futuras, de um possível “novo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social” do eventual governo Lula-3.
4. BTG é símbolo do rentismo e da mudança da Paulista para a Faria Lima no lugar da FIESP
A avaliação dos conflitos de interesses em disputa num processo eleitoral pode ser realizado em várias dimensões e enfoques. Porém, é interessante que mesmo que em análise breve, se busque algum método. Penso que assim, se pode lançar mão de um método da investigação científica com potencial para aprofundar análises econômico-políticas. Nesse sentido, é importante buscar identificar alguns agentes envolvidos nesse processo, seus objetivos e seus movimentos, para a partir daí interpretar seus interesses e suas estratégias.
Assim, buscando aprofundar um pouco mais a leitura sobre esse setor, considero que no Brasil, o caso do BTG Pactual talvez, seja um dos símbolos dessa mudança para a Faria Lima. Um dos principais agentes do “bloco no poder”, os donos dos dinheiros. Não mais e apenas como financistas-rentistas, mas como donos de investimentos, tanto de ativos da economia real (que passaram a controlar), quanto dos ativos e inovações financeiras.
Assim, observando a leitura e o movimento de alguns de agentes deste setor, avalio que é oportuno resgatar duas exposições do André Esteves, dono (controlador) do BTG Pactual. Falas ou exposições que se revestem de significados e símbolos: a 1ª e mais importante é um áudio de outubro de 2021, quando Esteves falava numa reunião para investidores e trainers de seu negócio financeiro. A 2ª foi na última 6ª feira (24/06), numa pequena entrevista no Valor, sobre a hipótese da total privatização da Petrobras. [2]
O áudio de outubro de 2021 é esclarecedor para o que aqui pretendemos. A “fala solta e à vontade” do Esteves, exposta naquele áudio, permite uma série de leituras em várias dimensões e profundidade. Nele, Esteves emite opiniões dele (e também do que seria a do setor financeiro da Faria Lima) sobre a pauta política no Brasil, sobre as eleições de 2022, sobre os candidatos e suas preferências. E ainda sobre como este setor já intervém sobre o poder político, o poder judiciário, a mídia, etc. no Brasil atual.
O banqueiro André Esteves fala como quem tem autoridade e muito poder e também expõe claramente a autoridade que conquistou junto e sobre o poder político, tanto o Executivo quanto o Legislativo. As pesquisas frequentes (quanti e qualitativas, ex. BTG/FSB, a maior agência de publicidade do país que trabalha basicamente em contas de governo) que o BTG banca – e que custam muito dinheiro – e foi se tornando uma referência sobre como esse setor passou a jogar o “jogo do poder”. Esteves deixa claro que hoje a Faria Lima tem maior interlocução com o Centrão de Arthur Lira, do que antes com os tucanos, que atuavam, basicamente, como os intermediários entre o mundo das finanças da avenida Paulista e o poder político central em Brasília.
5. Esteves, o farialimer do Inside Job Tupiniquim
Em outras passagens, a exposição do dono do BTG, André Esteves deixa evidente o modus operandi do setor financeiro no Brasil atual, ao afirmar que “o Brasil está entrando tardiamente - 20 anos depois – no esquema global da securitização das finanças”. Assim, ele deixa mais claro que com a máquina das dívidas, seu setor financeiro-rentista ganharia mais no volume de endividamentos e não mais e apenas nos juros que já foram mais altos. [2]
Esteves aprofundou ainda que o Brasil financeiro se insere tardiamente no que ele chama de movimento global “Financial Deep”, ou aprofundamento da financeirização. Ou seja, Esteves detalha como está sendo implantado no Brasil, o conjunto de inovações financeiras através de múltiplos tipos de derivativos, de forma semelhante ao que foi executado, no entorno da virada de século, nos EUA e no centro do capitalismo. Um processo que cresce a partir de 2001 e de uma forma completamente desregulada. O dono do Pactual deixa claro que é nessa linha que estão sendo implementadas mudanças na intermediação financeira (“tardia”) no Brasil.
O mais interessante deste processo é que Esteves deixa ainda muito ás claras quem são os agentes e que mudanças são essas nos processos de intermediação financeira em curso no país, com implantação de mais inovações, mais papeis, meios digitais, etc. no mercado. Entre outras coisas, estes agentes buscam ampliar a integração do mercado de ações e fundos financeiros (Anbima), Bolsa e bancos tradicionais, etc. para que estas inovações garantam maiores lucros e acumulação em favor do já muito favorecido setor financeiro brasileiro.
A exposição do Esteves, como um “farialimer”, é na prática uma miniaula (empírica) sobre o mundo real e sobre os interesses do setor financeiro. Seu depoimento expõe uma autossuficiência que só aparece nas falas daqueles que avaliam o poder que realmente têm na direção de também ser parte importante do poder político com hegemonia também sobre a sociedade no país.
Na maior parte das respostas, o dono do BTG não fala de projetos, mas de transformações em curso. Esteves descreve a integração de uma “cadeia” que é muito semelhante àquela que é descrita no documentário Inside Job (2010), que descortinou as estratégias e ações sobre como o setor financeiro americano (integrado a outros mercados) produziu a crise do subprime em 2008 em todo o mundo, a partir dos EUA e de uma completa desregulação, ou mesmo uma farra com as inovações financeiras através de papeis e derivativos de diversos tipos. O impactante filme “Inside Job” mostrou os mecanismos de aprofundamento do lançamento de “inovações financeiras”, controle do poder político (Deep State) e controle de instituições e poder judiciário que permitisse essa “autorregulação” do setor financeiro. Exatamente, o que a Anbima tem defendido abertamente no Brasil. [3]
De certa forma, André Esteves apresenta como pensa a “cadeia alimentar da securitização” no Brasil, de forma similar à “Securitization Food Chain” implantada nos EUA. É neste espaço que Esteves localiza o seu banco, o BTG Pactual com o projeto de assumir o papel de “um novo BNDES”, só que privado como são os bancos de investimentos americanos (Goldman Sachs, Morgan Stanley, Lehman Brothers, Meril Lynch). Todos esses grandes bancos (+ Bank of America, Citigroup, etc.) atuam em consórcio com seus agentes no Brasil. Assim, não é difícil imaginar como hoje, Esteves desenha institucionalmente esta cadeia de securitização no Brasil, da mesma forma que vê a relação do seu BTG, dos demais bancos e fundos de investimentos privados nacionais com os bancos tradicionais. Um forma similar à articulação dos bancos de investimentos com os conglomerados financeiros americanos: CitiGroup e JP Morgan entre outros, assim como a relação entre as seguradoras e as agências de rating que atuam no Brasil com o objetivo de controlar e monitorar a cadeia de securitização brasileira na direção do andar de cima.
Esteves diz abertamente que o Brasil já tem “um dos mercado de capitais mais vibrantes do mundo”. Nisso, ele está certo. O Brasil hoje tem 13 milhões de CPFs operando na Bolsa de valores em renda fica e variáveis, boa parte dela de assalariados atraídos para uso da sua parte do FGTS. Em abril de 2019, esse número era de pouco mais de 1 milhão. O Brasil é o 3º maior mercado de derivativos, 10º maior ´indústria´ de fundos financeiros e o 12º maior mercado de capitais do mundo. Tudo isso se ampliando, rapidamente, após a captura do Estado com o golpe de 2016.
Esteves, não diz, mas se sabe, que os donos dos dinheiros, se orgulham de atuarem de forma autorregulada, sem poder de fato da CVM e nem do Banco Central, cujo presidente, Campos Neto - e Esteves confessa no mesmo áudio -, que lhe pede opiniões e sugestões com frequência. Na prática, uma articulação no estilo tipo “Inside Job Tupiniquim”, que para ele é parte da implantação do que chama de “modernização e aprofundamento das inovações financeiras” no Brasil, na direção do “Financial Deep global”.
Nessa linha, vale recordar que há pouco tempo, o BTG Pactual esteve por trás de todo o esquema e processo de privatização e entrega da Eletrobrás. Esteves sabe que os ganhos com a eletrificação tende a aumentar no mundo como forma de energia renovável e o uso mais amplo da eletricidade nos transportes. Assim, o setor privado ganhou uma infraestrutura (IE) toda pronta e feita durante décadas com recurso da União (população). Desta forma, a fala recente de Esteves de que a privatização completa da Petrobras deve não vai sair agora, mas aos poucos, mostra que para esse setor, pode ser mais interessante por ora, ficar com partes da estatal, talvez, deixando de lado os riscos da exploração e do que chamo de “ciclo petro-econômico” entre fases de booms e colapso deste setor. A Eletrobrás pode ser mais estratégica e menos dispendiosa, considerando a reeletrificação, uma energia que atende tanto à indústria, consumo doméstico, quanto os transportes para carros. Parece estratégia, deixar o tronco da Petrobras para nova investida à frente, quando investidores já terão captado ganhos e caixa com o controle da Eletrobrás/Furnas. E ainda podem avaliar os desdobramentos da conjuntura econômica e política no Brasil, sem arriscar e provocar, a parcela da população que resiste à privatização. Mas, convém, não descuidar. O mercado tem faro para antecipar posições de seus interesses.
Assim, o BTG é hoje, um espaço simbólico do interesse de importantes “donos dos dinheiros”, da elite econômica nacional e a conversa com seu dono se tornou mais importante do que o diálogo institucional com o setor produtivo com a Fiesp, Firjan, Fiemg e mesmo a CNI. O BTG é um dos principais agentes deste setor financeiro-rentista que faz a ponte entre a colônia e o centro do capital global. É com essa perspectiva que essa turma atua no Brasil, exatamente, nessa linha descrita no áudio do Esteves. Como disse antes, essa avaliação só é possível com método que identifica agentes e processos para interpretar seus interesses e suas estratégias.
6. Enlace entre rentismo nacional e global: colonização e neoextrativismo
Há uma rede rentista-financeira global dirigida e concentrada no norte global, mas ramificada e com enorme capilaridade para vampirizar as rendas e os excedentes das nações do sul global. Aqui operam esses agentes como o BTG que lubrifica esse fluxo rentista-extrativista do sul em direção aos donos do capital global retendo seus quinhões. Na articulação entre a elite financeira e colonizada e o centro do capitalismo global é possível perceber que, hoje, os interesses dos investidores internacionais sobre o Brasil, se baseiam na lógica contemporânea do capitalismo da gestão de ativos. Assim, talvez, seja possível classifica-las hoje com duas grandes direções:
1) Maior interesse na parcela da economia real ligada às commodities para ganhos na valorização, circuito do valor e também na capitalização (ativos financeiros) ligados ao controle das corporações que atuam nesse setor. Observar Black Rock, J.P. Morgan Asset M., Pimco, Capital Group, fundos soberanos (SPU da Noruega, ADIA dos EAU, Abu Dhabi) e fundos private equity. Em 2º lugar, conforme a conjuntura política e econômica (global) também na valorização de longo prazo (private equity) investimentos em IE ou controle de concessões articulados aos seus fluxos.
2) Enlace nos instrumentos de financeirização e capitalização investidores nacionais via o mercado de capitais, através do mercado de ações, grandes fundos de pensão das (ex)estatais e big Family office interessados em investimentos cruzados no exterior.
É um neoextrativismo de controle de ativos que pode se dar tanto sobre a economia real, como nos casos da produção do agronegócio, minérios e energia de fontes nacionais, quanto na gestão de inovações e papeis financeiros de títulos, debêntures, fundos, etc. com altos rendimentos e visão, em geral, de curto prazo.
Os fundos financeiros se tornaram de forma especial um instrumento que lubrifica a hegemonia financeira no capitalismo contemporâneo. Uma ferramenta com grande capacidade de atuação que confere mobilidade intersetorial e espacial (infra e supranacionais) para o fluxo de capitais entre os ativos da economia real e financeiros entre os diversos setores da economia. Uma atuação na economia real (circuito do valor) e também nas inovações financeiras em processos simultâneos de valorização e capitalização que atendem aos interesses dos donos dos dinheiros. O resultado disse é que hoje, boa parte dos ativos da economia real é controlada pelos investidores e não por capitalistas donos de multinacionais e grandes corporações, na lógica do capitalismo da gestão de ativos. [4]
7. A enorme e crescente distância entre o andar de cima e a base da pirâmide social no Brasil
Esses movimentos do andar de cima (como dizia Arrighi) explicam nossa realidade. Praticamente, não temos mais elite produtiva nacional a não ser nas pequenas e médias empresas regionais. Hoje, com poucas exceções, só restou as médias e pequenas empresas, mas aí não se pode falar de elite econômica que é financeiro-rentista, articulada na escala global e com controle concentrado no norte global. Elite simbolicamente visível no BTG da Faria Lima.
Mas, não apenas o Esteves do BTG. Há poucos dias, o CEO do Bradesco fez questão de dar seu recado alinhado à politização do Exército. O diálogo na CNN entre os rentistas Abílio Diniz e Jorge Paulo Lemann também expôs como os rentistas olham a população, pensando em migalhas e não em direitos. Uma “elite econômica-financeiro-rentista-globalista” que aceita com empolgação a condição e a localização submissa na ponta dessa rede global financeira, desde que tenham garantias sobre percentuais dos ganhos obtidos sobre a maioria da população.
Não pretendo aqui reforçar uma leitura dual ou maniqueísta, mas não há como não contrapor essa realidade. Essa sim, uma real e triste polarização. Seria legítimo, nesse estilo de democracia liberal ocidental em que vivemos, que as frações lutassem pelos seus interesses. O que não é normal e nem aceitável é a assimetria em que essa disputa se dá, tanto no campo econômico, quanto político e geopolítico.
Assim, observamos que no lado contrário do setor financeiro-rentista está a imensa maioria da população brasileira. De um lado, 13 milhões de CPFs operando na Bolsa entre títulos, derivativos e quotas de fundos e ações de ativos reais e financeiros, enquanto 33 milhões de brasileiros passam fome e mais de 100 milhões podem ser considerados subalimentados e sobreviventes. Essa realidade talvez, esteja exposta nos números das principais pesquisas eleitorais no Brasil.
A última pesquisa do Datafolha, expôs esse claro recorte de classes entre o andar de cima e a última linha da base de nossa pirâmide social no Brasil. Por exemplo: apoio Bolsonaro com renda mais de 10 SM: 47% x 35% Lula. Entre 5 e 10 SM: 44% x 29% Lula; Apoio a Lula até 2 SM: 56%x 22% Bolsonaro. Maior rejeição a Lula: 61% empresários; 57% entre os mais ricos e 41% entre os homens. Maior apoio a Lula: 56% x 20% Bolsonaro entre os de renda até 2 SM. Maior rejeição Bolsonaro (ou maior apoio Lula): 66% entre os desempregados; 63% pretos; 62% nordestinos; 62% estudantes; 61% mulheres; 60% jovens e 60% mais pobres. Ou seja, um recorte de classe mais claro desde o reinício das eleições diretas no Brasil e que percorre as opções eleitorais por segmento de renda; gênero e região. É o receio dessa realidade que o Arenão pretende cercar e controlar o possível novo governo Lula.
8. Considerações finais
A elite financeiro-rentista atravessa todos os outros setores da economia e da sociedade. Avalio que ao olhar essa realidade de desigualdades sociais e de crescente tensionamento, já leve em conta os ciclos da economia e do capitalismo em diferentes partes do mundo. Assim, é possível avaliar que essa elite rentista e parasitária pondera e pensa que possa alternar períodos de ganhos ampliados (tanto em ativos produtivos quanto financeiros), com outra fase de ganhos reduzidos em um outro tipo de ativo.
Uma parte dessa elite, mais conectada à rede financista global já trabalha com a lógica de saltar o espaço entre nações, em busca da maior rentabilidade e em menor prazo, até aguardar nova fase de maior acumulação no espaço do Brasil. É nessa linha que enxergam as eleições. Períodos de ganhos ou perdas nas nações. Por isso, são globalistas, saltam as escalas e as fronteiras, quando necessário. Assim, ameaçam e fogem dos governos das nações que lutam e conseguem governos que defendem a soberania e a maioria da população. Outra parte desta elite se manterá no plano nacional e poderá se articular com redes de pequenas e médias empresas, mais ligadas à produção material do que aos ativos financeiros, aos papeis de derivativo, criptomoedas e outros.
Como vimos, nesse contexto não é difícil perceber os movimentos em curso no Brasil, a apenas 100 dias do pleito eleitoral. O Arenão (Centrão, militares e rentistas) já controla, quase totalmente, boa parte das ações do governo via Paulo Guedes e cia. e tem no Congresso, em especial a Câmara do presidente Artur Lira, as pontas de lança destes seus interesses. Uma articulação entre setor financeiro (fundos) com o Arenão, seu braço político, dividindo o butim (saque), com cada um levando a sua parte.
Nos seis meses que faltam para o fim do governo Bolsonaro, tentarão avançar ainda mais com a privatização das estatais e com os tais marcos legais para dar garantias contratuais e também tornar impositiva as emendas de dezenas de bilhões do orçamento secreto. Assim, juntos, o sistema financeiro-rentista nacional e o Centrão, planejam com a manutenção da aliança, garantir a manutenção deste “paraíso neoliberal”, sobre um novo governo Lula, após esse desgoverno dos militares e do Arenão. Quanto mais clara fica a hipótese da vitória de Lula, mais serão as medidas que tentarão delimitar, cercar e tentar controlar o futuro governo Lula.
Penso que o Arenão além de tentar salvar eleitoralmente Bolsonaro, buscará acelerar ainda mais o avanço sobre o que resta das estatalidades da União, não apenas com o interesse da vampirização e captura do controle destes ativos, mas sobretudo com o objetivo delimitar e controlar um futuro governo do Lula com dois objetivos claros:
1) acelerar os tais desinvestimentos e privatizações de ativos estatais em direção ao setor privado, quase todos entregues a grupos de investidores reunidos em fundos financeiros (nacionais e estrangeiros);
2) ampliar garantias e marcos legais que impeçam que o futuro governo possa desatar os nós dos marcos legais do teto de gastos, independência do BC, com debulho dos direitos trabalhistas e previdenciários que, hoje, já garantem a enorme taxa de lucros dos investimentos em ativos reais, etc.
É exatamente nesse contexto que o setor financeiro se tornou hegemônico no capitalismo contemporâneo e nessa condição a elite que controla esse setor, aumentou sua capacidade de interferir e tentar definir a disputa do controle político e a gestão do Estado.
Por tudo isso, não há como considerar simples a luta que o campo progressista nacional tem pela frente. É um baita desafio, empreender uma luta contra o fascismo, o autoritarismo, a gestão político-militar e também, o enfrentamento contra o extrativismo rentista da elite financeira nacional articulada globalmente. Avalio que necessariamente, essa luta terá que ser, simultaneamente, para dentro e para fora. Ela deverá ser ao mesmo tempo nacional e supranacional ou regional. Não haverá saída fora daí, exatamente onde entra a discussão e a dimensão da luta em favor da soberania do Brasil e de um Estado-nacional autônomo.
E nesse sentido, o momento atual de crise na globalização e de redesenho da ordem global, pode ser uma possibilidade a mais, em termos de maior reintegração e adensamento da América Latina, com a participação do Brasil, em cadeias produtivas menos globais e mais regionalizadas. Isso poderá ser uma entre outras tantas hipóteses na direção de voltar a valorizar e retomar a economia produtiva real e a materialidade que ela sugere, em termos de infraestruturas, reindustrialização de várias cadeia produtivas que foram detonadas, com inovação e, acima de tudo, com geração de empregos e renda realizando inclusão social e ampliando as ofertas de serviços públicos de educação e saúde.
Para ultrapassar e superar esses desafios é preciso ampliar ainda mais e consolidar o apoio da base política que a frente em prol da candidatura Lula está formando. Essa superação dependerá destes dois movimentos: para dentro, de reconstrução do projeto de Nação, com forte base de apoio político e popular interno, para afastar os riscos autoritários, antidemocráticos e fascistas, superando as desigualdades em suas várias dimensões; e para fora, através de uma forte, densa e competente articulação internacional que terá na liderança global reconhecida de Lula, um expoente que pode rearticular o Mercosul (e Unasul), aumentar nosso poder no Brics+ e avançar para outras relações bilaterais em vários continentes. Um movimento em que a geoeconomia puxa a geopolítica em favor da maioria de nossa população no projeto de reconstrução na Nação brasileira. Oxalá!
9. Referências:
[1] PESSANHA, Roberto Moraes. Capitalismo sob a hegemonia financeira e o poder no Brasil. Revista Espaço e Economia, nº 21, 2012. Disponível em: https://journals.openedition.org/espacoeconomia/19705
*O artigo derivado do debate ao lado de Ladislaw Dowbor promovido pelo Instituto Amsur e intitulado Capital financeiro: hegemonia e poder no Brasil em 4 de julho de 2021. Disponível em: https://youtu.be/TC5ghTh1VC8
[2] PESSANHA, Roberto Moraes. André Esteves (BTG Pactual) descreve em áudio como monta o “Inside Job” no Brasil. Portal 247, em 25 de outubro de 2021. Disponível em https://www.brasil247.com/blog/andre-esteves-btg-pactual-descreve-em-audio-como-monta-o-inside-job-no-brasil
[3] Artigo no Valor, em 18 de dezembro de 2018, do superintendente geral da Anbima, José Carlos Doherty. Autorregulação tem desafio de ultrapassar novas fronteiras. Disponível em: https://valor.globo.com/financas/coluna/autorregulacao-tem-desafio-de-ultrapassar-novas-fronteiras.ghtml
*Neste artigo no Valor, superintendente geral da Anbima, José Carlos Doherty, se vangloria que a instituição regula o mercado de capitais e o funcionamento dos fundos financeiros no Brasil, dizendo ainda que “a autorregulação da Anbima, é um dos principais motivos para a atração de investimentos nos fundos financeiros no Brasil. Se trata de um modelo privado criado de forma voluntária e
independente.
[4] PESSANHA, R. M. A ‘indústria’ dos fundos financeiros: potência, estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Consequência, 2019.
[1] Texto oriundo da apresentação e debate ao lado de Ladislaw Dowbor, promovido pelo Instituto Amsur com o título: “Eleições: interesses econômicos em conflito”, em 27 de junho 2022. Disponível em: https://youtu.be/nJo7qwLfYLs
[2] Professor titular do Instituto Federal Fluminense (IFF). Doutor pelo PPFH-UERJ. Autor do livro “A ´indústria´ dos fundos financeiros: potência, estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo”. Consequência. Rio de janeiro. 2019. Membro da Rede Latinoamericana de Investigadores em Espaço-Economia: Geografia Econômica e Economia Política (ReLAEE). Autor do blog do Roberto Moraes, criado em 10 agosto de 2004. Disponível em: http://robertomoraes.com.br.
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