Presidente Lula, as mães e avós também existem no Brasil
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"As Mães e Avós da Praça de Maio são uma inspiração na defesa da democracia na América Latina. Emocionado com o nosso encontro de hoje", escreveu Lula em postagem nas redes sociais.
A intensa agenda do presidente Lula na Argentina não o impediu de reverenciar a luta daquelas mulheres que simbolizam a resiliência feminina e democrática na busca dos mortos, desaparecidos, sequestrados, pela ditadura do país irmão, e, sobretudo, por justiça.
Na Argentina os ditadores e seus agentes foram presos, processados, condenados.
Quase sexagenário o golpe de 64 no Brasil completa 59 anos da maior tragédia que começou no dia 1º de abril e durou 21 anos.
As elites militares, civis e religiosas, respaldadas e incentivadas pelos EUA, manipulando parcelas da classe média conservadora, usurparam pela força das armas o poder do governo Goulart, que fora legitimamente eleito pelo povo.
A ditadura parida desse golpe foi o infortúnio de milhares de brasileiros.
Crime continuado por 21 anos seguido de mais 5 de transição a uma nova estação democrática, a qual, como as anteriores, traz em seu ventre entulhos da ditadura que sucedeu.
A política de mentiras, de fraudes e de censura impediu que a sociedade conhecesse as verdades dos subterrâneos da ditadura: sequestros, aprisionamentos, torturas, estupros, cabeças cortadas, mortes, corpos incinerados, desaparecimentos, extermínios, daqueles que ousaram resistir, por direito universal e dever moral, à tirania.
A ditadura militar colocou meio milhão de brasileiros sob suspeição, mais de 150 mil investigados, 20 mil torturados, entre eles 95 crianças/adolescentes (inclusive a mãe de meus filhos encarcerada aos 16 anos), além dessas, 19 crianças foram sequestradas e adotadas ilegalmente por militares; 7.670 membros das Forças Armadas e bombeiros foram presos, muitos torturados e expulsos de suas corporações.
Cassaram 4.862 mandatos de parlamentares, 245 estudantes expulsos das Universidades pelo Decreto 477; Congresso Nacional foi fechado três vezes.
Estima-se que mais de 20 mil brasileiros, incluindo indígenas e camponeses, tenham sido exterminados.
Os 434 mortos/desaparecidos reconhecidos pela Comissão Nacional da Verdade, 42 eram negros e 45 mulheres, ainda assombrarão o presente enquanto o Estado não cumprir o seu papel de descobrir onde estão, as circunstâncias de suas mortes e a punição dos criminosos.
Ocorreram 536 intervenções em sindicatos; foram colocadas na ilegalidade as entidades estudantis, UNE, UBES, AMES e demais.
No dia 28 de março de 1968 assassinaram o estudante secundarista Edson Luís e feriram outros, no restaurante Calabouço. Levamos o corpo para a Assembleia Legislativa, houve uma vigília até no outro dia, quando um enorme cortejo, umas 50 mil pessoas, levou o corpo ao cemitério São João Batista em Botafogo. O enterro se deu ao som do hino nacional e com brados “MATARAM UM ESTUDANTE. PODIA SER SEU FILHO”.
Naquele dia o Rio parou, chorou e se indignou.
Ao descrever ainda sinto uma emoção de dor imensa. Dois anos antes eu havia ocupado a presidência da AMES.
Seu assassinato marcou o ano de intensas mobilizações contra a ditadura militar até que fosse decretado o AI5 em 13 de dezembro de 1968, quando o Estado virou terrorista, com licença para sequestrar, torturar, matar.
Violaram correspondências de toda ordem, sigilos bancários e grampos telefônicos, pregaram o ódio e a delação até entre familiares.
Ao fim da ditadura, o país acumulava dívida externa 30 vezes maior que a de 1964 e inflação de 225,9% ao ano. Quase 50% da população estava abaixo da linha da pobreza.
Os autores desse rol de barbaridades listados acima estão impunes, e enquanto perdurar é como um passaporte diplomático a novos golpes, ditaduras, bolsonarismos nazifascistas e matanças dos pobres, negros e mulheres da periferia e LGBTI+.
Não é mera semelhança entre o passado - golpe de 64 - e o golpe de 2016. Os atores foram os mesmos. Em 64 o STF teve o papel de operar como coadjuvante, no golpe de 2016 foi protagonista (STF e tudo mais), com o MP, que fora o braço acusador da ditadura militar, continuou no mesmo papel, e as muitas revelações registram que as elites militares, remanescentes da ditadura militar, também foram protagonistas nas conspirações para o golpe a Dilma Rousseff.
Em 8 de janeiro de 2023 novamente aparecem as digitais dos militares na tentativa de golpe à democracia pela camarilha bolsonarista.
Embora a tentativa de golpe não tenha logrado êxito, a camarilha não se rendeu. Novos ensaios ocorrerão com a participação dos próceres do lavajatismo.
Com as armas das críticas e com a crítica das armas resistimos à ditadura, com coragem, ousadia, e jamais perdemos o animus para derrotá-la, e na democracia lutamos pela justiça de transição, sem a qual não haverá uma democracia sólida, livre dos entulhos do passado ditatorial e da impunidade dos responsáveis pelos crimes de lesa-pátria e lesa-humanidade dos agentes do estado de exceção daquele período.
No presente somos todos bisavôs, avós, avôs, mães, pais, tios, das gerações sequeladas pelos efeitos transgeracionais daquela árvore podre da nossa história, cujos frutos foram e outros ainda estão contaminados dos venenos das graves violações dos direitos humanos.
O direito à verdade histórica e a constituição da memória social é imprescindível à construção da identidade nacional!
Nossas praças são muitas, presidente Lula, nossa persistência nos levou a conquistar no mandato da presidente Dilma, nossa companheira no Colina e na VAR-Palmares, a constituição da Comissão Nacional da Verdade – o terror dos militares golpistas, 26 anos após o fim da ditadura.
"Militares precisam ter garantia para agir sem o risco de surgir uma nova Comissão da Verdade", declarou na reunião do Conselho da República, em 19/02/2018, o general Eduardo Villas Boas, na época comandante do Exército.
Foram necessárias mais de duas décadas de luta infatigável dos familiares de mortos e desaparecidos e dos combatentes sobreviventes da ditadura, organizados em comissões, comitês, fóruns, na Rede Brasil - Memória, Verdade e Justiça, para que a CNV fosse finalmente criada, em 2011.
A CNV iniciou os seus trabalhos, igualmente impulsionados pelas pressões de setores da sociedade civil organizada, e com apoio crítico propositivo da RBMVJ.
Apesar de tardia, foi um marco importante para trazer à memória nacional aquele período nefasto e violento da história do país. Outrossim, além de construir uma narrativa de memória e verdade das práticas repressivas do Estado, a CNV formulou 29 recomendações.
Inobstante, mesmo em condições precárias, mesmo não tendo a composição ideal, e como, por lei, não lhe competia fazer justiça, deixou a cargo do Estado brasileiro prosseguir o trabalho, implantando as suas recomendações e processando àqueles que cometeram os crimes imprescritíveis dos direitos humanos.
A nosso entender a recriação das Comissões de anistia e dos mortos e desaparecidos políticos, em sede de governo, cumpre o débito do Estado com a sociedade, uma vez que há anistiandos que não foram atendidos, e há os familiares à espera dos restos mortais dos mortos/desaparecidos e dos esclarecimentos das circunstâncias de seus extermínios pela ditadura militar.
Contudo, temos que olhar à frente, não podemos ficar à mercê de cada novo governo.
A iniciativa da constituição de um órgão criado por lei, pode e deve ter a iniciativa do governo Lula em articulação com o Congresso nacional.
O Manifesto Pela Justiça de Transição, encabeçada pela RBMV e mais 23 entidades, em 7 de dezembro de 2022, concluiu apontando para o rumo que continuaremos a perseguir, tal como as mães e avós da Praça de Maio da Argentina.
[...] Bolsonaro e o Estado policial não são consequências da Comissão Nacional da Verdade, mas, exatamente do contrário, por não ter havido a criminalização dos agentes da ditadura que cometeram as graves violações dos direitos humanos.
Para o futuro será necessário a constituição de uma Comissão Estatal Permanente de Memória, Reparação e Reforma, que abranja todos os períodos traumáticos do Brasil – escravidão, ditaduras e o genocídio bolsonarista, a fim de ser realizada a justiça de transição necessária à construção de uma democracia sólida.
A composição sugerida da CEPMR é de no mínimo 8 (oito) membros, com mandato de cinco anos, renováveis. Representante do Executivo (Ministério dos Direitos Humanos), do Legislativo (Comissão de DH da Câmara), do MPF (idem), da Defensoria Pública Federal (idem) e da sociedade civil (movimentos dos indígenas, dos negros, dos movimentos de anistiados e dos filhos e netos dos ex-prisioneiros da ditadura.
Quando se acredita numa ideia, num ideal, não se luta somente numa conjuntura, mas por toda a vida.
Esquecer é matar a esperança de justiça!
LEMBRAR SEMPRE, REPETIR JAMAIS!
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