Preço dos alimentos e exploração dos trabalhadores

Preços de alimentos exibidos do lado de fora de um supermercado no Rio de Janeiro 08/04/2022
Preços de alimentos exibidos do lado de fora de um supermercado no Rio de Janeiro 08/04/2022 (Foto: REUTERS/Ricardo Moraes)


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 Conforme informações divulgadas recentemente pelo Escritório Regional do DIEESE em Santa Catarina em julho de 1994 uma cesta básica alimentar custava em Florianópolis R$ 68,88. Em fevereiro de 2023 esta mesma cesta, suficiente para alimentar ao longo de um mês uma pessoa adulta, custou R$ 746,95, um aumento de 984,42% no período. Comparando com o INPC-IBGE, que totalizou 633,37% no mesmo período, o Departamento concluiu que, em quase 30 anos, os preços dos alimentos básicos em Florianópolis aumentaram 47,87% acima da inflação.  

 Em julho de 1995 começou a vigorar no país a chamada livre negociação salarial, ou seja, o fim de qualquer política pública de reajuste dos salários baseada na inflação passada (exceto para o salário-mínimo). A teoria que embasou o Plano Real era a de inflação inercial, desenvolvida no Brasil principalmente no começo da década de 1980, segundo a qual – elaborado aqui de forma muito simples - o índice inflacionário atual é a inflação passada mais a expectativa futura de inflação.

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 Pela citada teoria, a inflação se manteria mais ou menos no mesmo patamar sem aceleração inflacionária, em decorrência dos mecanismos de indexação de preços existentes na economia. Indexação – aqui também descrita de forma resumida - é a alteração de preços de bens e serviços com base em índices de preços, normalmente passados. Antes da Plano Real, estes mecanismos podiam ser formais (previstos em acordos ou contratos), ou informais, isto é, praticados sem a existência de um acordo por escrito.  

 Um dos objetivos explícitos do Plano Real era a desindexação de preços, incluindo o preço da força de trabalho (principalmente o da força de trabalho). Mas nessas quase três décadas completadas pelo Plano Real, o que vemos é que muitos preços fundamentais para a população continuaram indexados, como aluguéis, escolas, planos de saúde, energia e um conjunto grande de serviços e produtos. Isso não ocorre por acaso. O patamar inflacionário do Brasil (atualmente em 5% ou 6%) é alto para padrões internacionais, ainda mais considerando que os salários, legalmente, estão desindexados, ou seja, não há política de correção salarial (exceto para o salário-mínimo, como assinalado).

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 Conforme registrou o estudo do DIEESE, normalmente uma parte dos salários não é corrigida nem pela inflação do período negociado. Observando os dois últimos anos: em 2021 45,8% das negociações não conseguiram nem ao menos repor a inflação e, no ano passado, 39,5% das negociações ficaram abaixo da inflação anual. Ou seja, da instalação do Plano Real para cá, uma parcela significativa dos trabalhadores sofreu perdas continuadas no valor real dos seus rendimentos salariais. Na economia informal, onde predomina a lei das selvas, ainda que as informações sejam escassas, sabe-se que o processo foi ainda pior para os trabalhadores. Isso porque, além da desindexação salarial, as dezenas de medidas que precarizaram as condições de emprego e renda, no caso desse segmento do mercado de trabalho, deterioram um mercado no qual os trabalhadores já viviam em situação muito difícil.    

 Com os níveis salariais do Brasil, mesmo com inflação zero, o trabalhador tem a sensação de que ela é muito elevada. É que o custo de vida é muito alto em comparação para os salários vigentes, mesmo que ele esteja momentaneamente estabilizado (ou seja, mesmo que a inflação fosse zero). Por exemplo, em boa parte das capitais, em fevereiro último a cesta básica diminuiu de preço. Mas isso não significa que a cesta está barata, pelo contrário, em algumas capitais seu preço representa mais da metade do salário-mínimo líquido (trata-se de uma cesta suficiente para 1 pessoa adulta).

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 Recorrentemente os trabalhadores reclamam da inflação, mesmo com ela estando em nível baixo. No fundo a reclamação é direcionada para os baixos salários. Se o trabalhador recebe o salário-mínimo para o sustento de duas ou três pessoas e uma cesta básica para um adulto custa R$ 750,00 ou mais, a conta nunca irá fechar. São os salários muito baixos que, pressionados pelo aumento de preços dos produtos básicos, torna a vida do trabalhador quase insuportável.  

 Se a família sobrevive com um salário-mínimo, mesmo uma inflação de 0% irá faltar dinheiro para suprir as necessidades básicas de seus membros. Quem sobrevive com um salário-mínimo no Brasil (quase 28 milhões de brasileiros cerca de um terço do total da força de trabalho do país, segundo dados da Pnad-IBGE), gasta praticamente toda a sua renda para comprar comida. Dependendo do número de dependentes da família, não consegue pagar nem mesmo luz e água todo mês, são forçadas a fazer um “rodízio” de pagamento dessas contas.   

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 Em menor escala a classe média baixa sente também a pressão dos preços dos alimentos. Já as famílias ricas nem ao menos percebem a inflação, especialmente se esta for causada por alimentos básicos. O rico, pelo contrário, aproveita a alta de preços para ganhar dinheiro. Se o preço da carne no varejo sobe muito acima da inflação, o que tem ocorrido nos últimos anos, é evidente que esse aumento beneficia o empresariado. É a hora de proprietários de gado, grandes atacadistas de alimentos, donos de supermercados etc., fazerem um lucro extra.

 Dentre outros aspectos, a inflação é um mecanismo de transferência do ônus da inflação para as costas dos trabalhadores. No longo período em que o Brasil conviveu com superinflação uma das lições aprendidas pelos sindicatos foi a de que não existe mecanismo de indexação salarial que impeça completamente a corrosão dos salários. Regra geral, quando a inflação ficava praticamente fora de controle, não só o galope inflacionário destruía os salários, como também os planos econômicos para controlar a inflação, consolidavam perdas salariais. Em alguns planos postos em prática, por exemplo, se congelou os preços pelos seus picos, e os salários foram congelados pela média de um determinado período, com perda de salários reais.

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 No longo período de inflação muito alta que o Brasil atravessou, os trabalhadores aprenderam que o capital dispõe de mecanismos muito ágeis de correção dos preços, mas os salários não conseguem acompanhar o ritmo de elevação dos preços. Como a esmagadora maioria dos preços são liberados no Brasil, num momento em que os indicadores de inflação apontam elevação, os empresários começam a fazer aumentos preventivos, visando se proteger da inflação futura. O capital, principalmente o grande, que dá as cartas na economia, costuma reajustar seus preços preventivamente, visando manter suas margens de lucros. Os trabalhadores por sua vez, não conseguem reajustar seus salários, nem uma vez a cada ano, como vimos acima.  

 Um aumento de quase 50% no preço da cesta básica, conforme foi detectado pelo estudo do DIESE, ilustra, dentre muitos outros dados, o brutal ciclo de empobrecimento que atravessam os trabalhadores. Não se trata de um aumento isolado. Os preços de outros produtos básicos (água, energia elétrica, tarifas de transporte, derivados do petróleo) também vêm aumentando acima da inflação nos últimos ano, o que coloca a classe trabalhadora em uma situação desesperadora.  

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 Não por coincidência o estudo que o Sistema de Acompanhamento de Greves (SAG-DIEESE) divulgou recentemente, registra 1.067 greves em 2022, um aumento de 48% em relação a 2021.Do total das greves, 54% foram organizadas por servidores públicos, 40% por trabalhadores da esfera privada e 5% por trabalhadores de empresas estatais. No conjunto das greves realizadas nos dois setores, o pagamento de salários (42%) foi a reivindicação mais frequente, seguida por piso salarial (27,1%), alimentação (20,1%) e pagamento de 13º salário/férias atrasadas (19,6%). Todas elas, reinvindicações econômicas por definição, o que indica a gravidade da situação da classe trabalhadora no Brasil, que, pelos dados da pesquisa do SAG-DIEESE, não parece estar disposta a entregar os pontos.  

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