Precisamos falar sobre Chico Buarque

Com todos os cuidados que a situação de pandemia exige, homens, mulheres, crianças e idosos disseram não autorizar o estado de barbárie que toma conta do país, e muito menos os desmandos do “líder”, cuja “autoridade” não é – se é que foi um dia – reconhecida pelo povo



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Por Carlos Carvalho

As manifestações contra a indigência do governo brasileiro começaram a tomar o país.  Em maio, por exemplo, foram registradas em 24 Estados do país, e também no Distrito Federal, somando pelo menos 180 cidades. Os protestos aconteceram tanto no Brasil quanto no exterior. As manifestações arrastaram para as ruas entidades sindicais, partidos políticos e uma infinidade de pessoas preocupadas com os rumos da nação à deriva. Entre as tantas reivindicações, pediu-se vacina contra a Covid-19, um auxílio emergencial decente e o impeachment do atual mandatário. A quantidade de gente que tem ido às ruas acendeu o alerta de que os ventos estão mudando. Nos dias que sucedem às manifestações, o presidente costuma ir ao chiqueirinho, digo, cercadinho, tentar desacreditá-las, no que tem falhado horrivelmente, mostrando-se incapaz (desculpe a obviedade) de impedir que sua caótica gestão continue descendo a ladeira.

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Nas cordas, sob os impactos das mobilizações de maio, da CPI do Genocídio e de uma crescente avalanche de escândalos, o governo viu surgir uma manifestação ainda maior no último dia 19 de junho, quando muito mais gente e muito mais pautas tomaram as ruas do país, numa clara demonstração de que a população brasileira não aguenta mais a incompetência generalizada do Governo. Enquanto falta vacina no braço e comida no prato, pipocam escândalos de corrupção no meio ambiente, na compra superfaturada de vacinas e em tudo mais que se possa imaginar. Quanto mais mexe, mais fede. Isso sem se falar no aparelhamento dos órgãos do Estado e no colapso das Instituições. Assim, na recorrente tentativa de negar o óbvio ululante, o Governo insiste em usar a mentira como método, como se alguém, que não os fanáticos do cercadinho, digo, chiqueirinho, e do zap, acreditassem em alguma coisa daquilo que é vociferado todo dia.

Com todos os cuidados que a situação de pandemia exige, homens, mulheres, crianças e idosos disseram não autorizar o estado de barbárie que toma conta do país, e muito menos os desmandos do “líder”, cuja “autoridade” não é – se é que foi um dia – reconhecida pelo povo. Assim, no sábado, 19, estavam todos na rua, pelo Brasil, pela democracia e pela memória das 500 mil pessoas mortas pela inoperância do Estado brasileiro. Entre inúmeros cidadãos, viu-se Chico Buarque de Holanda caminhar por entre o povo no dia em que completava seus 77 anos de idade. A presença do autor de Essa gente (2019) nas manifestações em defesa do Brasil diz muito sobre a atual situação do país, mas diz muito mais sobre o que é ser artista. O artista que não se posiciona deveria recorrer ao seu direito constitucional de permanecer em silêncio. Falar besteira, ficar calado ou passar pano é, sabemos, tomada de posicionamento daqueles que não têm consciência do seu estar-no-mundo, muito menos do lugar que ocupam, enquanto artistas, em uma sociedade que grita por socorro, enquanto agoniza. 

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Precisamos falar sobre Chico Buarque, porque ele continua seguindo em frente, arrastando consigo não apenas a tradição, mas tudo o mais que implica na construção e manutenção de uma pátria decente, digna, inclusiva e igualitária. Em consonância com seu tempo histórico, o poeta de “Apesar de você” lê com olhos atentos e preocupados a situação da nação atirada nas águas turvas da ignorância, do obscurantismo e da estupidez, na iminência de cair, mais uma vez, numa ruptura democrática, como bem disse em entrevista ao programa “Estação Sabiá”, de Regina Zappa, na TV 247, ao lado de Hildegard Angel:  https://www.brasil247.com/cultura/em-entrevista-a-tv-247-chico-buarque-alerta-estao-preparando-um-golpe .  A entrevista foi ao ar no dia 10 de junho. No dia 19, Chico Buarque estava onde todo Artista tem de ir. Daí, precisamos falar (cada vez mais e sempre) sobre Chico Buarque, pois quando o fazemos, falamos sobre o Brasil, sua gente e sua constante luta por dias melhores, negados por aqueles que saqueiam suas riquezas, oprimem seu povo e desdenham da liberdade e do direito de existir.

Mesmo não desejando, Chico Buarque é um exemplo a ser seguido, pela sua hombridade e retidão de caráter, enquanto cidadão e Artista comprometido com sua nação e com seu povo. A “voz rouca” das ruas do último dia 19 reverberou nos ouvidos do país, acordando os ainda dormentes, e atordoando os insones. No próximo dia 03 de julho as manifestações serão ainda maiores. Se Chico Buarque vai, não sabemos. Caso não possa ir, o povo brasileiro estará lá por ele e por todos aqueles, cujas mais de 500 mil vidas foram negociadas, diz-se, por um punhado de moedas. Só assim, amanhã poderá ser outro dia, que há de vir muito antes do que ele pensa.

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