Post-mortem das Eleições: A luta continua, mas não podemos tentar tapar o Sol com a peneira
A Esquerda é minoria, corresponde a cerca de um terço dos eleitores, mas sua militância briga de igual para igual, e isso é impressionante e belo. Ainda assim, o que vale no fim das contas é a urna e não é possível vencer sendo minoria
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Por Jean Goldenbaum
Sim, foi uma das mais intensas eleições dos últimos tempos, e não haveria de ser diferente. Desde que o Brasil elegeu o presidente mais perigoso de sua história, simplesmente um dos líderes do Neonazifascismo mundial, cada passo político no país é um parto. Ou um aborto. Desta vez não foi diferente: guerras baixas de fake news, agressões, apelação e a certeza de que o país continua completamente dividido e de que o povo não compreende o que o que cada candidato representa.
A Esquerda é minoria, corresponde a cerca de um terço dos eleitores, mas sua militância briga de igual para igual, e isso é impressionante e belo. Ainda assim, o que vale no fim das contas é a urna e não é possível vencer sendo minoria.
Não podemos no iludir. As eleições de 2016 começaram a destruir o Brasil e as de 2018 o levaram a uma outra categoria, distópica, extremista, violenta e não-democrática (uma vez que o vencedor encarcerou seu adversário para vencer). E 2020 mostrou pouca alteração no cenário Direita-Esquerda. O “Bolsonarismo raiz” sofreu grande queda? Sim, mas não há motivos para comemorar, afinal quem tomou seu lugar em termos de protagonismo é a “Direita regular” que apoiou Bolsonaro quando convinha fazê-lo e o apoiará novamente (ou algum outro bolsonaro) se mais uma vez convier. É a clássica vitória da elite branca escravista, que mantém a empregada “pagável”, que garante os shoppings e aeroportos “limpos” e, se possível, as universidades também. São os coronéis contemporâneos que garantem que “cada um permaneça seu lugar”.
Não exporei aqui uma análise numérica de dados sobre as concluídas eleições, afinal já o fiz em artigo anterior, logo após o primeiro turno. Naquele texto apresento os resultados obtidos pelos cinco partidos do espectro esquerdista (PT, PDT, PCdoB, PSB e PSOL), que deixam evidentes que este bloco saiu ainda menor do que entrou. Quatro deles perderam juntos centenas de prefeituras e milhares de cadeiras da vereança (com a exceção do PSOL, que numericamente continua irrelevante no cenário nacional, afinal não possui nem dez prefeituras e nem cem vereadores). A vitória de Edmílson é um ganho? Claro que é, mas, não nos iludamos, Belém não altera a agulha da bússola política do país nem para um lado nem para o outro.
Naquele artigo deixei também clara a minha opinião de que a única maneira de salvarmos estas eleições seria o milagre da eleição de Boulos. Não aconteceu, como esperávamos, e a seguir faço breve digressão a respeito deste tema.
A campanha de Boulos e Erundina foi de fato impressionante. Eles acertaram em praticamente tudo, ao meu modo de ver. Falaram de todos os temas possíveis, mostraram seus rostos e vozes pessoalmente, em vídeos, em áudios, foram atenciosos com cada comunidade, cada setor da sociedade. Eu os parabenizo. Boulos se desenvolveu demais e Erundina, obrigado por nos ensinar a envelhecer com tanta vida e força. Mas tudo isso infelizmente não foi suficiente, afinal se você não tem a maioria de apoiadores, simplesmente perderá.
Mas Boulos sai fortalecido? Sim. Ele é uma nova liderança, jovem, ativa, forte, da Esquerda brasileira? Sim. Provou mais uma vez – após 2018 – ser competitivo? Sim também. Mas não podemos nos esquecer que hoje, no amanhecer seguinte às eleições, ele é um homem sem cargo, que perambulará nos próximos dois anos até chegar à imensa e cansativa discussão acerca de quem serão os candidatos a representarem a Esquerda na corrida à Presidência. Esta é a realidade.
E infelizmente preciso também acrescentar que a situação da Esquerda é tão negativa, que Boulos conseguiu a proeza de terminar em terceiro lugar em uma disputa de somente dois candidatos. Sim, vejam: 1° lugar, Covas: 3.169.121 votos; 2° lugar, abstenções/brancos/nulos: 2.769.179 “votos” e 3° lugar, Boulos: 2.168.109 votos. Isso nos traz novamente aos fundamentos de toda essa tragédia social e ideológica em que o Brasil se encontra: a sociedade brasileira é completamente inconsciente politicamente e ignorante eleitoralmente. Deveria ter sido feito um trabalho de base intensivo quando tivemos chances, nos governos do PT? Deveria, e infelizmente foi feito de maneira ineficaz e inconsistente. Mas isso é outra história.
Foquemos no agora. Como caminhamos daqui para frente? Qual é o próximo passo? Bem, só o que podemos fazer no momento é aprendermos com os erros e acertos que cometemos e nos prepararmos para 2022. E as perspectivas não se mostram positivas. A “Direita não-automaticamente-fascista” (mas apoiadora de fascistas quando necessário), grande vitoriosa destas eleições, consolidou suas imensas chances e probabilidades de assumir a presidência em dois anos, afinal eleitores suficientes ela tem. Dito isto, corremos o sério risco de nos depararmos em 2022 com um segundo turno disputado entre a Direita e a Extrema-direita, leia-se Moro, Huck ou algum semelhante, contra Bolsonaro.
E a Esquerda, quem representa? Ah, voltamos à nem tão boa mas já velha conversa da “frente ampla”. É possível? Possível sempre é, mas com os personagens que figuram neste cenário, precisaríamos – de novo – de um milagre. Boulos agora é famoso, vai querer concorrer. O PT não vai aceitar não concorrer, por ser ainda o maior partido de Esquerda do país, e ter obtido resultado satisfatório em 2018. Ciro vai concorrer, porque ele é Ciro. Então, se tivermos três pessoas fortes como Haddad, Boulos e Ciro disputando paralelamente, ficará muito difícil chegarmos ao segundo turno. E mesmo se a frente ampla se concretizar, também é muito incerto. Afinal, os números não mentem.
E tem mais: já pensaram se mais um milagre acontece – precisamos listar aqui todas possibilidades, mesmo as mais improváveis – e Lula se torna legalmente apto a concorrer? Ele ao invés de Haddad alteraria também completamente o cenário, ainda que alguns pensem que o ex-metalúrgico e ex-presidente esteja morto politicamente. Ele não está.
Enfim, estas são as conjunturas em que nos encontramos no momento. Nós, esquerdistas, sofremos o xeque-mate no Brasil? Não, ainda estamos no jogo, mas que reagimos pouquíssimo e não conquistamos praticamente nada desde o fatídico 28 de outubro de 2018, isso também é verdade. O país continua a ser comandado pelos direitistas e ultradireitistas, a Esquerda continua a ser plenamente uma minoria com pouquíssimo poder na mãos, e a luz do Sol continua a não poder ser tapada por uma peneira.
Concluindo, diante da árdua realidade que temos de enfrentar de peito aberto, divido com o caro leitor e a cara leitora o alento de um sábio político de nossos tempos, que ainda nos ensina do alto dos seus 85 anos de idade. Com a palavra, José Mujica:
“Os únicos derrotados são os que cruzam os braços, os que se resignam à derrota. A vida é uma luta e é uma luta permanente, com avanços e retrocessos. Não é o fim do mundo. Portanto, aprendemos com os erros cometidos e recomeçamos. E deve ser permanente. Mas tampouco devemos acreditar que quando triunfamos tocamos o céu com as mãos e que alcançamos um mundo maravilhoso. Não, apenas subimos alguns degraus. Temos de ter humildade do ponto de vista estratégico. Não existe derrota definitiva, nem vitória definitiva.”
Sob o eco das palavras do eterno presidente uruguaio, aprendamos com os erros e recomecemos mais uma vez, afinal isto não somente é necessário, mas é hoje também nossa única e restante opção.
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