Por que só temos duas vacinas em uso até agora?

"O Brasil dispõe de apenas metade do lote inicial de 8 milhões de doses da Coronavac e de metade dos 2 milhões de doses da vacina Astrazeneca/Oxford", escreve a colunista Tereza Cruvinel. "E como o governo e a Anvisa não parecem dispostos a facilitar o uso de outras vacinas, continuaremos nesta miséria vacinal"

Governo federal segue com dificuldades de ampliar o estoque de vacinas
Governo federal segue com dificuldades de ampliar o estoque de vacinas (Foto: Reuters | ANVISA)


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Por Tereza Cruvinel, do Jornalistas pela Democracia

Os Estados Unidos vão se afastando a passos largos da condição de epicentro global da pandemia, enquanto o Brasil, com sua vacinação desastrada, vai se credenciando a substitui-lo. Se aqui o governo Bolsonaro não demonstra a menor pressa em acelerar a vacinação, lá o que vem fazendo a diferença é o empenho do novo governo: o presidente Joe Biden poderá em breve cumprir a promessa de vacinar 100 milhões de americanos nos primeiros cem dias de governo, se for mantida a média diária de vacinação de 1,6 milhão de pessoas por dia.   Com o avanço da vacinação, as médias móveis de mortes e de contaminações nos Estados Unidos  já cairam a um terço de 20 de janeiro para cá.

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No dia da posse de Biden, 20 de janeiro, morreram 4.380 americanos. No último sábado, foram 3. 373, num declínio que tem se mantido constante nas últimas semanas. O mesmo vale para o número de infectados, que em 8 de janeiro tiveram o pico de 300 mil novos casos. Agora eles variam entre 80 mil e 90 mil novos casos diários.

Aqui, o movimento é inverso. Ontem o consorcio de imprensa registrou a maior média móvel de mortes desde o início da pandemia, 1.105.  Quando a quarta-feira de cinzas chegar, teremos atingido as 240 mil mortes e os 10 milhões de casos de infecção.

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Os discursos negacionistas e os maus exemplos de Bolsonaro e outras autoridades federais resultaram no comportamento irreponsável de boa parte da população, tal como estamos vendo neste não-carnaval com festas clandestinas e aglomerações em praias,  uma delas protagonizada pelo próprio presidente da República, no litoral catarinense,  onde  aproveitou para fazer propaganda de seus recentes decretos facilitando o armamento da população civil. A negligência social combinada com o atraso e descaso com a vacinação resultam no galope macabro da pandemia, que agora não mata apenas nas grandes cidades, mas também nas pequenas cidades do interior e até na zona rural.

Até o último sábado, 13, pouco mais de 5 milhões de pessoas haviam recebido a primeira dose de vacina contra a Covid19, o que representa apenas 2,38 da população. Apenas 0,09% receberam a segunda dose.  Neste ritmo, a universalização não ocorrerá mesmo antes de 2024, como já previu a Fiocruz.

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Afora o fato  imperdoável de o governo federal não ter negociado em tempo hábil a compra de vacinas, o passo de cágado acontece também por falta de planejamento e por conta de um conjunto de erros de implementação, que não estariam ocorrendo se o general Pazuello, em sua ignorância sanitária, não tivesse tirado a autonomia operacional do Programa Nacional de Imunizações.

No momento, o Brasil dispõe de apenas metade do lote inicial de 8 milhões de doses da Coronavac e de metade dos 2 milhões de doses da vacina Astrazeneca/Oxford. E como o governo e a Anvisa não parecem dispostos a facilitar o uso de outras vacinas, continuaremos nesta miséria vacinal. Mas por que mesmo o governo dificulta o uso de outras vacinas, para isso acelerar a marcha da vacinação, como fizeram os Estados Unidos e outros países?

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Neste momento,  o Brasil poderia estar fazendo uso da vacina russa Sputnik V, tal como nossos vizinhos Argentina, Bolivia, Paraguai e México e outros 21 países. Poderia também estar utilizando a vacina Pfizer/BionTech, tal como os Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia. Adotada por 36 países, a Pfzer é a vacina mais usada no mundo, atualmente, à frente da Oxford/Astrazeneca (29 países) e da russa Sputnik V (25 países).

Estranhamente, o governo brasileiro nunca se interessou pela efetiva aquisição das vacinas Pfizer e Sputnik, que neste momento poderiam estar reforçando a vacinação, e com isso evitando mortes, contendo a circulação do virus e tirando a força da pandemia, que depois do não-carnaval com outros tipos de aglomeração ganhará novo impulso.

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Em relação à Pfizer, o Ministério da Saúde recusou propostas do laboratório produtor e mentiu ao pais sobre as negociações que sabotou.  Tendo feito a opção preferencial por uma única vacina, a Oxford/Astrazeneca, o  governo federal só engoliu a compra da Coronavac, fruto da parceria entre o Butantã paulista e o laboratório chinês Sinovac, quando se viu no mato sem cachorro, com a cobrança pela vacina em alta e o ministério não tendo nada a oferecer. Além de engolir a "vaxina do Doria", como chegou a dizer Bolsonaro, o governo federal providenciou aquele lote de dois milhões doses da Astrazeneca junto à Indía, só para não explicitar sua dependência do Butantã. Muito esforço em vão, porque o Brasil sabe disso.

O caso da Sputnik V não é menos perturbador.  Se a vacina russa, tal como a Pfizer, vem sendo usada por tantos países, porque não poderia já estar sendo usada aqui? Pensando assim, o Congresso incluiu na MP 1003 o dispositivo ampliando de 4 para 9 as agências sanitárias estrangeiras que passariam a ser referências para o país. E estabeleceu que as já vacinas aprovadas por uma delas poderiam ser usadas emergencialmente aqui, mediante aprovação pela Anvisa no prazo de 5 dias. Se tal previsão virasse lei, o problema passaria ser apenas o de comprar as doses. Ainda que Pfizer não pudesse mais nos atender, a Sputinik poderia ser imediatamente fornecida , e começaria a ser produzida aqui mesmo, no Distrito Federal, pela empresa Uniâo Química, sediada no Polo JK.

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Mas o que fez o governo? Primeiro espalhou que o Congresso só aprovara a apelidada "MP dos cinco dias" para atender ao lobby da União Química, que estaria sendo feito por seu diretor internacional, o ex-deputado Rogerio Rosso, a seu tempo ligado ao Centrão.

Em seguida, o presidente da Anvisa, Barra Torres, foi a Bolsonaro pedir o veto às determinações do Congresso, alegando que o prazo de cinco dias violava a autoridade técnica da agência. E como Bolsonaro deve atendê-lo, divulgando o veto em breve,  não teremos a curto prazo a autorização para uso emergencial da Sputnik nem dequalquer outra vacina.

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Ouvi o próprio Rosso sobre isso:

- Sou diretor internacional da União Química desde 2019 mas inventaram que agora virei lobista da Sputnik V. É obvio que um país que já perdeu mais de 230 mil vidas para a Covid19, um país onde há algumas semanas mais de mil pessoas morrem todos os dias, está precisando de todas as vacinas. É obvio que,  por seu atraso na vacinação, o Brasil não sairá de sua situação atual com o uso de apenas uma vacina, até porque, diante da demanda, há restrições na oferta. Tentei mostrar às autoridades, tanto do Executivo como do Legislativo, que a União Quimica está plenamente capacitada para começar a produzir logo a Sputnik V aqui no Brasil, somando-se ao esforço que precisamos fazer. Se brigar pela urgência da vacinação é ser lobista, isso não me incomoda. O que me incomoda mesmo é a criação de barreiras desnecessárias enquanto as pessoas continuam morrendo e o sistema de saúde vai se aproximando de seu limite de atendimento - disse Rosso.

Ontem a Anvisa informou que fará uma visita de inspeção à fábrica da vacina Covaxin (produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotech e representada no Brasil pela Precisa Farmacêutica) entre os dias 1 e 5 de março, e à fábrica da União Química, que produzirá a Sputnik, entre os dias 8 e 12 de março.  A partir de tais visitas poderá ser concedido às fabricantes o certificado de "boas práticas", um primeiro passo para a aprovação do uso emergencial dos imunizantes.

Se este é o primeiro passo, podemos bem imagimar que não virá tão cedo a aprovação do uso emergencial das duas vacinas. Continuamos assim dependendo da relação tumultuada entre o Ministério da Saúde e o Butantã, por conta das refregas entre Bolsonaro e o governador tucano João Dória, para a obtenção de mais doses da Coronavac, e do início da produção da Astrazeneca pela Fiocruz, esperado para o final de março.  

Diante de tudo o que o governo faz para dificultar o uso de outros imunizantes, não há como não nos perguntarmos: existem interesses obscuros nesta questão ou apenas o impulso necrófilo de Bolsonaro para que a mortande continue?

Nesta altura, quando mais danosa a pandemia, melhor para seu discurso de candidato em 2022: "preciso ser reeleito por que a pandemia  quebrou a economia e não me deixou governar". E haverá quem caia novamente na lábia do genocida.

Como já entendemos, Bolsonaro lamenta muito mais os efeitos econômicos dos que a mortandade trazida pela pandemia.

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