Por que o petróleo ainda é uma mercadoria especial com enorme poder estratégico e geopolítico?
As rendas petrolíferas produzem excedentes colossais disputados entre governos e corporações em todo o mundo
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É importante identificar que o petróleo se tornou uma mercadoria especial que deu contorno ao capitalismo que conhecemos. O petróleo foi se tornando ao longo e a partir do século XX, um elemento dinamizador do capitalismo histórico, do desenvolvimento da indústria e da geração dos excedentes com enorme contribuição para essa etapa da hegemonia das finanças no capitalismo contemporâneo.
O petróleo é responsável pela produção de mais de 3 mil outros produtos e tem seu preço vinculado basicamente à demanda e não ao custo de produção. O petróleo é a mercadoria lícita mais rendosa do comércio internacional (Klare, 2016). O petróleo usa a si próprio como fonte de energia para o seu transporte.
O valor de uso do petróleo se transforma em valor de troca quando o petróleo, para ser comercializado, se transforma em mercadoria. Estima-se que 40% de todo o petróleo produzido no planeta seja hoje exportado e comercializado nos mercados mundiais, enquanto os demais 60% são consumidos pelos próprios países produtores.
Esse volume expressivo de petróleo que é comercializado mundo afora, entre nações produtoras, beneficiadoras (refino) e consumidoras, hoje equivale a cerca de 40 milhões de barris por dia. Negócios que exigem uma logística enorme que envolvem tradings, além de petroleiras estatais e privadas, armadores e donos de navios e concessionários de terminais portuários. Esses agentes usam em boa parte, milhares e gigantes navios petroleiros, já que cerca de 2/3 do mercado mundial, depende desse meio de transporte de óleo cru, derivados e/ou combustíveis. O restante se utiliza de pipelines (oleodutos).
Alteram-se os fluxos de petróleo e derivados, mas não o volume comercializado
No caso do gás (irmão gêmeo do petróleo), a logística de transportes se utiliza também dos dutos (gasodutos), no comércio entre continentes, ou usa o gás GNL (LNG), através de navios-gaseiros para o transporte, sob a forma líquida do gás, com alta pressão e baixa temperatura. Aliás, hoje são exatamente os ramais de gasodutos que estão no centro dos questionamentos geopolíticos (dependência) das crises políticas entre nações, entre elas a que motivou o conflito EUA-OTAN x Rússia (na Ucrânia) que se escala, entre sanções financeiras e de comércio que envolve esta mercadoria especial como uma das razões da guerra.
Em meio ao negócio de venda e compra de petróleo e derivados pelo mundo, há alterações nas direções destes fluxos, a partir do conflito EUA-OTAN x Rússia, porque os americanos e russos estão entre os maiores produtores mundiais, enquanto o restante dos países da OTAN estão entre os maiores importadores (petróleo, gás e derivados).
Com as sanções ocidentais da OTAN contra a Rússia, ela passou a mirar mais a Ásia (China e Índia) como grande mercado consumidor - e alternativa - para fugir do embargo. Desta forma, agora cem dias depois do início do conflito na Urcânia, a Rússia está voltando a exportar o extraordinário volume de cerca de 8 milhões de barris diários de petróleo, similar ao que fazia antes de espoucar a guerra.
O fluxo marítimo de petróleo da Rússia para a Ásia cresceu cerca de 50% em relação ao início de 2021. A UE tenta buscar alternativas na África, Oriente Médio (OM) e mesmo os EUA, para substituir a Rússia como fornecedora. A Índia como grande importadora (e com suas enormes refinarias) é parte importante destes fluxos, que hoje passam a ser mais de origem da Rússia que do OM, onde o Irã, outro grande produtor, também sofre pressões por conta das sanções que sofria dos EUA e tinha uma alternativa na China.
São mudanças comerciais e políticas decorrentes das injunções geopolíticas. Porém, esses dados mostram como a dimensão das sanções financeiras e comerciais alteram a direção dos fluxos (origem e destino), mas não os seus volumes e a dependência estratégica e geopolítica do petróleo e da energia.
Mais elementos da especificidade do petróleo como mercadoria símbolo do capitalismo
Um dos fatores da especificidade do petróleo é que ainda hoje ele tem dificuldade para ser substituído (em larga escala), em vários dos usos diretos e/ou dos seus subprodutos, justificando a grande demanda que se mantém na sociedade contemporânea.
O debate sobre as eventuais substituições, diretas ou indiretas (na maioria das vezes), está mais vinculado às expectativas de inovações e desenvolvimentos tecnológicos. Essas substituições já começaram a ocorrer, mas para um uso amplo, elas ainda dependem de muitos fatores e do tempo maturação de outras pesquisas, além de toda uma conjuntura que necessitam até se tornarem alternativas reais. Em situações extremas e de guerra, como atualmente, até o carvão volta a ser usado, a energia nuclear, etc.
O petróleo como recurso natural foi um produto relativamente barato de produzir até o ano 2000, quando, paulatinamente, as suas reservas foram ficando mais escassas e se tornando um produto cada vez mais estratégico e intensamente disputado. As nações produtoras são constantemente alvo de pressões e golpes e isso ficou mais claro quando o Brasil chegou às colossais reservas do pré-sal. [1]
O petróleo é um bem de consumo e, em consequência disso, torna-se uma mercadoria que possui valor de uso e valor de troca. O valor de uso se transforma em valor de troca quando o petróleo, para ser comercializado, se transforma em mercadoria. O petróleo gera a renda petroleira (equivalente à renda da terra) que vai se multiplicando na extensão desta longa cadeia produtiva com enorme capacidade de arrasto para outras atividades econômicas. As rendas petrolíferas produzem excedentes colossais disputados entre governos e corporações em todo o mundo.
O petróleo é ainda uma mercadoria especial porque tem imenso poder sobre a geopolítica, que pode ser vista — de forma resumida — como o poder de algumas nações sobre outras. Poder que leva a conflitos, golpes, ocupações e guerras, entre outras coisas, sendo, ainda, a gênese das vantagens militares que determina controles sobre povos e soberania. Uma forma de poder que esteve sempre presente vinculado à construção de hegemonias que assistimos no capitalismo contemporâneo.
PS.: Análise sintética atualizada, mas retirada, boa parte, em sua gênese, do capítulo 1 “O petróleo e suas múltiplas relações” da tese do autor: “A relação transescalar e multidimensional Petróleo-Porto como produtora de novas territorialidades”, defendida em março de 2017, no PPFH-UERJ. Disponível Banco de Teses da UERJ: https://www.bdtd.uerj.br:8443/handle/1/14805
Referência:
[1] Artigo do autor em seu blog, 27 de maio de 2022. PESSANHA, Roberto Moraes. Soberania x dependência: história mais recente da Petrobras vista a partir do petróleo como fração do capital.
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