Por que o Brasil não deslancha?
A empresa industrial pede estratégia, desenvolvimento de produto, logística e gestão da produção, além de tecnologia de fabricação
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Na economia globalizada, sob o império do capitalismo monopolizado e o reino do sistema financeiro, condicionada por acordos tarifários e comerciais e o protecionismo imposto pelos grandes mercados consumidores, além da guerra entre blocos, a indústria nacional precisa de estratégia, desenvolvimento de produto, logística e gestão da produção --além de tecnologia de fabricação.
É a conditio sine qua non para um mínimo de competitividade, mesmo no mercado interno. Mas, no Brasil, o desenvolvimento cientifico e tecnológico é relegado a segundo plano pelas chamadas elites, especialmente as empresariais, com impacto nas políticas governamentais, descontínuas, à míngua de estratégia.
Assim, quando o desafio da economia do desenvolvimento é dominar a tecnologia de ponta nos setores industriais, quando os insumos principais deixam de ser bens físicos e cedem lugar ao trabalho intelectual, ao conhecimento, quando a mão-de-obra barata e farta deixa de ser fator decisivo na composição do preço, a produtividade, de que decorrem os ganhos de mercado, torna-se o resultado da equação tecnologia-mão de obra qualificada (leia-se conhecimento).
É bastante conhecer as transformações que se operam, por exemplo, na produção industrial da China e da Índia. A polaridade subdesenvolvimento versus desenvolvimento cede espaço à disjuntiva dominante versus dominado, a saber, mundo produtor de tecnologia versus mundo dependente de tecnologia (os novos subdesenvolvidos).
A economia e a política hegemônicas são a economia e a política ditadas pelos países altamente industrializados, distinguidos pelo conteúdo tecnológico de seus produtos, e a tecnologia cada vez mais se torna estratégica e decisiva tanto para a economia quanto para as políticas de poder que determinam a geopolítica e as estratégias de blocos e guerras, imperialismo, dominação e tudo o mais.
É assustador que o Brasil, um dos maiores territórios do mundo com população de 200 milhões de habitantes, participe com apenas 1,4% da produção mundial científica em engenharia. A Coreia do Sul, devastada pela guerra nos anos 50 e hoje com população que é um quarto da nossa, responde por 4,5% desse mesmo total; nas áreas de engenharia elétrica e eletrônica e em engenharia mecânica, a produção coreana é quatro vezes maior que a do Brasil.
Não há milagres, nem o atraso é determinismo. Simplesmente não há desenvolvimento sem aumento da produtividade, que, hoje mais do que nunca, depende da produção e aplicação do conhecimento. Nessa sociedade a inovação é sistêmica, contínua, correndo mesmo à frente das demandas de mercado, o que requer estoque de conhecimento e capital. Quanto mais o mundo se globaliza, mais se tornam importantes os mercados consumidor e produtor nacionais como demonstram os exemplos contemporâneos dos EUA e da China.
O Brasil dispõe de quase tudo o que requer o desenvolvimento econômico e a soberania – território, mercado consumidor em expansão, recursos naturais, população, e estabilidade institucional. Por que a coisa não funciona? A industrialização cobra de seus agentes alta tecnologia/inovação que, por seu turno, depende de uso intensivo de capital e de recursos humanos qualificados. E investimentos em pesquisa, de que o empresariado nacional se afasta como o diabo da cruz.
Aqui, contrariando a trajetória dos países que deram certo, nosso desenvolvimento científico e tecnológico está restrito às universidades públicas e nelas aos cursos de pós-graduação, que produzem milhares de dissertações e teses, mas tem pouquíssimas patentes depositadas no exterior. Entre as 20 maiores instituições depositárias de patentes, cinco são universidades públicas.
Os pesquisadores que atuam em pesquisa e desenvolvimento estão nas universidades. Por quê?
Porque a empresa brasileira não os absorve, porque não investe nem em pesquisa científica nem em inovação, em contraste com o mundo desenvolvido, onde cabe ao setor produtivo privado a fixação de pesquisadores no setor industrial. Essa, a primeira distorção. A segunda, dela derivada, é o fato de a pesquisa, no Brasil, desviada para a vida acadêmica, descolar-se de qualquer projeto de desenvolvimento nacional estratégico.
Enquanto exportamos minério de ferro para importar trilhos da China, chegamos, em 2006, a publicar 35 mil dissertações e 10 mil teses, mas sem qualquer correspondência no registro de patentes. Nosso investimento em CTI em relação ao PIB é de três a cinco vezes menor do o de qualquer país à nossa frente. Há estreita relação entre os investimentos empresariais e o volume de patentes registradas, e esse fato não temos como superar.
A comunidade universitária desenvolve suas pesquisas com ênfase na produção acadêmica, quase sempre dirigida pela linha das revistas científicas internacionais. A Academia produz a partir de seu foco, pois não conhece as prioridades nacionais. E as temos? São poucos os cientistas e pesquisadores brasileiros trabalhando em empresas.
Nos EUA, 80% dos pesquisadores estão em empresas e só 15% em instituições de ensino. Na Coréia e no Japão, 75% estão no setor privado. Na Alemanha, 75% dos cientistas trabalham nas indústrias, 18% nas universidades e 10% no governo. No Brasil, o percentual de cientistas e engenheiros trabalhando diretamente nas indústrias é de apenas 10%.
A universidade, assim, se vê na contingência de formar o cientista e ter de recebê-lo de volta, para a atividade docente, porque o mercado privado não o absorve. Essa distorção teria evidente correspondência na formação de nossos profissionais. O caso das engenharias é exemplarmente lamentável. O Japão possui 17 engenheiros para cada 100 mil habitantes, os EUA 9,5 e a China 13,8.
Temos apenas 2,8 engenheiros para cada 100 mil brasileiros. Em 2011 formamos 45 mil engenheiros, a Coréia, 80 mil, com seus 49 milhões de habitantes. No mesmo período, 60% dos engenheiros americanos com doutorado trabalhavam em empresas; aqui, 2%.
O Brasil possui somente 60 mil cientistas, um para cada três mil habitantes, 20% do que carece. Já os EUA apresentam um milhão de cientistas, um para cada 300 habitantes, ocupando o 42% lugar no ranking de uso de tecnologias.
Talvez tudo isso explique o fato de 40% das exportações brasileiras serem commodities primárias de baixo ou nenhum valor agregado, e só 18% produtos de média e alta intensidade tecnológica, contra 46% da China. Nosso quadro é o inverso dos desenvolvidos.
Não pode ser grande a expectativa de reversão do quadro, pois a crise econômica estimula o antipioneirismo e o rentismo de nossos empresários, que preferem pagar royalties a investir em pesquisa. De outra parte a clamorosa e crônica crise do ensino, em todos os graus, e a destruição da escola pública de segundo grau: temos escolas do século XIX, professores do século XX e alunos do século XXI, espantados.
O PISA mensura o desempenho em leitura, matemática e ciências de estudantes de 15 anos em todo o mundo; em 2009, o Brasil ficou em 57º lugar!
O País avançou na democratização da universidade e abriu o acesso a milhões de jovens. Não obstante o crescimento das matrículas das escolas públicas nos dois governos Lula, o fato é que apenas 15% do alunado superior estuda, hoje, em universidades públicas. Na Grande São Paulo, o ensino privado chega a absorver 93% do alunado universitário, 56% dos quais são cotistas. Ocorre, e eis a tragédia, que o ensino universitário privado é, no geral, de baixa qualidade, pouco investe em cursos técnicos e não investe em pesquisa.
A universidade brasileira, como um todo, não conhece a cultura da inovação. Se conhecimento gera conhecimento, a ignorância nada gera; se tecnologia gera tecnologia, sua ausência é o atraso.
Artigo publicado originalmente na Carta Capital
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