Por que não fomos ao Ato no TUCA?
"É a discussão das diferenças de programa e de projeto que ilumina as diferenças sobre a tática para derrotar Bolsonaro, e não o contrário", escreve o colunista Valério Arcary. A questão do programa "é central para que a estratégia de um governo de esquerda seja, historicamente, possível. Ela nos remete ao tema da ruptura. Não há perspectiva de um governo de esquerda se não nos prepararmos para ela", avalia
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A crise da esquerda remete a uma questão: qual deve ser a estratégia? A estratégia deve responder à questão das questões: qual é o caminho do poder? Como abrir o caminho para um governo de esquerda e, para fazer o quê? Três desafios se colocam. A tática, o projeto, e o programa. É a discussão das diferenças de programa e de projeto que ilumina as diferenças sobre a tática para derrotar Bolsonaro, e não o contrário.
O primeiro passo é a escolha da melhor tática para derrotar Bolsonaro. Não é simples. Há, neste momento, três táticas em disputa na oposição. A tática quietista, a tática da ofensiva, e a tática da frente única da esquerda. A tática quietista defende aguardar o calendário eleitoral, se preparar para a eleição das Prefeituras de 2020, e esperar 2022. A tática da ofensiva defende partir, agora e já, para ações semi-insurrecionais, como a greve geral pelo Fora Bolsonaro. A tática da frente única de esquerda defende construir a resistência de massas, acumular forças, e preparar as condições para derrubar Bolsonaro nas ruas ou, se não for possível, derrotá-lo nas eleições.
A tática quietista faz a aposta que o terreno mais seguro de disputa será eleitoral. É abraçada por aqueles que consideram que o eixo do projeto deve ser a defesa do regime democrático-liberal da Constituição de 1988, e só uma Frente de centro-esquerda poderá vencer as eleições em 2020 e em 2022.
Ela responde ao cálculo de que a tática de derrubar Bolsonaro coloca em risco o regime. Alguns abraçam a tática quietista, de ficar quieto e esperar, porque temem a situação que poderá se abrir pela radicalização de mobilizações permanentes para interromper o mandato de Bolsonaro. Outros porque temem a possível reação violenta de Bolsonaro, e de setores das Forças Armadas, se descobrirem que estão encurralados. Ou seja, alguns têm medo do que virá se explodir um novo “Junho de 2013”, só que agora contra Bolsonaro. Outros têm medo de um giro bonapartista autoritário de Bolsonaro, um autogolpe, com marchas verde-amarelas nas ruas como em março/abril de 2015/16.
Mas todos estão firmes contra o projeto de um governo de esquerda como resposta aos desastres provocados por Bolsonaro. Trata-se da defesa de um governo de centro-esquerda unindo, finalmente, setores do PSDB dissidentes de Dória e setores republicanos socialdemocratas do PT, que considere as aspirações de Ciro Gomes. Eles reuniram-se no TUCA em São Paulo na segunda feira dia 2 de setembro. Por tudo isso é que não se ouviu Lula Livre no TUCA. Porque defendem o regime, e não as liberdades democráticas. Não há democracia pela metade. Não se pode falar sobre liberdades democráticas no Brasil sem defender Lula Livre. Por isso o Psol não esteve presente.
A tática da ofensiva permanente só tem coerência intelectual para aqueles que ignoram o terrível impacto das derrotas acumuladas pelos trabalhadores. Não foi somente a direção do PT que foi derrotada com o impeachment de Dilma Rousseff, a prisão de Lula e a eleição de Bolsonaro contra Haddad. Essa é a dimensão superestrutural do processo. Infelizmente, abriu-se uma situação reacionária. A classe trabalhadora sentiu, também, duramente, o peso das derrotas. E numa relação social e política de forças ainda tão desfavorável a tática da ofensiva, na forma da defesa permanente da convocação da greve geral, ignora que o dia de greve geral em Junho foi muito parcial. Responsabilizar, exclusivamente, as direções sindicais burocratizadas pela fragilidade do dia nacional de greve é um balanço descolado da realidade, e pouco honesto, como sabem todos os militantes sérios que estiveram engajados na sua construção.
A tática da frente única de esquerda deve ter como projeto a luta por um governo de esquerda. A esquerda deve abraçar como premissa a mobilização dos trabalhadores e dos seus aliados oprimidos para construir nas ruas uma muralha contra o governo Bolsonaro, e preparar as condições para um movimento como foram as Diretas Já contra Figueiredo. Mas seria desastroso a esquerda construir as mobilizações de oposição a Bolsonaro nas ruas para abrir o caminho para a centro-esquerda nas eleições. A esquerda não pode perder a sua independência política. Portanto precisamos discutir o projeto. Repetir a experiência dos governos Lula ou Dilma? Procurar inspiração no Uruguai, na Bolívia, ou na Venezuela? Ou nosso projeto deve ser a revolução brasileira?
As dificuldades são imensas em função da fragmentação, dispersão, e confusão política. Um bom ponto de partida é reconhecer que estamos diante de uma desorientação estratégica. A reorganização da esquerda vai exigir uma superação do quadro atual. Alguns milhares abraçam a causa feminista. Outros a causa do movimento negro, ou a LGBT, ou a ambiental. Há aqueles que lutam nos sindicatos pela defesa dos direitos ameaçados, aqueles que resistem às privatizações. Há o movimento dos estudantes, a causa da defesa da Universidade pública, ou da saúde pública. Há os militantes das mídias alternativas, e os organizadores das marchas pela legalização da maconha. Estamos diante de uma hemorrágica pulverização. Mas são poucos os que militam em partidos e organizações políticas. Por quê? Porque a velha estratégia foi derrotada.
A estratégia conhecida como projeto democrático e popular se esgotou. Quando formulada, originalmente, ela consistia em chegar ao poder com Lula através de eleições apoiado em mobilização dos trabalhadores e do povo. Se seria respeitando ou não os limites institucionais do regime político que surgiu da Constituição de 1988, para iniciar um processo de reformas progressivas, era algo indefinido. Quando, como e por que o PT no governo rompeu ou não com a estratégia do V Encontro de 1987 é um tema polêmico interessante, mas que hoje deve ser considerado um debate de tipo histórico. Imaginar que se pode reeditar a velha estratégia unindo o Lula Livre com a fórmula Lula 2022 é uma ingenuidade. A história demonstrou, cruel e irrefutavelmente, que não é possível com “paz e amor” transformar o Brasil. A classe dominante se dobrou diante de Bolsonaro.
A questão do programa, portanto, é central para que a estratégia de um governo de esquerda seja, historicamente, possível. Ela nos remete ao tema da ruptura. Não há perspectiva de um governo de esquerda se não nos prepararmos para ela. A luta por reformas exigirá disposição revolucionária.
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