Por que estamos ficando insensíveis?
Mesmo que a cada dia morram três acidentes aéreos em número de vítimas da Covid-19, a sensibilidade não nos é a mesma, porque o que vem à mente são pessoas no hospital
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A cada semana, são vistos mais e mais caixões acumularem-se nos cemitérios de Manaus, hoje uma das cidades mais atingidas do Brasil, e a sensação de insensibilidade cresce na medida em que números e mais números vão se acumulando diante de nós sem que haja muito o que fazer. Exceto, claro, o que já vem sendo feito, isolamento social, uso de máscaras, higienização das casas e objetos etc. Dado o fator da insensibilidade dos números, este espaço de discussão gostaria de conjecturar outros dois, que tornam a falta de empatia ante os atingidos pelo coronavírus (até que a doença nos bata à porta) um problema para que se intensifiquem e cresça a adesão às medidas preventivas, sabidamente sacrificantes.
A primeira, trata-se de uma doença, o que no pensamento coletivo é tido como uma forma “aceitável” de se morrer, ou seja, “parte natural do ciclo da vida”. Coloca-se aí todas as aspas possíveis, frisando-se ser uma possibilidade de pensamento pela maioria das pessoas e da qual possivelmente não estejamos livres, visto ser esta reflexão principalmente um exercício de autocrítica, e não uma defesa feita por este espaço de discussões.
Sendo assim, quando ocorre um acidente aéreo, ninguém imagina a naturalidade de uma pessoa entrar num avião para fazer uma viagem e terminar carbonizada ou perdida no oceano, tendo como última imagem de sua vida uma cadeira apertada dentro de uma cápsula em forma de charuto, chacoalhado em meio ao desespero coletivo, aos gritos e choros de bebês. Isso após ter se despedido da família normalmente, ao entrar inocentemente numa fila para o portão de embarque de um aeroporto. É o filme que passa na nossa cabeça quando imaginamos um acidente aéreo.
Contudo, mesmo que a cada dia morram três acidentes aéreos em número de vítimas da Covid-19, a sensibilidade não nos é a mesma, porque o que vem à mente são pessoas no hospital, ou sem atendimento numa fila do sistema de saúde, algo que nos é semioticamente associável à ideia da morte. Se em um leito de hospital com toda a atenção médica, é a rigor a segunda entre as melhores possíveis, apenas perdendo para a ideia de se “morrer dormindo aos 90 anos e acordar no céu”, como ocorre a algumas pessoas. Se numa fila de espera, uma fatalidade associada à pobreza e às mazelas sociais do país. Nada com que já não convivamos.
Não importa o quanto nos conscientizemos, o grau de informação que tenhamos, para a maior parte de nós essa diferença de imaginário vai estar presente ao compararmos inconscientemente um acidente aéreo e uma epidemia.
A segunda delas, porém, é mais grave. Atravessamos um mês de março e metade de abril chocados com as imagens de caixões carregados por caminhões do exército em Bérgamo, na Itália, e vemos com indiferença as valas comuns de Manaus. Pelo mesmo motivo, choramos o incêndio na Notre Dame de Paris e passamos relativamente apáticos pela destruição do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Rodeamos nossas TVs quando dos ataques ao jornal Charlie Hebdo em Paris, em 2015, mas deixamos passar os assassinatos do shopping center de Nairobi, dois anos antes. Isto é, há uma diferença qualitativa entre o que ocorre na Europa e nos Estados Unidos, comparado aos demais continentes, inclusive o nosso próprio, inclusive o nosso país.
O risco de a classe média sentir-se segura à medida em que for percebendo que essa doença faz mais vítimas entre os mais pobres é muito grande. E assim pode haver uma falsa sensação de segurança na medida em que se notar que os índices de contaminação se dão mais em comunidades onde a aglomeração é inevitável, que a priori os leitos que vão faltar são os da rede pública etc. Se a Covid-19 passar ao largo da nossa Bérgamo e vitimar a nossa Nairobi, é possível que nossa sensibilidade seja na mesma proporção de quando cada dessas cidades reais sofreu pelo mesmo massacre que ora cerca as metafóricas, aqui referenciadas.
Claro, apontar esses problemas não significa dizer que todos os brasileiros cometam o mesmo erro. Entretanto, é importante, ao tentarmos compreender em que estamos errando, inscrever-se no erro, utilizando-se da primeira pessoa do plural, nós, para que a argumentação não tome formas de um ataque aos interlocutores, o que dificulta a reflexão e a tomada de decisões. Portanto, o leitor que não se imaginar nesse conjunto de ideias, que ajude mais pessoas a ter esse grau consciência e empatia. Assim igualmente os que se identificarem parcialmente.
O que é fato é que, a partir dessas proposições, e de outras que venham à mesa, podemos pensar o que fazer para que saiamos desse cenário em que poucos aderem totalmente às normas de higiene e isolamento social, alguns parcialmente, variando uns mais outros menos, e haja ainda aqueles que os ignoram completamente.
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