Por que é tão difícil respeitar os outros países?
A última declaração veio do chefe do Comando Sul dos Estados Unidos, Craig Faller, que disse que a China é “o maior credor da Venezuela e culpada pelas dívidas que fazem sofrer o povo venezuelano”
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Recentemente os Estados Unidos têm feito ataques sistemáticos à China, muitos dos quais infundados, simplesmente relacionados ao interesse geopolítico e econômico em fragilizar e desestabilizar a potência emergente do leste e o multilateralismo que ela, hoje junto à Rússia, propõe, sobretudo em benefício dos países mais pobres. Em um caso, segue o incentivo a iniciativas desestabilizadoras de uma minoria em regiões recentemente incorporadas, como Hong Kong e Taiwan, sendo esta última a mais grave, visto os norte-americanos terem vendido armas às forças militares geridas pelo governo local, as quais a China considera ilegais. No que mais interessa ao bloco latino-americano, sobressaem as declarações de agentes de Estado americanos atribuindo à China a responsabilidade sobre a crise venezuelana, ao dar apoio ao presidente legítimo Nicolás Maduro, quem eles querem derrubar.
A última declaração veio do chefe do Comando Sul dos Estados Unidos, Craig Faller, que disse que a China é “o maior credor da Venezuela e culpada pelas dívidas que fazem sofrer o povo venezuelano”. A questão não é simples nem maniqueísta como Faller faz parecer, visto que a Venezuela só deve à China porque os demais países, sobretudo os que estão na esfera de influência dos Estados Unidos, impõem ao país sul-americano um bloqueio comercial digno daquele que força Cuba à escassez há décadas.
Em resposta ao agente americano, o Ministério das Relações Internacionais da China, por meio de seu porta-voz, Geng Shuang, posicionou-se afirmando que trabalha em modelo de cooperação entre os países, principalmente com aqueles cuja economia depende de relações multilaterais para desenvolverem-se. Neste caso, o ministro reforça a ideia de que a China é um agente benéfico para todo o chamado 3o mundo, porque permite às nações uma alternativa ao “grande capital” baseado nos Estados Unidos, na União Europeia e no Japão, mas comandado mesmo da ilha de Manhattan, em Nova York.
Fugindo à habitual conciliação chinesa, um marco nas relações internacionais do país desde os tempos imperiais, a chancelaria afirmou que os norte-americanos visam a instaurar no mundo uma nova “doutrina Monroe”, fazendo referência à defesa feita pelo presidente James Monroe, no século XIX, de uma “América para os americanos”, sendo o continente, nesta frase, referente a todo o território continental e o gentílico, apenas aos estadunidenses. Em outras palavras, os Estados Unidos deveriam ser soberanos sobre o continente e as demais nações lhes deveriam servir, tal como a Indochina à França e à Inglaterra e a África às duas primeiras, mais Portugal, Bélgica e Alemanha.
O velho colonialismo do século XIX tem mostrado a cara nesse princípio de século XXI, e o governo chinês vem denunciando isso há alguns anos, embora tenha também que se policiar para não incorrer nele, visto ser um dos principais investidores no desenvolvimento de outros países. O mesmo vale para a Rússia. Da parceria para a exploração é um passo. A iniciativa Cinturão e Rota gera grande esperança por um mundo multipolar e de crescimento conjunto, mas pode, sim, se desviar de seu objetivo inicial no curso do tempo. Caberá aos líderes chineses e seus parceiros em outros países manterem o caráter de fraternidade proposto pelo programa.
Tais fatos somam-se a outros, que tornam cada vez mais profética a conclusão do ex-ministro americano Henry Kissinger, em seu livro “Sobre a China”, de que o cenário internacional, com a ascensão dos chineses, se aproximaria daquele da Europa no século XIX quando da ascensão da Alemanha para fazer frente à Inglaterra. A emergência da China como alternativa aos Estados Unidos gera um novo quadro de tensão internacional pela disputa de mercados, que nada mais são do que as modernas “colônias”. As consequências práticas são percebidas em movimentos de Guerra Fria que mexem nas feridas chinesas e não têm outro objetivo que não criar um caldo de mal-estar político, caso do incentivo midiático ocidental aos protestos em Hong Kong ou, muito pior, a venda de armas a Taiwan.
Do mesmo modo que Taiwan é uma ilha chinesa, separada por muitos anos de seu país por consequência da guerra civil dos anos 1940 e da ação das potências ocidentais para manter o moribundo governo autoritário de Chiang Kai-Shek, não devendo ser tema de ação internacional de países distantes como os nossos, a Venezuela igualmente tem seus problemas internos, os quais devem ser solucionados por sua própria população. Quando os países estrangeiros resolvem intervir economicamente, impõem sofrimento à população, não aos governantes.
De certa forma, é isso que a China tenta mostrar às potências ao estender sua mão a um país em crise, sabendo que também tem os seus problemas e não pede do mundo nada além de respeito, para que seu próprio governo encontre suas soluções.
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