Por que a teoria da conspiração sobre Trump e Rússia não irá embora

Investigação sobre as acusações de que a campanha trumpista trabalha com o governo russo expõe a cínica colaboração entre os oponentes de Trump e o FBI

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Corram para Salvar as Suas Vidas - Run for Your Lives – arte de Mr. Fish (Foto: Mr. Fish)


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Originalmente publicado no The Chris Hedges Report. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247

Não existe um relatório, uma investigação ou uma nova revelação, incluindo a recente publicação do “Relatório sobre Questões Relativas às Atividades e Investigações de Inteligência Surgidas das Campanhas Presidenciais de 2016” do Conselheiro Especial John Durham, o qual implodirá o mito de que a Rússia foi responsável pela eleição de Donald Trump. Mitos são impérvios a fatos. Eles preenchem um anelo emocional. Eles são um curto-circuito da realidade, num mundo de simplicidade pueril. Questões difíceis e dolorosas são evitadas. Clichês que acabam com pensamentos são cuspidos para abraçar alegremente uma ignorância desejada.

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A vigarice cínica que o Partido Democrata e o FBI executaram para retratar falsamente Donald Trump como uma marionete do Kremlin, funcionou e continua a funcionar, porque é o que aqueles que detestam Trump querem acreditar.

Se a Rússia for culpada pela eleição de Trump, nós evitamos a desagradável realidade das nossas falidas instituições democráticas e o nosso império decadente. Nós evitamos enfrentar a inevitável ascensão do fascismo cristianizado que nasceu a partir do empobrecimento, da ira, do desespero e do abandono generalizado. Nós evitamos o reconhecimento da cumplicidade do Partido Democrata na orquestração da maior desigualdade social da história da nossa nação, a evisceração das nossas liberdade civis básicas, das guerras sem fim e de um sistema eleitoral financiado pela classe bilionária – o que é suborno legalizado. O mito nos permite acreditar que os políticos Democratas, bem como os Republicanos do establishment que se juntaram a eles, são os fiadores de uma democracia que eles destruíram.

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A nossa realidade é sombria e assustadora, especialmente dada a recusa abjeta dos oligarcas dominantes para tratar seriamente com a emergência climática. Nós enfrentamos um futuro precário. A tarefa monumental de restaurar a democracia fora dos confins de um sistema eleitoral violado e instituições contratadas por corporações é assustadora e não é garantida. Nós estamos na cúspide da tirania. Culpar Vladimir Putin pelo surgimento de um demagogo estadunidense – os demagogos sempre são vomitados por sistemas políticos disfuncionais – faz o dilema existencial desaparecer magicamente.

Durante a saga Trump-Rússia, as mídias liberais – incluindo o The New York Times e o Washington Post, que compartilharam um Prêmio Pulitzer em 2018 por reportar sobre a alegada influência russa durante a eleição de 2016 – proveram milhares de estórias e reportagens que retratavam falsamente o governo Trump como uma ferramenta da Rússia. Os seus leitores, assim como os espectadores da CNN e da MSNBC, foram alimentados com um mito confortador. Quando se alimenta o público com mitos confortadores – o mais absurdo sendo que os EUA são uma nação boa e virtuosa – não existe responsabilização. Os mitos nos fazem sentirmo-nos bem. Os mitos demonizam aqueles que são culpados pelos desastres criados por nós mesmos. Os mitos nos celebram como um povo e uma nação. Mas isto é como dar heroína para viciados.

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Despedace os mitos, mesmo que os fatos sejam incontestáveis, e você se torna um pária. Eu descobri isso quando eu e um punhado de outros, incluindo Robert Scheer, Phil Donahue e Michael Moore, denunciamos conclamações à invasão do Iraque. Não fez diferença alguma que eu tivesse sido o Chefe do Bureau do Oriente Médio para o The New York Times e falasse a língua árabe e passei sete anos reportando na região, incluindo o Iraque. Eu fui censurado, expulso do The New York Times e atacado pelos idiotas úteis de George W. Bush nas mídias, e no Partido Democrata, como um apologista de Saddam Hussein.

A mesma recepção repulsiva saudou aqueles de nós que questionamos as “evidências” usadas para argumentar que Trump era uma ferramenta da Rússia. Nós fomos rotulados como patetas de Moscou e apologistas de Trump. Nós fomos mais uma vez impedidos de participar do debate. Glenn Greenwald no Intercept, Matt Taibbi no Rolling Stone e Aaron Mate no The Nation, se viram sob intensa pressão por terem questionado a narrativa Trump-Rússia. Todos eles trabalham agora como jornalistas independentes. Você pode ver a minha entrevista com Taibbi aqui. Jeff Gerth é um repórter investigativo e ganhador de um Prêmio Pulitzer que trabalhou no The New York Times de 1976 até 2005. Ele passou dois anos investigando a estória Trump-Rússia para uma série de quatro partes publicada no Columbia Journalism Review. Ele também se tornou objeto de vitriolo. David Corn, no Mother Jones, um dos mais prolíficos cúmplices da conspiração Trump-Rússia, escreveu uma coluna após a publicação da exaustiva série de 24.000 palavras de Gerth chamada de “Os Negacionistas do [Conluio] Trump-Rússia Ainda Não Conseguem Lidar com a Verdade”. Gerth chamou o ataque de Corn como “uma forma de McCarthismo”. Você pode ver a minha entrevista com Gerth aqui.

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Todas as investigações sobre os laços de Trump com a Rússia são inequívocas. Não houve conluio. O dossiê Steele, inicialmente financiado por oponentes Republicanos de Trump e, mais tarde, pela campanha eleitoral de Hillary Clinton e compilado pelo antigo oficial de inteligência do MI6 britânico, Christopher Steele, foi uma falsificação. As acusações do dossier – que incluiu relatórios de Trump recebendo um “golden shower” (chuveirada de mijo) de mulheres prostitutas num hotel de Moscou e alegando que Trump e o Kremlin tinham laços remontando há cinco anos antes – foram desacreditadas pelo FBI. As fontes, incluindo uma que alegava que Trump tinha laços de longa data com o Kremlin, revelaram-se como fabricações. O Promotor Público Especial Robert S. Mueller concluiu que a sua investigação “não estabeleceu que membros da campanha de Trump conspiraram ou se coordenaram com o governo russo nas suas atividades de interferência nas eleições”. Mueller não indiciou nem acusou pessoa alguma de conspirar criminalmente com a Rússia.

O relatório de 306 páginas de Durham, enviado ao Congresso dos EUA pelo Procurador Geral Merrick Garland no início desta semana, é mais escoriante ainda. Ele conclui que o FBI se engajou numa caçada às bruxas – com o nome de código de Crossfire Hurricane [Furacão de Fogo Cruzado] – orquestrado pela campanha eleitoral de Hillary Clinton, que foi auxiliado e incentivado por oficiais sêniores do FBI que odiavam Trump.

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A campanha de Clinton forneceu informações falsas ao FBI sobre laços entre Trump e a Rússia, incluindo uma acusação feita por Michael Sussmann e Marc Elias, o Advogado Geral da campanha Clinton, de que havia um canal secreto entre a Organização Trump e o banco russo Alfa Bank. Alegações lascivas como esta teriam sido passadas pela campanha Clinton ao FBI e depois vazadas para a imprensa, que reportaria nas investigações do FBI, dando credibilidade às fabricações.

Por exemplo, a campanha Clinton publicou em 31 de outubro de 2016 um tweet através da conta Twitter de Clinton que dizia: “Cientistas de computação aparentemente descobriram um servidor clandestino que liga a Organização Trump a um banco sediado na Rússia”.

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O relatório de Durham assinala que o tweet "incluía uma declaração do conselheiro da campanha Clinton Jake Sullivan que fazia referência uma cobertura das mídias sobre o artigo que declarava, numa parte relevante, que as alegações incluídas nos artigos 'poderiam ser a ligação mais direta já revelada entre Donald Trump e Moscou' que 'esta linha quente secreta poderia ser a chave para deschavear o mistério dos laços de Trump com a Rússia]' e que 'nós só podemos presumir que agora as autoridades federais explorarão esta conexão direta entre Trump e a Rússia como parte da investigação sobre a interferência da Rússia nas nossas eleições'”.

Mais tarde, o FBI determinou que não havia laços entre a organização Trump e o Alfa Bank.

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“Se o plano de inteligência de Clinton se baseava em informações confiáveis ou inconfiáveis, ou ao final de contas era verdadeiro, ou falso, ele deveria ter instigado o pessoal do FBI a fazer imediatamente uma análise das informações e a agir com muito mais cuidado e caução quando recebeu, analisou e confiou em materiais de origens partidárias – como os Relatórios Steele e as alegações sobre o Alfa Bank”, diz o relatório.

O FBI tem um recorde longo e sórdido de espionagem ilegal, de infiltração em organizações, de chantagens, perseguições, armadilhas e até de assassinatos de dissidentes estadunidenses – como Fred Hampton e talvez Malcolm X – mas também deveria nos preocupar quando opera como Polícia do Pensamento para benefício de um partido político no poder.

O relatório Durham concluiu que não havia evidências suficientemente verificadas e confiáveis para justificar a abertura de uma investigação completa. No entanto, aqueles que chefiaram a investigação – o diretor do FBI James Comey, o vice-diretor Andrew McCabe, o agente Peter Strzok e a advogada Lisa Paige - estavam unidos por uma profunda animosidade para com Trump. O relatório diz:

Strzok e o assistente especial do vice-diretor McCabe se pronunciaram com sentimentos hostis com relação a Trump. Como foi explicado mais tarde neste relatório, em mensagens de texto de antes e depois do início da operação Crossfire Hurricane, os dois haviam se referido a ele como “repugnante”, “um idiota”, alguém que deveria perder para Clinton por “um-milhão-a-zero” e uma pessoa que Strzok escreveu que “nós devemos impedir” de tornar-se presidente. Efetivamente, um dia antes que a informação australiana [relativa a comentários alegadamente feitos numa taverna por George Papadopoulos, um conselheiro estrangeiro não remunerado da campanha de Trump] tivesse sido recebida na sede do FBI, Page enviou uma mensagem de texto para Strzok declarando que “Nós já abrimos [a investigação] contra ele? [emoji de uma face enraivecida]” e se referiu a um artigo entitulado 'Trump & Putin. Yes, It's Really a Thing' [Trump & Putin. Sim, isto é realmente qualquer coisa].

O relatório diz que o FBI autorizou a investigação “tendo recebido inteligência não-avaliada” e “sem haver falado com as pessoas que forneceram a informação”. O FBI não fez qualquer “revisão significativa dos seus próprios bancos de dados de inteligência”, não coletou nem examinou “qualquer inteligência de outras entidades de inteligência dos EUA” e não entrevistou “testemunhas para compreender a informação crua que havia recebido”. Não foram usadas quaisquer “ferramentas analíticas padronizadas empregadas pelo FBI para avaliar inteligência crua”.

Se o FBI tivesse seguido os seus procedimentos estabelecidos, ele “teria descoberto que os seus próprios e experientes analistas da Rússia não tinham informação alguma sobre um envolvimento de Trump com lideranças oficiais russas, nem havia outros em postos sensíveis da CIA, da NSA ou do Departamento de Estado que tivessem ciência de tal evidência”. O FBI “não tinha posse de informação alguma que indicassem, em qualquer momento da campanha, que qualquer pessoa da campanha de Trump estivesse em contato com quaisquer autoridades de inteligência russas”.

A investigação foi lançada baseada apenas em “relatórios não-examinados e não-verificados de Steel”. O dossiê Steele foi usado para sustentar causas prováveis pedidas pelo FBI ao Tribunal de Vigilância da Inteligência Estrangeira (FISA – Foreign Intelligence Surveillance Court) para monitorar o conselheiro de política externa de Trump, juntamente com evidências falsificadas apresentadas ao tribunal FISA pelo advogado Kevin Clinesmith. Um dia depois da eleição de Trump como presidente, Clinesmith “declarou a colegas no FBI, entre outras coisas, 'viva la resistance', uma referência óbvia àqueles indivíduos opostos a Trump”.

“A rapidez e a maneira pela qual o FBI abriu e investigou a operação Crossfire Hurricane durante a temporada da eleição presidencial, baseada em inteligência crua, não-analisada e não-corroborada também reflete o notável abandono de como ele abordavam questões prévias envolvendo possíveis tentativas de planos de interferências estrangeiras visando a campanha de Clinton”, o relatório conclui.

O relatório documenta um abuso sistemático de poder executado por membros-sênior do FBI para fazer avançar a campanha de Clinton. As autoridades do FBI estavam cientes que não havia razão alguma, além do ódio institucional contra Trump, para se abrir a investigação. O FBI “descontou ou ignorou intencionalmente materiais de informação que não apoiavam a narrativa de uma relação conspiratória entre Trump e a Rússia”, diz o relatório. “As autoridades do FBI desconsideraram informações exculpatórias significativas” e usaram “dicas investigativas fornecidas ou financiadas (direta ou indiretamente) pelos oponentes políticos de Trump” para prolongar a investigação, alimentar o frenesi das mídias e para obter mandados de busca.

Os cortesãos das mídias liberais que servem a uma demografia anti-Trump e que passaram aos dando credibilidade a rumores, fofocas e mentiras sobre Trump e a Rússia, previsivelmente minimizaram ou descartaram os achados do relatório.

“Depois de Anos de Campanha Política Publicitária, a Inquisição Durham Falhou em Apresentar Resultados”, disse uma manchete do The New York Times em 17 de maio.O mito de interferências russas nas eleições presidenciais de 2016 provê uma via de escape conveniente da podridão política, social, cultural e econômica que empesta os EUA. Ao agarrar-se a esta teoria conspiratória, a classe liberal está tão desconectada da realidade quanto os teóricos do QAnon e os negacionistas da eleição que apoiam Trump. O refúgio de enormes segmentos da população em sistemas de crenças não-baseadas-na-realidade torna uma nação polarizada incapaz de se comunicar. Nenhum dos dois lados fala uma linguagem enraizada em fatos verificáveis. Esta bifurcação – uma que eu testemunhei no conflito na ex-Iugoslávia – alimenta a desconfiança e o ódio entre setores demográficos antagonistas. Isso acelera a desintegração e a disfunção política. Como foi verdade na investigação do FBI sobre Trump, isto foi usado para justificar grosseiros abusos de poder. Se aqueles a quem você se opõe são do mal – e, retoricamente, nós estamos próximos a abraçar tal retórica apocalíptica – tudo é permitido para impedir que o inimigo chegue ao poder. Esta é a lição do relatório Durham. Esta é uma advertência ameaçador.

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