Primeiro é essencial sublinhar que o sentimento de desânimo de boa parte dos petistas em relação à Dilma não abala a disposição da militância de lutar, como tem feito até aqui, contra o golpe e em defesa do mandato constitucional da presidenta, conquistado legitimamente nas urnas.
Isso dito, não é difícil perceber que vai se cristalizando nas bases do partido, especialmente entre os petistas que militam nos movimentos social e sindical, o entendimento de que Dilma abandonou o projeto desenvolvimentista e inclusivo da era Lula, e que marcou também seu primeiro mandato. O que parecia transitório, como o ajuste fiscal, a cada dia se consolida como política estruturante e estratégica do Planalto.
Os petistas desiludidos com o governo podem ser vistos e avaliados de todas as maneiras. Mas as acusações de sectarismo e impaciência infanto-juvenil decididamente não lhes cabem. Haja vista o crédito de confiança dado ao governo no seu primeiro ano. Embora contrariada com a adoção de propostas e projetos dos derrotados nas eleições, a maioria dos petistas entendeu que as contas públicas estavam de fato desarranjadas e que era preciso, portanto, dar um passo atrás para retomar o projeto democrático-popular adiante.
É certo que haviam outros caminhos a serem seguidos que não penalizavam os trabalhadores, tais como a taxação das grandes fortunas e das heranças, além do uso de uma pequena parte das reservas brasileiras para investimentos em infraestrutura ou na capitalização da Petrobras. Mas isso se chocava com o pensamento econômico conservador de Joaquim Levy.
Enquanto isso, seguia seu curso a cavalgada insana da Operação Laja Jato para cassar o mandato da presidenta, criminalizar o PT e destruir Lula. Ancorada no monopólio da mídia e fortemente infiltrada em instituições do Estado como a Polícia Federal , Ministério Público e o Judiciário, a caravana golpista avançou e estava prestes a ganhar contornos institucionais definitivos pelas mãos do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, quando um maciço contra-ataque pela democracia se fez notar em várias capitais do país, no dia 16 de dezembro.
O clima das ruas nessas manifestações fazia lembrar o segundo turno de 2014, indo além do PT e de seus aliados tradicionais da esquerda partidária, além da CUT, UNE e do MST. A ameaça ao regime democrático teve o condão de trazer de volta para a arena política democratas sem vínculos políticos com organizações e partidos. Pairava no ar a esperança de que aquela demonstração de força serviria como ponto de inflexão para o governo retomar seus compromissos de campanha.
Ledo engano. Depois que o STF desautorizou Cunha definindo novo rito para o processo de impeachment e o movimento golpista deu sinais de que perdera fôlego na sociedade, o que faz a presidenta ? Anuncia que sua prioridade de governo é a reforma da Previdência, com base no aumento da idade mínima. Mostrando seu pouco apreço pelos aliados dispostos a tudo para manter seu mandato, o governo vai além e, através do chefe da Casa Civil, Jaques Vagner, informa que Dilma não está preocupada com a retomada da popularidade, pois seu legado será a reforma da Previdência.
Chega a ser inacreditável que a reforma da Previdência, mantra que soa como música aos ouvidos do mercado, seja elevada à condição de prioridade estratégica de um governo eleito para aprofundar as políticas populares de Lula. Na sequência, o governo, além de não dar a devida atenção ao debate sobre o projeto Serra, que tira da Petrobras a exclusividade na operação das reservas de petróleo do pré-sal, fecha um acordo com o PMDB do Senado, atropelando a bancada petista, que, pendurada na brocha, vê o substitutivo do senador Romero Jucá ser aprovado.
Não se sabe se por falta de um mínimo de talento político ou por conversão pura e simples a conteúdos programáticos do neoliberalismo, ou se a uma combinação de ambas as possibilidades, mas o fato é que o governo avança sobre dois símbolos caros à esquerda e ao sentimento de nacionalidade : a previdência e o petróleo. E política se faz com símbolos e códigos. Dilma parece desconhecer isso. Por sua vez, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, embora tenha trajetória respeitável como economista da escola heterodoxa e desenvolvimentista, não se cansa de dar declarações públicas pregando mais ajuste fiscal.
O inútil ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que graças aos céus deixou o ministério, assistiu passivamente a Polícia Federal, que lhe devia subordinação republicana, promover uma sórdida campanha contra o maior líder popular do país, o ex-presidente Lula, para torná-lo inelegível e até colocá-lo atrás das grades.
Essa ofensiva infame visa também a liquidação do PT e de tudo que ele representa em termos de emancipação dos mais pobres e de soberania nacional. O problema não foi só Cardozo. Basta ter dois neurônios para se entender a responsabilidade de Dilma, afinal, o regime é presidencialista. E o ex-ministro da Justiça só tolerou a atuação seletiva e partidarizada da PF, que contribuiu para estragos inegáveis na imagem de Lula e do PT, porque a presidenta permitiu.
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