Por favor, só um minutinho
Eles estão pelas esquinas com seus panfletos coloridos e cheios de boas promessas
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Escaldante, tórrido, de fritar ovo no asfalto...o calor de Bangu derrete até os mais fortes, porém, nunca desanimou os gênios da bola. Zizinho, Zózimo, Paulo Borges e Aladim encharcavam de suor o uniforme vermelho e branco sem reclamar, enquanto sapecavam goleadas no gramado fervente do estádio de Moça Bonita.
O calorento e caloroso bairro carioca já foi a casa de um dos melhores times do Brasil. O Bangu, com sua seleção de craques, conquistou importantes títulos nos anos 1960.
Entre tantas estrelas, Fidélis foi o melhor lateral direito, disputou Copa do Mundo e também levantou taças preciosas no Vasco. Forte, ótimo marcador, ganhou o apelido de Touro Sentado.
Se o campeão ainda estivesse vivo teria 79 anos, idade parecida com a de um xará paulistano. Seu Fidélis não é touro mas passa o dia sentado sobre dois caixotes de madeira. Se protege do calor do outono sob a marquise de um supermercado. Trabalha todo dia distribuindo panfletos de uma loja que compra ouro, prata, joias inteiras e quebradas; também canetas e relógios dourados.
“Fica ao lado do chaveiro e paga à vista.”, explica aos interessados.
Fidélis levanta o boné vermelho e acompanha o esforço de outros colegas. Raul, motorista desempregado, oferece delícias mineiras em suas papeletas.
“Vaca Atolada em promoção, 21,90. Suco incluído.”
Quase meio dia, o perfume do almoço se espalha e outros sabores se anunciam em papéis coloridos, quase festivos. Rodízio Japonês, Churrasco Grego, Cantina Italiana, Cozinha Árabe, Virado à Paulista. É a volta ao mundo em apenas uma rua aqui da Vila Buarque.
Moças e rapazes convidam quem passa.
“Por favor, um minutinho. Com o folheto tem desconto de 10% no prato do dia.”
“20 reais e come à vontade.”
“Paga com pix.”
A simpatia de bom vendedor está lá, mas a maioria nem pega o “bilhete premiado” e quando aceita não lê.
Os panfletos trazem um alerta: não jogue o papel na via pública. O aviso é inútil, afinal eles não leem.
Seja como for, o dilema está lá: você aceita e ajuda o trabalhador, que depende de quantidade de panfletos distribuídos? Ou recusa a propaganda que pode agredir à natureza.
Em dois dias recebi 12 folhetos, seriam 42 por semana, mais de 2000 por ano.
O papel jogado na rua vai parar no rio, do rio pro mar; do mar pro peixe; do peixe volta pra gente. E aí?
A preocupação do Humberto é outra. Ele prende a cabeleira num coque e mostra a melhor oferta da região financiada em 15 anos. Um quarto e sala imprensado em 29 metros quadrados. O casal se interessa e pergunta se a lavanderia é coletiva. O panfleto responde em letras vermelhas no estilo, ou style, da construtora.
- Laundry, fitness, mini market.
Também é internacional o convite pra viagem de formatura. Na porta do cursinho, os alunos do colegial são fisgados pela tentação exibida no papel colorido.
- 5 dias em Bariloche. Passagem, festas, passeios, pensão completa. 12 vezes no cartão.
Óticas, farmácias, açougues apostam no corpo a corpo. Na vitrine, o cartaz convoca: “PRECISA-SE DE DIVULGADOR EXTERNO”.
A recepcionista me explica que não há limite de idade e nem grau de instrução. A preferência é de quem mora perto e topa percorrer outras ruas do bairro.
- E o salário?
- Isso é sigilo. Quer fazer a ficha?
Me despeço curioso. No fim da rua, uma papeleta em preto e branco convida para ouvir a palavra de Deus a partir das seis da tarde.
Numa linda crônica chamada Paulista e publicada no livro Perambule, Fabricio Corsaletti, passeia com o leitor pela avenida e observa a sua gente: artistas, executivos, camelôs, entregadores, manifestantes contra, manifestantes a favor e também os “distribuidores de folhetos que ninguém lê.”
Antes de terminar, a notícia mais importante. A vaga do “Divulgador Externo” já foi ocupada. Amanda, de 26 anos, começou há dois dias. Tem um sorriso feliz, que distribui junto com os panfletos da clínica dentária.
*Você encontra outras crônicas de Luis Cosme Pinto no livro Birinaites, Catiripapos e Borogodó, da Kotter.
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