Politização do coronavírus é tática de Bolsonaro para chegar ao golpe

"Bolsonaro é ignorante, como mostram suas posições contra a ciência, a educação e a cultura, assim como pela dificuldade que tem para ler, escrever e se expressar. Sofre claramente de transtornos mentais, talvez fruto de seus inúmeros ressentimentos, frustrações e problemas familiares. Mas ele não é bobo", alerta o jornalista Hélio Doyle

Bolsonaro
Bolsonaro (Foto: Reprodução)


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Muitos perguntam o que leva o presidente Jair Messias Bolsonaro a recusar as evidências científicas, rejeitar as recomendações de organizações e autoridades em saúde — inclusive de seu Ministério da Saúde ainda chefiado por Mandetta — e negar os perigos da maior pandemia dos últimos 100 anos. Inicialmente, pensava-se que Bolsonaro apenas alinhava-se automaticamente a seu ídolo Donald Trump, que também minimizava o covid-19. Mas Trump teve de mudar de ideia diante da realidade que se impôs e, mesmo assim, Bolsonaro permaneceu firme em seu negacionismo e minimização da pandemia.

Não é possível que Bolsonaro não veja o que está acontecendo no mundo e não tenha a dimensão do risco político que está correndo ao se posicionar contra o distanciamento social e insuflar irresponsavelmente a população a desrespeitá-lo. Em países nos quais o distanciamento social foi evitado em nome da economia e do mercado, seus líderes tiveram de voltar atrás diante do enorme número de infectados e mortos. Além dos Estados Unidos, isso ocorre no Reino Unido, na Suécia, na Holanda, em Cingapura e no Japão, entre outros.

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Bolsonaro é ignorante, como mostram suas posições contra a ciência, a educação e a cultura, assim como pela dificuldade que tem para ler, escrever e se expressar. Sofre claramente de transtornos mentais, talvez fruto de seus inúmeros ressentimentos, frustrações e problemas familiares. Mas ele não é bobo e, ainda que tosco, simplista e rasteiro, tem um projeto político estruturado: ganhar mais poderes e fazer o que quer sem os limites impostos pela Constituição, pelo Congresso, pela justiça, pela imprensa e pela sociedade civil. Para esse projeto, a reeleição é fundamental, caso o autogolpe não possa ocorrer antes de 2022.

A postura de Bolsonaro diante da pandemia do covid-19 reúne esses elementos: a ignorância, os problemas mentais ainda não claramente diagnosticados e seu projeto político autoritário e com conteúdo fascista. Há uma forte interação entre eles. O projeto é, de alguma maneira, fruto de sua ignorância crônica e de seus transtornos mentais. Mas há na história muitos exemplos de ignorantes e loucos que levaram a regimes fascistas.

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Nova ordem 

Bolsonaro quer implantar uma nova ordem no país, ultraconservadora e de extrema-direita, alijando definitivamente todas as forças políticas e sociais que se opuserem a isso, em especial as de esquerda. Há pouco mais de um ano, em um jantar com personalidades conservadoras e de direita em Washington, Bolsonaro expressou a síntese do que pretende: “Eu sempre sonhei em libertar o Brasil da ideologia nefasta de esquerda. O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir muita coisa. Desfazer muita coisa. Para depois nós começarmos a fazer”.

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Ao seu lado na mesa, estava o astrólogo e autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, que inspira politicamente não só o presidente da República como seus três filhos, igualmente ignorantes, transtornados mentalmente e os mais próximos aliados do pai em seu projeto autoritário. São seguidores de Carvalho, também, ministros e assessores do governo.

O que Bolsonaro tem falado e feito nestes tempos de pandemia é coerente com a pretensão anunciada de desconstruir o país para criar uma nova ordem, reflete sua ignorância e mostra uma pessoa fora de suas faculdades mentais, incapaz de perceber a realidade e insensível diante da possibilidade de estar sendo responsável por milhares de mortes.

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Sem recuo

Bolsonaro sempre apostou no confronto político, nunca pensou em governar para todos os brasileiros. Age e fala apenas para seu público, os que o apoiam incondicionalmente. É com essa base social — integrada por pessoas de todas as classes sociais e que se caracterizam pelo conservadorismo e pelo fundamentalismo religioso, pela defesa de teses ultraliberais, pelo pensamento de extrema-direita e consequente ódio visceral à esquerda — que Bolsonaro conta para desconstruir as instituições democráticas e construir sua nova ordem fascista.

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É importante para Bolsonaro manter agrupada e radicalizada essa base social, para impedir que seja afastado da presidência —motivos não faltam — e para apoiá-lo politicamente depois da pandemia, diante da recessão econômica e da crise social que fatalmente ocorrerão. Bolsonaro quer dar o autogolpe e acha que o caos o favorece. Quer o povo insatisfeito e protestos nas ruas, mas não contra ele — contra o Congresso, o STF, a imprensa, pedindo governo militar e AI-5. E quer conflitos violentos, pois acha que os vencerá com o apoio das polícias militares e dos milicianos armados que o seguem. E que, diante do caos, as forças armadas o apoiarão.

Por isso arrisca tanto agora, precisa radicalizar e manter o conflito. É megalomaníaco, acha-se indestrutível, mas viu que pode perder essa batalha contra a ciência e a sensatez por ele inventada. Mesmo assim não quis retroceder quando Trump e Boris Johnson recuaram e viu que o coronavírus não é só uma gripezinha e que seu comportamento irresponsável e arrogante pode levá-lo a um desastre político. Manteve sua posição contra o distanciamento e em defesa de um mal explicado “isolamento vertical” e recorreu à cloroquina: as pessoas vão morrer não porque não se isolaram, mas porque os médicos não aplicam a substância aos pacientes desde os primeiros dias de tratamento.

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Sua rede de robôs e milicianos digitais incumbiu-se de propagar a nova orientação. A cloroquina, apesar de ainda não estar suficientemente testada e ter efeitos colaterais danosos, passou a ser o remédio miraculoso para salvar as vidas dos atingidos pelo vírus. Graças a ela, segundo os bolsonaristas, o distanciamento é desnecessário, pois os infectados serão curados e a imunidade se espalhará. E assim procurou virar o jogo: os negacionistas passaram a ser os defensores do distanciamento social e os que aguardam os resultados dos testes sobre o medicamento...

Não importa que o mundo mostre que não é assim; que a cloroquina não impede as mortes, mesmo vindo a se mostrar eficaz nos testes; que o distanciamento social seja a melhor alternativa para impedir mais mortes, por falta de condições de atendimento das redes de assistência. Nada disso importa a Bolsonaro, que coloca acima de tudo e de todos o seu projeto político de autogolpe, antes ou depois das eleições de 2022.

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Não importa sequer muitos brasileiros morram por causa da irresponsabilidade de Bolsonaro, motivada por seus interesses políticos, sua ignorância e seus transtornos mentais. Para ele, há uma guerra —não contra o vírus, mas contra seus adversários, todos “comunistas” — e não importa se morrem civis, idosos, mulheres, crianças. São, para Bolsonaro, os chamados danos colaterais, expressão que esconde palavras mais cruas: assassinato, massacre, genocídio.

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