Política monetária em debate

O mercado parece ter se dado conta: manter o juro de referência atual seria um grave equívoco

Dinheiro
Dinheiro (Foto: José Cruz/Agência Brasil)


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(Publicado no site A Terra é Redonda)

A política monetária está em debate no Brasil por causa do reinício de um novo governo social-desenvolvimentista eleito contra o neoliberalismo aliado ao neofascismo. Meu ex-professor na Unicamp, Luiz Gonzaga Belluzzo, teceu considerações oportunas a respeito dela (Valor econômico, 07/03/23).

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O regime de metas tem o propósito de definir a regra ótima de reação do Banco Central. Pressupostamente, ao longo do tempo, fortaleceria a confiança dos agentes de “o mercado”. Ao adequar suas decisões no manejo da taxa de juros de curto prazo às expectativas racionais (de acordo com a economia da confiança novoclássica) dos formadores de preços e dos detentores de riqueza, a autoridade monetária obteria a estabilidade do nível geral de preços à custa da renda e do emprego dos trabalhadores.

Luiz Gonzaga Belluzzo cita Michael Woodford por este autor propor o regime de metas almejar sim a estabilização dos preços reajustados com pouca frequência (sticky prices) como os preços administrados de serviços de utilidade pública. Flutuações conjunturais nos preços competitivos, sujeitos a ajustamentos frequentes ou a choques com quebra de oferta atípicos, devem ser excluídas do regime de meta de inflação justamente por serem fenômenos de alta e baixa em curto prazo.

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Esse regime de meta de inflação também não se deve preocupar com as flutuações nos preços dos ativos financeiros como é um choque cambial passageiro por si só. Nem todos os bens teriam seus preços igualmente controlados pela demanda agregada.

Desse modo, o Banco Central deveria adotar a meta de estabilização do núcleo da inflação. O core inflation representa a tendência de longo prazo no nível de preços.

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Ao medir a inflação de longo prazo, as mudanças transitórias de preços devem ser excluídas. Para tanto, exclui-se componentes do índice de preços frequentemente sujeitos a preços voláteis como alimentos e energia. Ao perceber o controle monetário geral não ser capaz de enfrentar, por exemplo, estações de seca sazonais, coloca-se maior ênfase nos preços mais rígidos menos sujeitos a choques de oferta.

Mas esses choques de oferta temporários nos preços das matérias primas e alimentos ou o reajuste intempestivo de preços administrados não contaminam de forma adversa as expectativas dos agentes? Ocorreria isso caso os price-makers sempre afrontassem sua clientela disputada por outros competidores oligopolistas…

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Em outros termos, “expectativas desancoradas” determinam reajustes de todos os preços ou pelo menos de preços de insumos chaves?! Não é o caso, por exemplo, dos preços dos combustíveis relacionados à volatilidade da taxa de câmbio e da cotação internacional commodity petróleo fora do controle da política monetária. Uma política eleitoreira conseguiu sua baixa ao obrigar a desoneração fiscal dos estados.

Luiz Gonzaga Belluzzo alerta: “a reação do Banco Central deve considerar também os efeitos negativos sobre a dívida pública e o déficit nominal originados por um excesso no manejo da taxa de juros de curto prazo”. Em situação de dominância fiscal, a elevação da taxa de juro real causa o crescimento da dívida por elevar o custo real do serviço da dívida e por reduzir a demanda de bens e serviços, em especial a de trabalhadores. Por isso, provoca queda da receita fiscal e dificulta obter superávit primário.

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André Lara Resende, por sua vez (Valor econômico, 08/03/23), destaca: uma intervenção bem-sucedida deveria diminuir as expectativas da inflação futura, fazendo baixar os juros para prazos mais longos, enquanto elevaria, temporariamente, a taxa de juros para prazos mais curtos. É o mecanismo para a redução na inclinação da estrutura a termo das taxas de juros.

Ele se concentra no efeito dos juros na dívida pública. Além da Selic ser o piso para acrescentar um spread e estabelecer toda a estrutura de juros de empréstimos na economia, ela importa para as políticas monetária e fiscal. Por que está tão elevada?

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Também critica a ideia de ela em longo prazo ser apenas determinada pelas expectativas dos detentores da dívida, como sustenta a grande maioria dos economistas midiáticos de “o mercado”. Na verdade, também a termo resulta da ação direta do Banco Central.

No dia a dia, a autoridade monetária gerencia a liquidez no mercado de reservas bancárias para colocar a Selic-mercado no nível da Selic-meta pré-anunciada. No entanto, os idolatras do mercado defendem a tese de “os juros serem o resultado das forças impessoais do mercado, pois o Banco Central do Brasil só determinaria a taxa de curtíssimo prazo, ou seja, a taxa de um dia ou de overnight”.

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Nessa pregação, o sacrossanto mercado determinaria os juros para os prazos mais longos, de fato, relevantes tanto para o custo da dívida, quanto para as condições de crédito na economia. A autoridade monetária não teria assim como se contrapor à determinação por o mercado em relação aos juros para prazos mais longos.

Esta estrutura a termo das taxas da dívida pública (e parâmetro para a dívida privada em longo prazo), segundo Lara Resende, é conhecida por quem tem com ela uma reverencial intimidade como “a curva”. Ela seria impessoal e implacável.

Caso o Banco Central tente reduzir voluntariamente a taxa básica – como foi feito no primeiro governo de Dilma Rousseff  –, a ameaça é o lugar-comum: “as expectativas de inflação seriam desancoradas”. Daí elas se refletiriam na alta das taxas longas.

Em sentido inverso da baixa na taxa básica, no jargão metafórico da esnobe casta dos mercadores-rentistas, “a curva empinaria, com os juros curtos mais baixos, mas os longos mais altos”. Graficamente, é representada por maior ângulo de inclinação dos juros ao longo do tempo futuro extrapolado arbitrariamente por essa imaginação criadora de juros nos bolsos dos carregadores da dívida pública.

Daí todas as declarações das autoridades críticas à intocável política monetária, inclusive as do Presidente da República reeleito pela terceira vez com votos da maioria do eleitorado, expressariam uma tentativa infrutífera de reduzir artificialmente os juros e, ao fim e ao cabo, terminaria por elevá-los. Alguns “porta-vozes” chegam a dizer “os juros iriam cair, mas as críticas do presidente Lula acabaram por elevar as atuais taxas”!

É tal como acusar “petistas infiltrados” pelo quebra-quebra nas sedes dos Três Poderes da República no dia 8 de janeiro de 2023, dia da vergonha nacional! A imaginação dessa gente direitista não tem limite para se vitimizar… e se beneficiar com suas mentiras.

Lara Resende demonstra com dados o custo médio das emissões e do estoque da dívida acompanhar sim a taxa Selic. Existe, no caso, uma alta correlação causal entre os dois.

Ao fixar a taxa de juro básica por um dia (overnight), o Banco Central determina o primeiro ponto da curva. A partir de então, a tesouraria de cada banco “deficitário”, caso não tenha obtido um superávit no fluxo de caixa diário, obteria as reservas necessárias para carregar sua carteira de títulos de dívida pública, no mercado interbancário determinante da taxa CDI, usada como proxy da SELIC. Uma seleção de portfólio com títulos pós-fixados (LFT) e/ou com índice de preços (NTN-B) praticamente não teria risco em vez de a aposta especulativa na queda dos juros prefixados (LTN).

Estimar as sucessivas taxas de um dia, determinadas futuramente pela autoridade monetária, é um exercício de imaginação coletiva. Verifica-se, ex-post, o custo médio da dívida, estabelecido pelas taxas para os diferentes prazos dos títulos, ser a consequência de sua política monetária condutora da trajetória da taxa básica ao longo do tempo. O mercado acompanha o Banco Central, ou seja, “o rabo não abana o cachorro!”.

Para Lara Resende, o foco não deveria ser exclusivamente a mítica meta de inflação. Aliás, a taxa de inflação está inercial em torno de 6% aa há quase duas décadas, exceto em dois anos (2015 e 2021), respectivamente, pelos choques tarifários (super-reajuste dos preços administrados) e pela inflação importada.

A taxa correta seria aquela capaz de permitir o alcance do pleno emprego, sem provocar o superaquecimento da economia, nem provocar déficits comerciais externos. Como a “taxa natural ou neutra”, provocadora do chamado equilíbrio monetário, é hipotética, isto é, só constatada ex-post, após verificar ter sido uma passageira no tempo, tudo mais é mera especulação. A política monetária não é ciência, mas sim habilidade…

Lara Resende, um dos teóricos da inflação inercial no Brasil, afirma corretamente: “nem toda inflação é provocada pelo excesso de demanda. Assim, como e porque a alta dos juros a reduziria é pouco claro”.

Os adeptos da economia da confiança fogem da responsabilidade de apontar os canais de transmissão da política monetária para a fixação de todos os preços. Seria a Curva de Phillips com a gangorra entre inflação e desemprego? Seria o efeito sobre a apreciação da moeda nacional com a disparidade do juro nacional frente ao juro internacional? Seriam a la Milton Friedman “os canais difusos e com defasagens variáveis”?

Por fim, Lara Resende ressalta estarmos diante da iminência de uma crise de crédito, provocada pela “inconsistência contábil” (sic) da Americanas e a disparatada taxa de juro básica, ameaçadora de provocar a desalavancagem financeira das empresas e levar a economia brasileira a uma recessão ou uma nova depressão. O mercado parece finalmente ter se dado conta: manter o juro de referência atual seria um grave equívoco.

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