Política e geopolítica do “Retrojeto” golpista e da Lava Jato

O moralismo pode ser de ocasião, mas seus efeitos negativos podem ser permanentes e irreversíveis. E, na ânsia de “lançar o Brasil para trás”, o “retrojeto paleoliberal” e sua vanguarda judiciária poderão, aí sim, quebrar o país de verdade



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Para o cidadão medianamente informado, que escapa da desinformação sistemática promovida pela mídia oligopolizada, fica cada vez mais evidente que o moralismo de ocasião, típico do neoudenismo tardio que tomou conta do país, tem finalidades pouco éticas.

Com efeito, torna-se cada vez mais claro que o imprescindível combate à corrupção vem sendo desvirtuado para cumprir objetivos que não têm nenhuma relação com o enfrentamento de desvios e ilícitos. É dolorosamente transparente que os vazamentos seletivos, o uso desavergonhado dos dois pesos e duas medidas e a proliferação de autoridades que agem sem nenhum resquício de republicanismo estão a serviço de uma agenda partidarizada que desemboca no golpe.

O golpe, porém, não é apenas contra o governo de plantão. Esse é o objetivo imediato. O golpe é, sobretudo, contra um projeto que, mesmo com todos os seus erros e insuficiências, promoveu a maior revolução social que o Brasil conheceu. Esse é o objetivo maior.

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De fato, todo esse processo está a favor da restauração do paleoliberalismo, o mesmo modelo que fracassou no Brasil, nos tempos do tucanato, e que conduziu o mundo a sua pior crise econômica desde 1929. Tal é, no fundo, o projeto dos moralistas de ocasião, neoudenistas e golpistas.

Mas não se trata bem de um projeto, palavra cujo sentido etimológico significa “lançar para frente”. Trata-se, na verdade, de um “retrojeto”, de um “lançar para trás” o país. Propõe-se, sobretudo, a regressividade social como solução para crise. Pelo menos, isso é o que indica o documento do PMDB intitulado “Pontes Para o Futuro”, eufemismo pouco sutil para as  pinguelas para o passado que nos levariam até mesmo à revisão dos direitos sociais e trabalhistas incluídos na Constituição de 1988. O “retrojeto” não quer apenas nos lançar a um período pré-PT, quer nos levar a um tempo pré-Constituição, perigosamente próximo ao da ditadura. Não se quer somente acabar com o legado de Lula, quer se eliminar também o legado de Ulysses Guimarães.

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Entretanto, enquanto o “retrojeto” não vinga inteiramente, o neoudenismo indevidamente instalado em algumas instituições de controle e em setores do próprio judiciário já produz consequências políticas e geopolíticas de peso. A Lava Jato, em particular, têm efeitos significativos tanto em âmbito interno, quanto externo.

No plano interno, as consequências são facilmente perceptíveis.

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A primeira delas tange à manutenção de uma crise política permanente. Com vazamentos cuidadosamente seletivos, devidamente amplificados pelo maior partido de oposição, a mídia oligopolizada, sustenta-se um clima persistente de crise, que tende a paralisar o governo e a açular os setores mais radicais e irresponsáveis da oposição, que investem em “pautas bomba”. O problema é que essa crise política permanente não paralisa apenas o governo, paralisa o país. Paralisa o país e impede a sua recuperação econômica. Ajustes fiscais têm como grande objetivo recuperar o crescimento mediante o estímulo ao investimento privado. Contudo, com crise política permanente, cevada de modo artificial, torna-se difícil a recuperação da confiança necessária à retomada dos investimentos. Gera-se, assim, um círculo vicioso: a crise política permanente dificulta a recuperação econômica, o que, por sua vez, contribui para a manutenção da crise política.

A segunda consequência se refere aos danos econômicos diretos de uma operação como a Lava a Jato. Segundo avaliações independentes, a Lava Jato provocou um prejuízo equivalente a, pelo menos, 2% do PIB. O Ministério da Fazenda fala em 2,5% do PIB. É uma quantia monumental. Estamos falando de cerca de R$ 140 bilhões que foram jogados no ralo, somente em 2015. Estamos falando também de 2 milhões de pessoas desempregadas como consequência direta do combate partidarizado e irracional à corrupção. Especula-se ademais, que tal prejuízo poderia alcançar R$ 200 bilhões, neste ano. Segundo a FIESP, o prejuízo que a corrupção causa ao país equivaleria a cerca de R$ 70 bilhões por ano, e isso inclui o prejuízo indireto causado pelo desestímulo aos investimentos. Ou seja, a Lava Jato vem causando um prejuízo duas vezes superior ao causado pela corrupção que visa combater. Causa também um prejuízo muito superior aos danos ocasionados a Petrobras pelos desvios, que são calculados, até agora, em R$ 10 bilhões. No mínimo, é uma forma ruim e irracional de conduzir o imprescindível combate à corrupção. No máximo, é uma aposta no quanto pior melhor.

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A terceira consequência diz repeito à erosão dos direitos e garantias individuais. O uso abusivo das prisões preventivas, como forma de forçar delações, pertinentes ou imaginárias, e o cultivo do punitivismo, como forma única de se resolver problemas, representam perigo claro aos direitos de todos, não somente de indiciados e réus. 

A quarta consequência é ideológica. A Lava Jato, por estar concentrada numa grande estatal, a Petrobras, leva água ao moinho histórico da demonização do Estado brasileiro. Tal interpretação histórica, que coloca o Estado como a fonte de todos os males nacionais, casa-se perfeitamente com a agenda do “retrojeto paleoliberal”. A Lava Jato e outras operações suscitam a percepção equivocada de que empresas estatais são invariavelmente incompetentes e corruptas. Com isso, suscitam também pressões para privatizações e entrega de ativos estratégicos. A recente aprovação do PLS 131, relativo, sejamos claros, à entrega do pré-sal as multinacionais, teria sido muito difícil sem a ação específica da Lava Jato.

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Tudo isso é bastante óbvio. No plano externo, contudo, as consequências não são tão evidentes. Somente o jornalista Luiz Nassif recentemente abordou o tema com maior clareza. Entretanto, nesse plano os danos do moralismo de ocasião, do golpismo e de operações como a Lava Jato são ainda mais preocupantes.

O primeiro dano tange à destruição parcial do “braço empresarial da política externa” e à erosão do protagonismo do Brasil na América Latina e na África. Política externa não se faz apenas com ações do Estado, mas também com ações da iniciativa privada e da sociedade. A projeção dos interesses nacionais no exterior torna-se muito mais densa quando assentada na cooperação e em projetos econômicos concretos. Nesse ponto, a participação das grandes construtoras brasileiras em inúmeros projetos de infraestrutura na América Latina, Caribe e África vinha aumentando sobremaneira o protagonismo político e econômico do Brasil nessas regiões e tornando nosso país um importante player no disputado e estratégico mercado de exportações de serviços, setor econômico que mais cresce no mundo. Agora, a paralisação e fragilização dessas grandes firmas, ocasionada pela Lava Jato, tende a inviabilizar novos contratos brasileiros, o que redundará na entrega desses mercados a empresas chinesas, europeias e norte-americanas. O prejuízo econômico, comercial e, sobretudo, geopolítico para o Brasil é incalculável. A própria integração regional perde um dos seus vetores mais importantes.

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O segundo dano se refere à provável inviabilização do Brasil como ator importante no mercado mundial de energia. Com efeito, o pré-sal, descoberta mais importante de petróleo dos últimos 30 anos, torna o Brasil um país com potencial para desempenhar papel crucial no fornecimento internacional de energia. Mas tal papel só poderia ser desempenhado no contexto do modelo de partilha e tendo a Petrobras como grande operadora das jazidas. De fato, o domínio estratégico do petróleo não pode ser realizado sem o concurso desses dois fatores complementares: partilha e operadora nacional. Num contexto em que a Petrobras não seja mais a grande operadora e o pré-sal for entregue as grandes multinacionais norte-americanas e europeias, o Brasil perderá a oportunidade de se tornar um player importante no estratégico mercado de energia. Novamente, o prejuízo geopolítico do Brasil seria incalculável.

O terceiro dano diz respeito à fragilização da Estratégia Nacional de Defesa, fonte importante da afirmação dos interesses brasileiros no cenário externo, pois a persuasão diplomática funciona bem melhor quando associada à dissuasão estratégica. Com efeito, todas as firmas que vêm sendo paralisadas e fragilizadas pela Lava Jato desempenham papel crucial nessa Estratégia, já que estão fortemente presentes nos grandes projetos da área. No campo específico da energia nuclear, a prisão do Almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, considerado o pai do programa nuclear brasileiro, lançou suspeitas injustas sobre um projeto nos dá simplesmente o domínio do ciclo atômico. Se isso não representa grave prejuízo geoestratégico, não sei mais o que poderia representar.

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O quarto dano é também ideológico. Assim como a Lava Jato e outras operações levam água ao moinho histórico da demonização do Estado brasileiro, o moralismo de ocasião e o udenismo a ela associados também cevam o nosso histórico complexo de vira-lata. Em narrativa implícita, o Brasil aparece nesse processo sempre como um país atrasado, quebrado e corrupto, no qual nada pode dar certo. Para dar certo, o país não apenas teria apenas de se desfazer do seu governo “bolivariano e populista”, mas também renunciar à veleidade “terceiro-mundista” de ter voos próprios. Ao contrário, o Brasil teria de se associar subalternamente, como é da natureza dos vira-latas, aos interesses dos países que “dão certo”, como os EUA. Desse modo, se multiplicam as pressões para que o Brasil assine, o mais rapidamente possível, acordos de livre comércio assimétricos, como o Acordo Comercial Transpacífico (TTP) e o Acordo Transatlântico de Comércio e Investimentos (TTIP), abandone o Mercosul e dê baixa prioridade ao BRICS e outros foros que conduzem a um mundo mais multipolar. Há países que gostam dessa narrativa.

Não se trata aqui de cultivar teorias conspiratórias. Estamos somente apontando prejuízos e danos objetivos que todo esse processo vem causando ao Brasil, especialmente no plano externo. É perfeitamente possível que, em todo esse processo, não haja um dedinho sequer de interesses estrangeiros, embora alguns deles sejam obviamente beneficiados. É perfeitamente possível, portanto, que tudo esteja sendo conduzido exclusivamente por atores nacionais. Além disso, é perfeitamente possível que esses atores estejam imbuídos das melhores intenções, pensando somente no bem do Brasil, embora tal hipótese tenha a mesma verossimilhança da suposta delação tresloucada de um conhecido senador.

Se assim é, pior. Demonstra desconhecimento e ignorância sobre temas relevantes de economia e geopolítica. Demonstra, talvez, desprezo pelos danos objetivos causados ao país, em nome de uma agenda partidarizada e específica e de um messianismo moralizador grosseiramente autorreferenciado.

Os prejuízos ao Brasil, contudo, estão aí e têm a força coercitiva dos fatos.

O moralismo pode ser de ocasião, mas seus efeitos negativos podem ser permanentes e irreversíveis. E, na ânsia de “lançar o Brasil para trás”, o “retrojeto paleoliberal” e sua vanguarda judiciária poderão, aí sim, quebrar o país de verdade. 

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