Política criminal ou criminosa?

A questão é que o modelo de sociedade adotada pode ser, ele mesmo, criminógeno, ou seja, estimular e incentivar práticas criminosas



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Com a divulgação, pelos veículos de comunicação de massa, da morte de mais três detentos ou apenados no complexo prisional de Itamaracá, fica a pergunta que não quer calar: existe uma política criminal, digna desse nome, neste governo? - Aliás, a pergunta poderia se estender à política de saúde, transporte público, educação etc. Mas como a face mais visível do descalabro administrativo é a segurança pública e a política carcerária, somos obrigados a perguntar ao apadrinhado do ex-governador falecido: existe algo que possa se chamar de "política criminal" no estado de Pernambuco?

Em primeiro lugar, é possível se falar em política criminal? O que é uma política criminal? Quais são os seus objetivos? A que ela se destina? - Desde a Metafísica dos Costumes, Kant distingue a função retributiva da pena, das funções preventivas e reabilitadoras. Segundo o filósofo alemão, a função retributiva é a mais importante, pois a pena não deve ser instrumento para outro fim, e sim um fim em si mesma: restaurar o que foi danificado pelo castigo, o mal infligido à vitima. Neste ponto, Kant adota a posição taliônica: dente por dente, olho por olho. A função retributiva deve restaurar ou compensar o que foi subtraido ou atingido pelo criminoso. Baseado o pressuposto ético da liberdade, autonomia e dignidade humana, o filósofo admite a pena como um correlato à perda ou prejuizo da liberdade e da dignidade humana. Os criminalistas e juristas contemporaneos preferiram adotar as duas outras funções como mais importantes, tendendo a adotar a perspectiva utilitarista da pena e do castigo: causar menos dor e mais prazer ao maior número de pessoas possível.

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Em segundo lugar, há o problema do fundamento moral (ou ontológico) da pena e do castigo. Quem é o responsável ou o titular da ação criminosa? - O indivíduo, o Estado ou a sociedade? - Se for o indivíduo, a posição kantiana está certa. Se for possível transferir a responsabilidade penal para o Estado ou a sociedade, temos o que se chama de abolicionismo penal. Mas existe também uma posição mais frequente que é a do terrorismo penal, aquela que defende que os indivíduos já nascem maus e devem pagar pela sua natureza criminosa ou potencialmente criminosa. Os que defendem essa visão são também a favor da antecipação da maioridade penal e da pena de morte, ou do emprego de biotecnologias para consertar o caráter originariamente criminoso das pessoas.

A questão é que o modelo de sociedade adotada (seus valores, sua forma de reconhecimento social) pode ser, ele mesmo, criminógeno, ou seja, estimular e incentivar práticas criminosas. E o próprio aparelho de segurança do Estado contribuir muito para a violência. A propósito, é possíel compatibilizar o princípio da dignidade humana com o universo carcerário, a cultura prisional ou o tratamento dispensado aos apenados pelo Estado? - Se não for possível, temos de admitir que é uma enorme hipocrisia discutir "politica criminal", talvez a palavra correta fosse "política criminosa", político de extermínio lento, silencioso e continuado dos presos, já que a função da pena seria apenas taliônica, nem prevenir nem reabilitar. Punir, punir e punir.

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Essas considerações, inspiradas numa leitura de uma tese de doutorado em filosofia do direito penal, vieram a tona a propósito do massacre ou genocídio que vem ocorrendo no sistema prisional de Pernambuco, com a omissão ou a concordância dos agentes públicos encarregados da custódio, do cumprimento da pena e a liberdade dos presos. As sucessivas rebeliões nos vários presídios do estado, a superlotação carcerária, o atraso da aplicação da lei das execuções penais, a falta de pessoa,l tudo isso leva a crer que os detentos de Pernambuco foram condenados a morte pelo estado e só aguardam a execução da sentença, pelas mãos dos próprios apenados ou pela tropa de choque, para qualquer fim-de-semana. Seria mais honesto, ficar com a constatação desalentadora do sociólogo-jurista Luciano de Oliveira, quando diz que os miseráveis já não têm lugar na sociedade e que podem ser eliminados sem pena e sem dó. É o que ele chama de neofascismo. A política criminal do Estado de Pernambuco é neofascista, apesar de existir - na aparência - uma secretária da (in)justiça e dos (não)direitos humanos(?). E das declarações rotineiras e sem o menor sentido do atual secretário da pasta.

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