Picadinho de reforma política: temos que engolir?
Eduardo Cunha está pisando na Constituição e transformando o Congresso em mico nacional
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Será que aqueles brasileiros que demonstraram nas ruas tanta indignação com a corrupção na política estão acompanhando a votação da pretensa reforma política no Congresso? Ou já estão pensando nas férias de julho e procurando passagem para Miami?
Eduardo Cunha, o presidente da Câmara que nas eleições do ano passado era aliado de Dilma e agora quer mandar mais que a Presidente da República, está transformando o Congresso Nacional em circo. Cada dia um show no picadeiro.
O mais impressionante é que todos aqueles deputados, alguns com experiência legislativa de décadas, estão permitindo que o mico se instale.
Vários são os exemplos de sandice e da crise de "eu tudo posso" de Eduardo Cunha, com apoio de seus pares.
A PEC sobre financiamento público e privado de campanhas eleitorais, aprovada através de um atalho constitucional, criou uma situação absurda, que abre a possibilidade de contestação via Supremo Tribunal Federal. Não pelo resultado da votação, mas pelo artifício usado por Cunha para aprovar seu conteúdo.
O presidente da Câmara dos Deputados desobedeceu o artigo 60 da Constituição Federal segundo o qual matéria de proposta de emenda rejeitada ou prejudicada em votação não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.
E ele fez exatamente isso. Picotou a matéria até conseguir aprovação da proposta na quarta votação.
Na primeira tentativa colocou em votação o financiamento público e doação de empresas e pessoas físicas a candidatos e partidos. Foi rejeitada.
Na segunda colocou em votação a permissão para o financiamento público e doações apenas de pessoas físicas. Foi rejeitada.
A terceira votação propunha o financiamento exclusivamente público. Não passou.
Na quarta, aprovou-se um sistema misto de financiamento público e doações de empresas e pessoas físicas a partidos; e de pessoas físicas a candidatos.
Ou seja, a única diferença em relação às regras atuais é que fica proibido o financiamento de empresas diretamente aos candidatos, mas permite que empresas façam doações aos partidos, a quem caberá repassar aos seus candidatos.
O que se pergunta é o que terá levado 60 deputados a mudarem de ideia de um dia para o outro, sem nenhuma mudança de peso na conjuntura política do país, fazendo com que a emenda fosse aprovada?
O número de votantes em cada uma delas está no site da Câmara dos Deputados para quem quiser ver.
Na primeira votação derrubaram o financiamento privado a campanhas políticas e na quarta aprovaram o financiamento de empresas aos partidos políticos.
A sociedade brasileira deve estar se perguntando. Isso faz alguma diferença? quem assegura que as empresas não indicarão aos partidos quem preferencialmente querem apoiar? não condicionarão suas doações ?
O grande coadjuvante da corrupção no país que é o financiamento privado a campanhas políticas continua sendo permitido. Onde está a mudança?
A celeuma se instalou. Sessenta e três deputados federais de seis partidos prometem recorrer à Justiça contra a votação que aprovou a doação de empresas a partidos políticos nas campanhas eleitorais. OAB e juristas apoiam a medida.
Em declaração ao Brasil 247, o jurista Luiz Moreira, ex integrante do Conselho Nacional do Ministério Público, disse que se a Câmara não anular a votação o STF deve declarar a inconstitucionalidade de emenda aglutinativa 28/2015.
Será necessário, no entanto, que a pressão popular seja exercida para que esta e outras iniciativas do gênero, como aquela que está a mais de um ano mofando na mesa do ministro Gilmar Mendes, sejam julgadas.
Quando criticado a respeito o que faz Eduardo Cunha? Habilmente toma medidas para desviar a atenção da opinião pública. Muda de assunto, para outros igualmente polêmicos. Sua intenção é confundir.
Em outra de suas sandices colocou em votação, sem discussão, e conseguiu aprovação, para uma questão de extrema importância que é o fim da reeleição para Presidência da República, governos de estado e prefeituras no país.
E o placar foi de 452 votos a favor, 19 contra e 1 abstenção, ou seja, uma maioria expressiva dos deputados votou pelo fim da reeleição, como se a ideia para eles fosse clara como o dia.
Será que suas excelências defendiam a medida em seus programas de campanha? seus eleitores ouviram deles nos palanques que iriam acabar com reeleição no Brasil? Creio que não.
Quantas pesquisas de opinião foram feitas a respeito? em quantos debates sobre a questão brasileiros jovens e adultos, mais ou menos informados, participaram?
O debate foi praticamente inexistente na imprensa, nos sindicatos, nas universidades. Ninguém tem posição formada a respeito, mas o Congresso Nacional aprovou a matéria a toque de caixa, em nome da Nação brasileira.
O pior é que acabaram com a reeleição antes de definirem a duração dos mandatos. Agiram como colegiais aprovando detalhes sem definir o projeto global e sem entender se estes mesmos detalhes se encaixariam harmonicamente dentro do todo.
Se a intenção era aprimorar e simplificar deveriam ter pensado em instituir a coincidência das eleições para a Presidência da República, governos de estados e municípios, Senado e os legislativos federal, estadual e municipal.
Esta matemática, no entanto, parece muito complexa. Em 2016 teremos as eleições para as prefeituras e legislativos municipais.Se o sucessor(a) de Dilma eleito(a) em 2018, sem direito à reeleição, tiver cinco anos de mandato, seu sucessor(a) virá em 2023.
Novas eleições para prefeituras e legislativos municipais deverão acontecer em 2021, e em 2022 outra para renovar o mandato de quatro anos dos deputados (federais e estaduais) que se elegerem em 2018.
Ou seja, teríamos eleições em 2016, 2018, 2021 e 2023 e não se sabe se e sobre qual delas as novas regras estarão válidas.
A reflexão que temos que fazer neste momento é que, com todo este show, na prática não aconteceu, até agora, aquilo que minimamente se esperava da reforma política: a garantia de baixar o preço das campanhas políticas; a estipulação de limites para os gastos; a proibição do financiamento de empresas; ou seja, ferir de morte a influência do poder econômico dentro do Congresso Nacional.
O que está acontecendo, na verdade, é uma votação a toque de caixa, muito mais para se comprovar a "eficiência" de Eduardo Cunha do que para se fazer a reforma política necessária para o país e ansiada por grande parte da sociedade brasileira.
VAMOS ENGOLIR CALADOS?
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