Petrobrás 2019: direção acelera na contramão e Brasil entra em ciclo do tipo colonial

Presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET), Felipe Coutinho afirma que "nenhum país se desenvolveu exportando petróleo cru por multinacionais estrangeiras e importando produtos refinados, é preciso estancar as veias dilaceradas do Brasil e interromper este novo ciclo do tipo colonial"

(Foto: ABR)


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O Brasil está sendo submetido à exploração do tipo colonial, depois dos ciclos do pau-brasil, do açúcar, do ouro, prata e diamantes, do café, da borracha e do cacau, é a vez do ciclo extrativo e primário exportador do petróleo brasileiro. 

O petróleo do Brasil tem sido exportado em volumes recordes, cerca de 1,2 milhões de barris de petróleo por dia, volume equivalente a 45% da produção de petróleo cru no país. 

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Existe relação entre o consumo de energia, o crescimento econômico e o desenvolvimento humano. O consumo per capita de energia no Brasil é muito baixo, quase seis vezes menor em relação aos Estados Unidos e quase cinco em relação a Noruega. No entanto, quase metade do petróleo produzido no Brasil não tem sido consumido no país, está sendo exportado, em grande medida por multinacionais estrangeiras.

Enquanto se exporta o petróleo cru do Brasil, o país importa cada vez mais seus produtos refinados. São importados cerca de 500 mil barris de derivados de petróleo por dia, a maior parte produzida nos Estados Unidos. 

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A política de preços da Petrobrás, desde 2016, é de paridade em relação aos preços dos combustíveis importados. A prática de preços mais altos que os custos de importação tem viabilizado a lucratividade da cadeia de importação e a competitividade dos combustíveis importados, em especial dos Estados Unidos. 

O combustível brasileiro mais caro perde mercado para o importado, o que resulta na ociosidade das refinarias da Petrobrás, em até um quarto da sua capacidade. 

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O consumidor brasileiro paga preços vinculados ao petróleo no mercado internacional e à cotação do dólar, além dos custos estimados de importação, apesar do petróleo ser produzido no Brasil e de haver capacidade de refiná-lo no país, enquanto isso a Petrobrás perde mercado. 

De janeiro a julho de 2019, 82% do diesel importado pelo Brasil foi produzido nos Estados Unidos. Da gasolina 71% e do etanol - que ocupa o mercado da gasolina - 94%. 

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Nenhum país se desenvolveu exportando petróleo cru por multinacionais estrangeiras e importando produtos refinados, é preciso estancar as veias dilaceradas do Brasil e interromper este novo ciclo do tipo colonial.

Ainda sofremos as consequências de nossa herança colonial. As classes dominantes no Brasil são acostumadas a viver em subserviência aos interesses da metrópole, um dia Portugal, depois a Inglaterra, e agora os Estados Unidos. A cultura desta fração da sociedade é mimética, se copiam valores e visões de mundo que vêm de fora. Na indústria do petróleo, na qual o consenso é lugar comum, as consequências podem ser ainda mais deletérias.

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O governo federal não dispõe de uma política para o controle da produção e da exportação de petróleo. Não conhece todo o potencial de reservas do pré-sal, mas apressa leilões de áreas que podem conter dezenas de bilhões de barris de petróleo, apenas para cobrir déficits fiscais. Esta política poderá levar ao esgotamento prematuro das reservas nacionais. 

É necessário investir na delimitação de jazidas e na definição das reservas do pré-sal, como condição para definir a extensão das concessões. O petróleo produzido deve ser direcionado, prioritariamente, para o uso interno e para a produção de derivados pelo parque de refino nacional. A exportação deve ser residual. 

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O objetivo do planejamento da produção deve ser a segurança energética nacional e o abastecimento aos menores custos possíveis. 

A natureza e o trabalho de gerações de brasileiros nos deram a grande oportunidade que é o petróleo do pré-sal. Precisamos ser capazes de empreender um projeto soberano para, desta vez, usar as riquezas naturais brasileiras em benefício da maioria da população. (Coutinho, Brasil e o ciclo extrativo do petróleo - Nova colônia em pleno século 21, 2019)

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Leilão do Excedente da Cessão Onerosa 

O Leilão do Excedente da Cessão Onerosa foi inoportuno porque acelera o ciclo do tipo colonial, extrativo e primário exportador do petróleo cru brasileiro.

Antes do Leilão do volume Excedente da Cessão Onerosa e da 6ª Rodada de Partilha do pré-sal, realizados em 2019, já havia sido concedido o volume estimado de 27 bilhões de barris equivalentes de petróleo (bep) - na Cessão Onerosa e nos cinco primeiros leilões de partilha do pré-sal – volume que está em produção ou em desenvolvimento. Comparado com as reservas nacionais provadas, representa a 15ª maior reserva internacional. Mais do que duas vezes maior do que a atual reserva provada do Brasil (13,0 bilhões bep) e da Argélia (12,2), mais do que três vezes maior que as reservas de Angola (8,3), Equador (8,3), México (7,3) e Azerbaijão (7,0) e mais do que quatro vezes a reserva provada da Noruega (6,6).

Estima-se que o volume recuperável no Excedente da Cessão Onerosa possa alcançar até 15 bilhões de barris de petróleo equivalente. Estamos diante da aceleração do ciclo primário exportador do petróleo brasileiro. 

O Leilão do Excedente da Cessão Onerosa acelerou o ciclo extrativo e primário exportador do petróleo cru brasileiro, adotou critérios lesivos pela baixa retenção do petróleo e da renda petrolífera para o Brasil, por isso foi inoportuno e não atendeu ao interesse nacional. 

(Coutinho, Toma lá direitos previdenciários dos brasileiros, dá cá migalhas pela entrega do petróleo do Brasil, 2019)

Privatização da BR Distribuidora 

A privatização da BR Distribuidora prejudica o fluxo de caixa e a imagem da Petrobrás. O abastecimento de todo o território nacional se torna inseguro diante do interesse privado e de curto prazo do acionista privado controlador.

Que sentido faz vender a BR, líder no segmento de distribuição, abastecendo o mercado nacional e imagem da Petrobrás diante do consumidor? 

A Petrobrás só é forte devido ao Brasil e seu mercado interno e por sua integração do poço ao posto. Do petróleo do pré-sal, passando pelos terminais, dutos, refinarias, distribuidora e postos, há uma rede integrada altamente complexa, cheia de riscos, imprevistos e problemas operacionais que passam desapercebidos ao consumidor, enquanto bem abastecido. (AEPET, Nota da AEPET à sociedade brasileira - A venda da Petrobrás Distribuidora (BR), 2016) 

O resultado da Petrobrás no 3º trimestre de 2019 registrou lucro de R$ 8,8 bilhões. Entretanto, o resultado foi impactado positivamente em R$ 9,4 bilhões pelo lucro obtido na venda das ações da BR Distribuidora. Portanto sem este efeito extraordinário e não operacional, a companhia registraria um prejuízo de R$ 0,6 bilhões. 

O efeito negativo da venda de ativos nos resultados da empresa já está sendo sentido. A venda do controle da BR Distribuidora representou um lucro de R$ 9,4 bilhões para a Petrobrás, mas vai levar à perda de mais de 10% da receita da companhia daqui para frente (em torno de R$ 40 bilhões por ano). 

A Liquidez Corrente é calculada pela divisão do Ativo Corrente pelo Passivo Corrente. Mostra a capacidade da empresa cumprir com seus compromissos de curto prazo (um ano). Há mais de 10 anos a Liquidez Corrente tem se mantido sempre acima de 1,5. Significa que para cada R$ 1 que a empresa tinha a pagar ela sempre dispunha de R$ 1,50 ou mais. 

Situação confortável que por si só mostra que a companhia nunca teve problemas financeiros.

No entanto as coisas vêm mudando rapidamente. Em dezembro de 2018 a empresa registrou Liquidez Corrente de 1,48. Em junho de 2019 caiu para 1.31 e em setembro de 2019 foi de 1,1. 

A Geração Operacional de Caixa é o recurso que sobra depois de cobertos todos os custos e despesas da empresa. É o recurso que pode ser destinado para atender o serviço da dívida, fazer investimentos e distribuir dividendos. 

Há mais de 10 anos a Geração Operacional de Caixa anual da Petrobrás tem se mantido acima de US$ 25 bilhões. Em 2018 foi de US$ 26,4 bilhões. Até junho de 2019 a Geração Operacional de Caixa somava US$ 9,6 bilhões indicando que pela primeira vez, há mais de 10 anos, em 2019 pode ser inferior a US$ 20 bilhões. (Oliveira, 2019).

Privatização da Transportadora Associada de Gás S.A. (TAG)

O sistema de gasodutos da TAG, de 4,5 mil quilômetros de extensão, garante o transporte do gás natural da região de Urucu para várias cidades da Região Norte, com destaque para Manaus; o transporte do gás natural das bacias de Campos e Santos para a Região Nordeste; e o transporte do gás natural entre os Estados da Região Nordeste. Dessa forma, trata-se de uma subsidiária integral da Petrobrás estratégica para o País e para a própria estatal.

Estima-se que o valor presente líquido das despesas da Petrobrás decorrentes da venda de 90% do controle acionário da TAG poderá ser de US$ 12,44 bilhões, em razão dos pagamentos relativos a contratos de transporte de gás natural.

A TAG foi privatizada sem licitação e sem observar as exigências da Lei nº 9.491/1997 e do Decreto nº 2.594/1997. 

A Petrobrás vendeu 90% de sua participação na TAG para o grupo formado pela ENGIE e pelo fundo canadense Caisse de Dépôt et Placement du Québec (CDPQ). Com o pagamento total de R$ 33,5 bilhões para a Petrobrás, sendo aproximadamente R$ 2 bilhões destinados à liquidação da dívida da TAG com o BNDES. O montante equivale a US$ 9,22 bilhões com a taxa da data do fechamento da operação (R$ 3,85 por US$ em 13/6/19). (Petrobras, 2019) 

Por ser bem inferior a US$ 12,44 bilhões, considera-se baixo o valor de US$ 9,22 bilhões para a venda de 90% do controle acionário da TAG. 

Subsidiárias como a TAG apresentam lucratividade praticamente garantida, pois suas receitas são asseguradas por contratos ship or pay, na qual a carregadora, que será principalmente a própria Petrobrás, obriga-se a pagar pela capacidade de transporte contratada, independentemente do volume transportado. (AEPET, Avaliação da iniciativa de privatização da Transportadora Associada de Gás S.A. (TAG), 2019)

Avaliação da proposta do Gás para Crescer 

O Governo Federal promete que com a “abertura” do mercado de gás natural e a retirada da Petrobrás dos segmentos de transporte, distribuição e comercialização haverá redução significativa dos preços do gás ao consumidor. Alega que o objetivo é reduzir o preço ao consumidor de US$ 12,00 para US$ 5,00 por milhão de BTU (MM BTU). 

O setor de gás natural pode ser dividido, basicamente, em três segmentos: produção, transporte e distribuição. No segmento da produção, o mercado já é extremamente competitivo desde a promulgação da Lei nº 9.478/1997, que introduziu o acesso aos blocos para atividades de exploração e produção por meio de licitações públicas. 

Com relação ao segmento da produção, a Empresa de Pesquisa Energética – EPE elaborou um Informe intitulado “Custos de Gás Natural no Pré-Sal Brasileiro”, de 18 de abril de 2019, segundo o qual o preço de equilíbrio (Break-Even) para o gás natural no Pré-Sal é extremamente sensível ao teor de CO2 e à distância à costa. 

O preço de equilíbrio do gás natural para um cenário típico do Pré-Sal, distância de 250 km da costa e 20% de CO2, seria da ordem de US$ 8/MMBtu. 

No segmento de transporte, como os compradores do controle acionário das malhas de gasodutos NTS e da TAG objetivam recuperar seus investimentos e, para reduzir riscos, mantém contratos de médio e longo prazos, não há perspectiva de redução das tarifas de transporte de gás natural, muito pelo contrário as tarifas de US$ 1,57/MMBtu e US$ 1,95/MMBtu devem aumentar com as privatizações dessas empresas a partir do momento em que os contratos forem vencendo. 

Admitindo-se um custo da “molécula” na costa da ordem de US$ 8/MMBtu e uma tarifa de transporte superior a US$ 1,5/MMBtu, o preço do gás natural nos city-gates seria de cerca de US$ 9,5/MMBtu.

Acrescida a margem de distribuição da ordem de US$ 2,00/MMBtu, o preço do gás natural, antes dos impostos, seria de US$ 11,5/MMBtu. 

Incidem sobre a comercialização do gás natural PIS/COFINS e ICMS. A alíquota de PIS/COFINS é de 9,25% e a alíquota de ICMS varia de 12% a 25%. 

Havendo a incidência de PIS/COFINS, o preço do gás natural para a indústria seria da ordem de US$ 14,6/MMBtu, independentemente do papel da Petrobrás. 

Diante do exposto, não é o mercado competitivo que reduziria o preço do gás natural de US$ 12/MMBtu para US$ 5/MMBtu como citado nos objetivos do documento da FGV. Esse documento pode ser considerado falacioso ao indicar que o preço de US$ 12/MMBtu é consequência da atuação da Petrobrás no setor. 

Na realidade, o que pode reduzir o preço do gás natural para a indústria é a efetiva regulação da ANP, os baixos custos da Petrobrás no segmento de produção e os baixos custos de transporte que a estatal tinha, a efetiva regulação das agências estaduais, a redução das margens das distribuidoras locais e a redução dos tributos. (AEPET, Nota técnica sobre proposta da FGV para a produção, transporte e distribuição de gás natural no Brasil, 2019)

Refinarias da Petrobrás podem abastecer aos menores custos e garantem desempenho corporativo com preços moderados do petróleo, mas atual direção defende ideologicamente a privatização de oito refinarias

A integração na indústria do petróleo significa atuar desde a exploração e produção do petróleo, ao refino, petroquímica e distribuição. A integração assegura a resiliência empresarial necessária diante da variação do preço do petróleo, fixado em mercados financeiros internacionais e, em especial no caso brasileiro, à volatilidade do valor relativo da moeda nacional. 

Quanto menor o grau de integração, maior a exposição à choques de oferta, que derrubam o preço, destruindo a lucratividade da atividade de Exploração e Produção (E&P).

Apesar disso, a atual direção da Petrobrás planeja privatizar oito das treze refinarias da Petrobrás e reduzir à metade sua atual capacidade de refino. Caso concretizada a privatização, em breve a Petrobrás terá capacidade de produzir 3 milhões de barris de petróleo cru e de refinar apenas um terço deste volume.

Desde 1997, não há monopólio no segmento de refino exercido pela Petrobrás. O mercado brasileiro é aberto e competitivo.

A alegação de que existe “monopólio de fato” no setor de refino do Brasil, implicaria na possibilidade de a Petrobrás praticar preços acima do nível competitivo e, mesmo assim, não incorrer em perda de mercado (market share). Essa hipótese é falsa, conforme mostram os dados de perda de participação no mercado da Petrobrás nos anos de 2016 e 2017, quando a empresa perdeu parcela significativa do mercado para refinarias estadunidenses, localizadas no Golfo do México, ao praticar preços acima da paridade de importação (PPI), de acordo com a política de preços iniciada em outubro de 2016.

O aumento expressivo da ociosidade do parque de refino brasileiro em 2017 e no primeiro trimestre de 2018 (quando se aproximou de 30%) também comprova a nulidade do conceito de “monopólio de fato” no refino do Brasil, uma vez que mostra a incapacidade de a Petrobrás sustentar preços acima da PPI sem perda de mercado. Tal fato revela um outro conceito econômico associado à questão do monopólio, o do Mercado Relevante.

A integração vertical e os ativos do Abastecimento são fundamentais para garantir os resultados corporativos da Petrobrás, assim como para evitar que o País retorne à dependência do capital estrangeiro como ocorreu no setor até 1937. São os ativos do Abastecimento, Distribuição e Petroquímica que garantem a geração de caixa nos períodos de valorização do Dólar, desvalorização do Real e do petróleo no mercado internacional.

O somatório do lucro operacional do Abastecimento da Petrobrás nos anos de 2015, 2016 e 2017 registrou US$ 23,7 bilhões, em valores corrigidos para 2018, enquanto o E&P obteve US$ 9,4 bilhões no mesmo período, quando o preço do petróleo médio foi de US$ 52,68 por barril.

A privatização de refinarias, terminais, dutos e distribuidora traz prejuízos muito mais graves à resiliência e sobrevivência da Petrobrás, com preços moderados de petróleo, do que presumíveis benefícios pela redução dos gastos com juros decorrentes da antecipação da redução da dívida. (Coutinho, Refinarias da Petrobras garantem resiliência corporativa e segurança ao abastecimento nacional, 2019)

Proposta da AEPET para a Política de Preços do Diesel 

A produção e o refino de petróleo, com destaque para o óleo diesel, não podem ser tratados como simples negócios privados, ainda mais no caso de produtos cujos preços apresentam alta volatilidade no mercado internacional e no caso de países como o Brasil, onde há também alta variabilidade da taxa de câmbio.

Após a greve dos caminhoneiros iniciada no dia 21 de maio de 2018, o governo brasileiro busca evitar o risco da deflagração de uma nova greve do setor. Contudo, um dos principais entraves à uma solução definitiva revela-se em não contemplar uma política adequada para o preço do diesel, o fundamental custo do transporte rodoviário.

Ao se entender que o preço do diesel no Brasil deve ser ajustado de acordo com o preço de paridade de importação (PPI), a administração da Petrobrás considera como parâmetro a cotação “Free On Board” (FOB) em centro de distribuição (hub) situado na região do Golfo do México dos EUA – USGC, adicionada do custo de internação. 

De acordo com a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP, o custo de internação dos derivados produzidos nas refinarias localizadas nos hubs do USGC gira em torno de 10% do preço FOB do diesel nos EUA. Para os importadores, o “custo de internação” é de R$ 0,15 a R$ 0,30 por litro, de modo a cobrir frete, taxas portuárias, seguros e margem de lucro. 

Dessa forma, o preço do diesel no mercado brasileiro passa a ser resultado da variação do preço do petróleo e derivados no mercado internacional e da taxa de câmbio no Brasil. Esse tipo de política desconsidera a capacidade da Petrobrás operar, de forma lucrativa e sustentável com preços abaixo daqueles praticados pelas empresas importadoras de derivados, conhecidas como “traders”. 

O Brasil, com a descoberta da província petrolífera do Pré-Sal, tem oportunidade de se tornar autossuficiente tanto em petróleo quanto em derivados. O custo de extração da Petrobrás nessa província já é inferior a US$ 7 por barril. O preço mínimo do petróleo para viabilização dos projetos do Pré-Sal (breakeven ou preço de equilíbrio), que era de US$ 43 por barril no portfólio da estatal, já é inferior a US$ 30 por barril. Quando se considera o custo médio total de produção de todos os campos situados na plataforma continental brasileira, de forma a remunerar todos os agentes econômicos envolvidos na atividade, chega-se ao preço de equilíbrio de US$ 40 por barril.

O custo total de produção somado ao custo médio de refino (fixo e variável), de US$ 4,00 por barril, valor conservador em relação ao custo informado de US$ 2,50 por barril, totaliza US$ 44 por barril. Utilizando-se uma taxa de câmbio de R$ 4,00 por Dólar dos Estados Unidos (US$) e considerando-se que um barril tem 158,98 litros, o custo médio de produção do óleo diesel, por exemplo, é de R$ 1,11 por litro. 

Assim sendo, não é razoável que a Petrobrás pratique a política de preço de paridade de importação, que faz com que a estatal venda para as distribuidoras um litro de óleo diesel S10 por R$ 2,32, em média e a título de exemplo, no dia 15 de maio de 2019. Esse valor representa uma margem de lucro operacional bruto de 109%. 

Os objetivos da proposta da AEPET são abastecer o mercado brasileiro aos menores custos possíveis e garantir a sustentabilidade empresarial da Petrobrás, ao assegurar que suas margens operacionais sejam compatíveis com a indústria internacional, com alta capacidade de investimento e resiliente à variação do preço do petróleo. 

O primeiro ponto que merece atenção é o fato de a Petrobrás incorporar no preço do diesel o custo de internação deste produto, por uma trader, que compra o produto de uma refinaria nos Estados Unidos e internaliza-o para uma base de distribuição no Brasil. 

Ou seja, a Petrobrás cobra da população brasileira um custo de internação com o qual não é onerada, uma vez que mais de 90% da demanda de diesel no Brasil pode ser atendida pelo parque nacional de refino, que não incorre no custo de internação de um produto refinado nos Estados Unidos. 

Dessa forma, o primeiro compromisso que a Petrobrás pode assumir é o desconto relativo ao custo de internação de uma trader que importa o diesel dos Estados Unidos.

A proposta de determinação do preço considera as seguintes referências: 

1) o preço do diesel produzido no Golfo dos Estados Unidos (FOBUSGC), origem da maior parte do diesel importado pelo Brasil; 

2) o preço competitivo para exportação de diesel pelas refinarias brasileiras, chamado de preço paritário de exportação (PPE); 

3) os custos de exploração, produção e refino para a produção do diesel pela Petrobrás 

A proposta resulta em reduções sobre o preço praticado pela Petrobrás, desde 2016, que é o preço paritário de importação (PPI). 

Os descontos são progressivos e proporcionais à variação do preço do petróleo no mercado internacional. Quanto maior o preço do petróleo e do preço paritário de importação (PPI), maiores são os descontos praticados para os preços de venda do diesel nas refinarias da Petrobrás. 

Ou seja, o preço do diesel no mercado brasileiro passaria a ser menor do que o praticado atualmente, que é paritário à importação (PPI). Assim como, menor que o preço praticado nos Estados Unidos (FOB-USGC), quando o patamar do preço do petróleo ultrapassar a marca de US$ 30 por barril, que corresponde a R$ 120 por barril, para o câmbio de 4,00 R$ / US$.

A política proposta permite a redução do preço do diesel vendido nas refinarias da Petrobrás de R$ 0,10 a R$ 0,76 por litro, em função da variação do preço do petróleo Brent, de US$ 30 a US$ 120 por barril. Foi considerada uma taxa de câmbio de R$ 4,00 por US$. 

Esta redução de preços nas refinarias tem reflexo estimado de redução dos preços ao consumidor final, nos postos de distribuição, de R$ 0,15 a R$ 1,18 por litro. Para o patamar dos preços do petróleo de US$ 70 por barril e câmbio de R$ 4,00 por US$, a redução do preço ao consumidor média seria de R$ 0,53 por litro. 

A política de preços proposta preserva a lucratividade e capacidade empresarial da Petrobrás, compatível com seu desempenho histórico e consistente com seus pares da indústria internacional. A política de preços proposta pode ser caracterizada como de Preço Justo e Competitivo (PJC). (AEPET, Proposta de nova política de preços do diesel para a Petrobrás, 2019) 

Falácia da Privatização para Redução da Dívida da Petrobrás 

As reduções da dívida e da alavancagem da Petrobrás têm sido utilizadas como pretexto para a privatização dos ativos da companhia. 

A Petrobrás reduziu sua dívida líquida de US$ 115,4 para US$ 69,4 bilhões e sua alavancagem (dívida liquida / EBITDA ajustado) de 4,25 para 2,20, entre o final de 2014 e de 2018. 

Nesse mesmo período de quatro anos, a Petrobrás vendeu ativos no valor de US$ 18,72 bilhões. Deste total, os valores efetivamente recebidos em caixa totalizaram US$ 11,81 bilhões.

Esta dívida poderia ser reduzida, mesmo sem a entrada no caixa dos US$ 11,81 bilhões. Na realidade, as privatizações tiveram influência pouco relevante na redução do endividamento líquido da companhia, como se verá a seguir. 

Limitou-se a 25,65% da redução da dívida líquida, entre 2015 (final de 2014) e 2019 (final de 2018), que pode ser atribuída a venda de ativos. Cerca de três quartos (74,35%) da redução da dívida teve origem na geração operacional de caixa da Petrobrás. 

Verifica-se que mesmo sem vender qualquer ativo a dívida liquida da Petrobrás teria sido reduzida de US$ 115,4 para US$ 81,19 bilhões, do final do exercício de 2014 ao final de 2018, atingindo indicador de alavancagem (dívida liquida / EBITDA ajustado) de 2,58, resultado próximo à meta arbitrada pela direção da companhia de 2,50. 

Na realidade, o resultado teria sido ainda melhor porque nesta estimativa não foi considerada a perda de geração operacional de caixa decorrente da venda de ativos altamente rentáveis, como a malha de gasodutos do Sudeste, da Nova Transportadora do Sudeste (NTS), subsidiária integral da Petrobrás. 

A meta e o prazo para o indicador de alavancagem, ainda que arbitrários, de 2,50 para o final de 2018, seriam atingidos, mesmo sem privatizar um único ativo da Petrobrás entre 2015 e 2018. (AEPET, A falácia da privatização para redução da dívida da Petrobrás - Avaliação econômicofinanceira da influência das privatizações na redução da dívida da Petrobrás, 2019)

Direção da Petrobrás acelera na contramão com privatizações e desintegração

O atual presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco, declarou que seu sonho é a companhia privatizada. Estivéssemos em período de normalidade institucional, sendo os dirigentes responsáveis pelo sucesso dos órgãos sob sua direção, tal desejo seria motivo para substituição do gestor. 

O Plano de Negócios e Gestão projeta privatizar US$ 26,9 bilhões, entre 2019 e 2023. Pretende-se privatizar oito refinarias que respondem por 50% da atual capacidade de refino, a subsidiária para a atividade típica de todas as petroleiras, a distribuição, BR Distribuidora, além de gasodutos, terminais, fábricas de fertilizantes, participação na petroquímica e na produção de biocombustíveis. A tudo isso se acrescenta a alienação de direitos de produção em reservas de petróleo e gás natural. Ou seja, promover um fim esquartejado da maior empresa brasileira. 

As privatizações e a consequente desintegração da Petrobrás estão na contramão da tendência da indústria internacional e da crescente relevância das companhias petrolíferas estatais. 

As estatais já são 19, entre as 25 maiores empresas de petróleo e gás natural, controlando 90% das reservas e 75% das produções mundiais. 

As vendas de ativos da Petrobrás não se justificam pela redução do endividamento e estão em contradição com o aumento da integração vertical e da internacionalização das companhias de petróleo, inclusive as estatais.

Apesar do crescimento da produção de energia renovável, a quota dos fósseis - petróleo, carvão e gás natural - na matriz energétiica global está em torno de 80% da demanda total de energia primária e permanece estável nos últimos 25 anos.

Malgrado as alegadas preocupações relacionadas aos efeitos das emissões de carbono na mudança climática, induzida pelo homem, a maioria das análises de profissionais prevê que os hidrocarbonetos continuarão a ser a fonte dominante da energia da humanidade em futuro previsível.

Diferentemente da maioria das commodities, o petróleo é especialmente importante na política internacional e no desenvolvimento socioeconômico das nações. Estas características do setor petrolífero explicam por que muitos países produtores e importadores têm optado pela intervenção estatal.

As políticas do setor de petróleo buscam uma variedade de objetivos socioeconômicos, incluindo a maximização do valor presente líquido da renda econômica derivada da exploração do petróleo, equidade intertemporal, promoção de integração da cadeia produtiva, promoção do comércio bilateral, autossuficiência e segurança de suprimentos etc. As estatais são frequentemente usadas para alcançar ampla gama destes objetivos, como ferramenta principal ou em combinação com outros meios políticos. 

A avaliação da eficiência das estatais deve considerar seus objetivos sócio econômicos: a segurança e autossuficiência energética nacional, a redução dos custos de abastecimento, a maior recuperação e reposição de reservas, a apropriação pelo Estado de maior fração da renda petroleira, acesso às informações de investimentos e operacionais para maior eficiência tributária e regulatória do setor, a garantia de vantagens geopolíticas ao Estado por dispor do petróleo em suas relações internacionais e o desenvolvimento nacional resultante das políticas de investimento com conteúdo local, bem como em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, com a resultante geração de empregos e soberania tecnológica.

Enquanto a avaliação da eficiência das petrolíferas controladas pelo capital privado deriva da geração de valor para os acionistas, expressa pela relação entre o pagamento de dividendos e o preço das ações e/ou pela simples valorização do preço das ações no mercado.

As comparações da eficiência, entre as petrolíferas estatais e destas com as petrolíferas de capital privado, devem ponderar a complexidade dos objetivos perseguidos pelas estatais, em comparação com a simples maximização do retorno aos acionistas sobre o capital aplicado, que é a perseguida pelas companhias privadas. 

Em suma, o desempenho de uma estatal deve ser medido com referência à sua função objetivo, e não a partir do objetivo das companhias privadas. 

Nos anos 1970, as estatais controlavam menos de 10% das reservas de petróleo do mundo, enquanto nos anos 2010 garantem mais de 90%. Essa evolução permitiu que as estatais aumentassem sua capacidade de acessar capital, recursos humanos e serviços técnicos diretamente, com o desenvolvimento de competências internas. 

As estatais têm quatro elementos-chave para o sucesso no setor de petróleo e gás: acesso a capital, acesso à tecnologia, amplitude de capacidades e parcerias, e a eficiência de suas operações. 

Além disso, a mudança dos modelos de negócios, com a internacionalização das estatais, apresenta desafios para as multinacionais privadas colocando em risco a sustentabilidade de seu modelo de negócios e a escassez de seus recursos petrolíferos. Entre esses desafios estão o declínio da produção nos campos de petróleo existentes, a dificuldade de substituir as reservas de petróleo e gás em áreas de acesso restrito, o rápido esgotamento do petróleo convencional ou de fácil acesso, aumentando os custos de exploração e produção de recursos não convencionais e o consequente declínio de suas margens de lucro.

As estatais, com mais acesso ao capital e ao desenvolvimento da especialização interna, têm se transformado de simples produtores de petróleo cru em empresas de energia, totalmente integradas às atividades de refino, comercialização, petroquímica e de energias potencialmente renováveis (biomassa, eólica, solar etc.). 

As estatais são mais capazes de mitigar riscos políticos no exterior por meio de relações intergovernamentais e estratégias de negociação. 

A tendência é que as estatais continuem a rastrear agressivamente novas oportunidades de crescimento em termos de reservas e receitas decorrentes do crescente acesso aos mercados de capitais, aumento dos lucros, maior participação em avanços tecnológicos, gerenciamento de projetos cada vez mais efetivo e desenvolvimento de capacidades técnicas. 

Em suma, as petrolíferas estatais estão em alta porque elas têm uma série de vantagens em relação às multinacionais privadas. 

A aceleração das vendas dos ativos da Petrobrás é resultado de decisão puramente ideológica, não tem coerência com as tendências da indústria internacional e não se justificam diante da realidade empresarial e financeira da companhia e de sua condição de estatal. (Coutinho, Direção da Petrobrás acelera na contramão com privatizações, 2019)

É fundamental abastecer o país aos menores custos possíveis para promover o crescimento econômico e o desenvolvimento humano no Brasil. Para isso é essencial alterar a atual estratégia da Petrobrás, reestatizar seus ativos que foram privatizados, promover investimentos com alto conteúdo local e limitar a exportação de petróleo cru.

Referências 

AEPET. (2016). Nota da AEPET à sociedade brasileira - A venda da Petrobrás Distribuidora (BR). Fonte: http://www.aepet.org.br/noticias/pagina/13653/Nota-da-AEPET-sociedadebrasileira-A-venda-da-Petrobrs-Distribuidora-BR 

AEPET. (2019). A falácia da privatização para redução da dívida da Petrobrás - Avaliação econômico-financeira da influência das privatizações na redução da dívida da Petrobrás. Fonte: http://www.aepet.org.br/w3/index.php/conteudo-geral/item/2953- falacia-da-privatizacao-para-reducao-da-divida 

AEPET. (2019). Avaliação da iniciativa de privatização da Transportadora Associada de Gás S.A. (TAG). Fonte: http://www.aepet.org.br/w3/index.php/2017-03-29-20-29-03/cartas-daaepet/item/2965-avaliacao-da-iniciativa-de-privatizacao-da-transportadora-associadade-gas-s-a-tag 

AEPET. (2019). Nota técnica sobre proposta da FGV para a produção, transporte e distribuição de gás natural no Brasil. Fonte: http://www.aepet.org.br/w3/index.php/2017-03-29- 20-29-03/cartas-da-aepet/item/3135-nota-tecnica-sobre-proposta-da-fgv-para-aproducao-transporte-e-distribuicao-de-gas-natural-no-brasil 

AEPET. (2019). Proposta de nova política de preços do diesel para a Petrobrás. Fonte: http://aepet.org.br/w3/index.php/conteudo-geral/item/3265-proposta-de-novapolitica-de-precos-do-diesel-para-a-petrobras 

Coutinho, F. (2019). Brasil e o ciclo extrativo do petróleo - Nova colônia em pleno século 21. Fonte: http://aepet.org.br/w3/index.php/conteudo-geral/item/3635-brasil-e-o-cicloextrativo-do-petroleo-nova-colonia-em-pleno-seculo-21

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