Pesquisa aponta piora nas condições de trabalho de entregadores durante a pandemia

"Os dados apontam que antes da pandemia aproximadamente 50% dos participantes recebiam até R$ 520,00 semanais. Ainda durante a pandemia, houve aumento em 100% dos que recebem menos do que R$260 por semana", escreve a jornalista Denise Assis sobre pesquisa realizada pelo Grupo de Trabalho Digital da Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista

(Foto: Divulgação)


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Por Denise Assis, para o Jornalistas pela Democracia 

Uma pesquisa sob o título: as “Condições de Trabalho em empresas de Plataforma Digital: os entregadores por aplicativo durante a Covid-19”, realizada pelo Grupo de Trabalho Digital da Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista (REMIR), vem estudando nos últimos dois meses o cotidiano dos que se dedicam a esta atividade. Embora ainda em andamento, o primeiro relatório técnico já apontou uma piora significativa nas condições que enfrentam. Já foram constatados: aumento do número de desligamentos, queda do número de corridas e, também, queda da remuneração. Diante do quadro, tem crescido o número de manifestações de entregadores pelo país, em que as principais reivindicações se referem à responsabilização das empresas frente à segurança e à saúde deles durante a pandemia, fim dos desligamentos injustificados e melhores remunerações.

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Os pesquisadores se dedicam a verificar os impactos das condições em que estão trabalhando os entregadores das principais de plataforma digitais, como iFood, UberEats, Rappi e Loggi, durante a crise da COVID-19. Eles investigam se houve mudanças no que se refere ao tempo de trabalho antes e durante a pandemia; à variação da remuneração recebida antes e durante a pandemia; ao fornecimento de meios de proteção pelas plataformas digitais (como álcool-gel, máscaras e orientações) e, finalmente, à relação dos trabalhadores com a pandemia do coronavírus.

Na primeira fase do estudo, realizado nacionalmente, com ênfase nas grandes cidades, entre os dias 13 e 20 de abril, por meio de um questionário on-line na plataforma Google, os primeiros resultados evidenciam um aumento expressivo da demanda pelo trabalho de entregas. No entanto, enquanto a procura apresenta alta, “há uma queda do rendimento dos trabalhadores, apesar destes manterem longas jornadas de trabalho. Comparando-se a distribuição por faixa de tempo de trabalho, constata-se que antes e durante a pandemia, a maioria dos respondentes trabalhava em faixas com duração acima de 09 horas diárias”.

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Já a remuneração sofre alterações muito significativas. Os dados apontam que antes da pandemia aproximadamente 50% dos participantes recebiam até R$ 520,00 semanais. Ainda durante a pandemia, houve aumento em 100% dos que recebem menos do que R$260 por semana e, por outro lado, redução para em torno de 25% os que auferem rendimento maior que R$ 520,00 semanais. Finalmente, quase 50% apontaram uma queda no bônus concedido pelas empresas-plataforma de entrega.

De acordo com os pesquisadores, “é possível aventar que as empresas estão promovendo uma redução do valor da hora de trabalho dos entregadores em plena pandemia e sobremajorando seu ganho às custas do trabalhador”. No que se refere às medidas de proteção, os trabalhadores vêm tomando, por conta própria, uma série de providências que envolvem também custos adicionais ao seu trabalho. “A grande maioria dos entrevistados afirmou tomar uma ou mais medidas de proteção na execução de seu trabalho”.

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O estudo não deixa dúvidas sobre a atitude dos empresários. Estão reduzindo a remuneração dos trabalhadores expostos aos riscos de contágio para eles e suas famílias, ao desenvolver um serviço essencial para a população brasileira, durante o período de isolamento social. Atitude fundamental para refrear o avanço da doença. 

“A perda de remuneração, associada ao aumento do risco de contágio, intensifica, portanto, as condições laborais precárias e incertas desses trabalhadores”, constatam os estudiosos. Nesta primeira fase da pesquisa foram respondidos 252 questionários, abrangendo 26 cidades, com concentração em quatro delas: São Paulo, Belo Horizonte, Recife e Curitiba. Diante do interesse em expandir o alcance territorial da pesquisa, bem como manter o isolamento social, os pesquisadores optaram pelo desenvolvimento e aplicação de questionário on line (disponibilizado na íntegra ao final do relatório), por meio da ferramenta Google Forms. Foi a forma que encontraram para que o país não fique imobilizado na produção de pesquisas e evitassem o aumento do contato físico, preservando, assim, a saúde pública.

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A pesquisa faz parte do projeto: “Trabalho por plataformas digitais, reconfigurações jurídicas e novos direitos”, dedicado a análise das transformações do trabalho digital no Brasil, coordenado por pesquisadores de diversas universidades. Ana Claudia Moreira Cardoso (UFJF), Henrique Amorim (Unifesp), Ludmila Costhek Abílio (Unicamp), Paula Freitas Almeida (Unicamp), Renan Bernardi Kalil (MPT), Sidnei Machado (UFPR) e Vanessa Patriota da Fonseca (UFPE) formam o GT.

Eles levaram em conta os limites existentes na produção de dados sobre os trabalhadores em plataformas digitais, considerando que estas empresas mantêm alto sigilo sobre seus dados, além de não esclarecem os critérios de extração e usos dos dados sobre as centenas de milhares de trabalhadores e usuários. 

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Os integrantes do grupo de pesquisadores destacam que “nas raras vezes em que estas empresas divulgam dados, o fazem sem apresentar qualquer tipo de fonte ou comprovação daquilo que informam. Mesmo com todas essas limitações, se tomarmos como referência o contingente declarado pela própria empresa Ifood, por exemplo, em termos estatísticos, ao considerarmos o universo de 200 mil entregadores no Brasil, calculam. Ainda assim, consideram que “os dados desta pesquisa apresentam um nível de confiança de 95% e uma margem de erro com variação de 6% para mais ou para menos”.

A distribuição dos trabalhadores por faixa de tempo de trabalho sofreu uma pequena variação, apresentando um aumento de 3% dos que trabalham até 08 horas por dia: 40,5% dos entrevistados afirmaram trabalhar antes da pandemia entre 04 e 08 horas por dia; 59,5% entre 09 e mais de 15 horas diárias. Durante a pandemia, 43,7% relatou trabalhar até 08 horas por dia e 56,4% apontou 09 horas ou mais. A distribuição atual é de 19,8% tanto nas faixas entre 09 e 10 horas diárias, como entre 11 e 12 horas, 10,7% entre 13 e 14 horas e 6,0% em 15 horas ou mais.

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Vale ressaltar que, durante a pandemia, 52% dos entrevistados afirmaram trabalhar os 7 dias da semana, enquanto 25,4% deles, 06 dias. Com isso, 77,4% dos entrevistados tem seu tempo de trabalho dispersos por 06 ou 07 dias na semana; trata-se de um trabalho a ser caracterizado como ininterrupto. 

Entre os trabalhadores que responderam o questionário, a quase totalidade (95,6%) se apresentou como sendo do sexo masculino. Quanto a cor ou raça, 39,7% se identificou como branco, 44,5% como pardo, 14,3% como negro e 0,4% como indígena. No que se refere à distribuição por idade, 15,0% dos entrevistados tinham até 24 anos, 47,6% entre 25 e 34, 33,3% entre 35 e 44 anos e 4% mais do que 44 anos.

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As plataformas digitais pesquisadas (Ifood, Rappi, Uber Eats e Loggi), 25% dos que responderam o questionário disseram trabalhar em apenas uma plataforma digital, 75% estão inscritos em 2 ou mais e, entre estes, 6,2% estariam inscritos nas quatro plataformas e ainda em outras. Ao verificar para quais plataformas digitais os trabalhadores se dedicam unicamente, vemos que a maior parte cita a IFood, seguida da Loggi, Uber Eats e Rappi.

Ao serem questionados sobre as medidas preventivas adotadas pelas empresas pesquisadas para a diminuição dos riscos de contágio por COVID-19, 157 dos entrevistados (62,3%) afirmaram não ter recebido nenhum apoio da empresa para

diminuir os riscos de contaminação existentes durante a realização do seu trabalho e 95

entrevistados (37,7%) disseram ter recebido insumos de proteção das empresas ou dicas

de como realizarem o seu trabalho de forma mais segura, em especial diminuindo o

contato com os consumidores do serviço. 

Entre os métodos de prevenção disponibilizados pelas empresas, a opção mais citada pelos entregadores foi o recebimento de orientações sobre como realizarem o seu trabalho com menor contato com os consumidores dos serviços. A segunda opção com maior número de respostas foi a distribuição de álcool-gel, com 49 entregadores (19,4%) afirmando terem recebido este produto. 

Em relação às medidas preventivas tomadas por conta própria pelos entregadores para diminuir os riscos de contaminação por COVID-19, 244 entrevistados (96,8%) afirmaram estarem adotando alguma forma de medida preventiva, com apenas 8 trabalhadores (3,2%) respondendo de forma negativa a esta questão. 

A pesquisa prossegue, com o grupo aprofundando estudos em outras cidades, mas pelo que se viu até aqui, é que esta parcela de trabalhadores está praticamente entregue à própria sorte.

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